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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Evidências da associação entre adesão ao tratamento e mortalidade em pacientes com DPOC acompanhados em um programa público de gerenciamento de doença no Brasil

Evidence of the association between adherence to treatment and mortality among patients with COPD monitored at a public disease management program in Brazil

Aramís Tupiná Alcântara de Moreira1,2,3, Charleston Ribeiro Pinto1,2,4,5, Antônio Carlos Moreira Lemos2, Lindemberg Assunção-Costa5, Gisélia Santana Souza5, Eduardo Martins Netto1,6

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210120

ABSTRACT

Objective: To evaluate the association between adherence to treatment and mortality among Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD) patients treated in the Brazilian public health system. Methods: This is cohort study of moderate-to-severe COPD patients monitored in a public pharmaceutical care-based Disease Management Program (DMP). All subjects who died one year after the beginning of the cohort were age-matched with those who remained alive at the end of the cohort period. Treatment adherence was measured through pharmacy records. Patients who received at least 90% of the prescribed doses were considered adherent to treatment. Results: Of the 333 patients (52.8% age = 65 years, 67.9% male), 67.3% were adherent to treatment (adherence rate, 87.2%). Mortality was associated with lack of adherence (p = 0.04), presence of symptoms (mMRC = 2) and COPD treatment use. The death was associated with non-adherence, presence of symptoms and previous hospitalization. After adjustment, non-adherent patients to treatment were almost twice times likely to die compared to those adherents (Hazard Ratio (HR) 1.86; CI 1.16-2.98, p = 0.01). Conclusion: Non-adherence to treatment was associated with higher mortality among moderate-to-severe COPD patients treated in the Brazilian public health system. Strategies to monitor and optimize adherence should be strengthened to reduce COPD-related mortality.

Keywords: COPD; Treatment adherence; Mortality; Pharmaceutical care.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a associação entre adesão ao tratamento e mortalidade em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) tratados no Sistema Único de Saúde (SUS). Métodos: Este é um estudo de coorte de pacientes com DPOC moderada a grave acompanhados em um programa público de gerenciamento de doença (PGD) baseado no cuidado farmacêutico. Todos os indivíduos que foram a óbito um ano após o início da coorte foram pareados por idade com aqueles que permaneceram vivos ao final do período da coorte. A adesão ao tratamento foi medida através dos registros de dispensação de medicamentos. Os pacientes que receberam pelo menos 90% das doses prescritas foram considerados aderentes ao tratamento. Resultados: Dos 333 pacientes (52,8%, idade ≥ 65 anos: 67,9% do sexo masculino), 67,3% aderiram ao tratamento (taxa de adesão = 87,2%). A mortalidade foi associada à não adesão (p = 0,04), presença de sintomas (mMRC ≥ 2) e uso de tratamento para DPOC. Os óbitos foram associados à não adesão, presença de sintomas e hospitalização prévia. Após ajuste, pacientes não aderentes ao tratamento foram quase duas vezes mais propensos a ir a óbito em comparação àqueles aderentes (hazard ratio = 1,86; [IC95%, 1,16-2,98], p = 0,01). Conclusão: A não adesão ao tratamento foi associada à maior mortalidade entre pacientes com DPOC de moderada a grave tratados no SUS. Estratégias de monitoramento e otimização da adesão devem ser fomentadas a fim de reduzir a mortalidade relacionada à DPOC.

Palavras-chave: DPOC; Adesão ao tratamento; Mortalidade; Assistência farmacêutica.

INTRODUÇÃO
 
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é evitável e tratável, caracterizada pela limitação persistente ao fluxo aéreo.(1) Atualmente, é a principal causa de morbimortalidade em todo o mundo, o que resulta em um significativo e crescente ônus econômico e social.(1) No Brasil, apenas três doenças apresentam uma taxa de mortalidade mais alta. Além disso, a DPOC foi a principal causa de mortalidade por doença respiratória em 2017.(2)
 
A adesão ao tratamento é considerada um dos fatores mais importantes no gerenciamento da doença, e a sua falha é considerada uma das principais causas de resposta inadequada ao tratamento.(1) A adesão insatisfatória pode levar a desfechos desfavoráveis da doença, incluindo hospitalização e pior qualidade de vida. Koehorst-Ter e col.,(3) a partir de dados do estudo COMIC, encontraram que a baixa adesão aos corticosteroides inalatórios (CI) e tiotrópio foi associada a um maior risco de mortalidade em indivíduos com DPOC.(4)
 
Taxas de adesão ao tratamento em DPOC entre 16,0% e 67,0% têm sido relatadas em pesquisas de vida real.(5-9) Os fatores associados à adesão mais comumente reportados nessas pesquisas incluem: escolaridade, função pulmonar, gravidade da doença e a presença de sintomas. Contudo poucos trabalhos exploraram a associação entre adesão ao tratamento em pacientes com DPOC e mortalidade.
 
A despeito da existência de uma política de acesso gratuito a medicamentos para tratamento da DPOC no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS),(10) estudos recentes demonstraram uma alta frequência de subtratamento.(11,12) Ademais, há dados limitados sobre adesão e seus fatores de risco. O objetivo deste trabalho foi avaliar a associação entre adesão ao tratamento e mortalidade entre pacientes com DPOC acompanhados em um programa público de gerenciamento de doença do SUS.
 
MÉTODOS
 
Este é um estudo de coorte, realizado com pacientes previamente diagnosticados com DPOC referenciados da Rede de Atenção à Saúde para o ambulatório de referência do Programa Gerenciamento de Doença (PGD) baseado no Cuidado Farmacêutico, localizado no Hospital Especializado Octávio Mangabeira, em Salvador, nordeste do Brasil. O objetivo do programa é melhorar o manejo clínico e a capacidade de tomada de decisão para as doenças respiratórias (DPOC, asma, tuberculose, infecção respiratória aguda e câncer de pulmão), no âmbito do sistema público de saúde do estado da Bahia. As atividades do programa incluem assistência médica e farmacêutica com dispensação gratuita e contínua de medicamentos.
 
Pacientes
 
A pesquisa selecionou indivíduos com DPOC admitidos no PGD entre junho de 2011 e janeiro de 2012, com 40 anos de idade ou mais, com gravidade de doença GOLD II (Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease) (moderada), GOLD III (grave) ou GOLD IV (muito grave),(13) relação volume expiratório forçado no primeiro segundo/capacidade vital forçada (VEF1/CVF) pós-broncodilatador < 0,7 e VEF1 pós-broncodilatador < 80% do previsto medido por espirometria. Indivíduos que (i) apresentavam asma, (ii) se recusaram a participar do estudo ou (iii) não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram excluídos da coorte.
 
Os indivíduos que satisfizeram os critérios de elegibilidade foram incluídos na coorte e tiveram seu tratamento monitorado por ao menos 12 meses. Os participantes que concluíram ao menos  um ano no programa e morreram antes de 31 de janeiro de 2019 (data final do seguimento da coorte) foram pareados por idade àqueles que sobreviveram até a data final do seguimento. Cada óbito foi pareado a até três controles sobreviventes. A mortalidade foi analisada através do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. Os óbitos relacionados à DPOC foram definidos de acordo com os códigos J40-J44 da 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS).(14)
 
Procedimentos
 
Os detalhes acerca dos procedimentos de arrolamento e seguimento dos participantes da coorte foram descritos em um estudo anterior.(11) Em síntese, os pacientes foram admitidos no programa e entrevistados por dois farmacêuticos e um pneumologista treinados que utilizaram questionários padronizados para coletar os dados do estudo. Por meio desses questionários, os investigadores registraram o sexo, a idade e a cor da pele autorreferida; anos de escolaridade e renda familiar per capita em salários mínimos no momento do estudo; situação do tabagismo, carga tabágica; tempo de duração da DPOC em anos; número de comorbidades, resultados da espirometria (VEF1 pré e pós-broncodilatador), visitas a serviços de emergência/hospitalizações devido à DPOC nos últimos 12 meses e uso de algum medicamento para o tratamento da DPOC nos últimos sete dias.
 
O nível basal de dispneia foi medido pela escala de dispneia modificada do Medical Research Council (mMRC). Os participantes que obtiveram um escore de dois (2) ou mais foram classificados como sintomáticos. A classificação espirométrica de gravidade da DPOC seguiu os critérios GOLD 2011,(13) de acordo com os quais, 50 ≤ VEF1 < 80% foi considerada como DPOC moderada (GOLD II); 30 ≤ VEF1 < 50%, como grave (GOLD III); e VEF1 < 30%, como muito grave (GOLD IV). Os pacientes foram classificados de acordo com as recomendações da GOLD 2011 em ABCD.(13) A espirometria (modelo Koko Pneumotach; PDS Instrumentation Inc., Louisville, CO, EUA) foi realizada de acordo com as recomendações da American Thoracic Society/European Respiratory Society.(15) As variáveis espirométricas foram expressas em porcentagem do previsto, com base nos valores de referência da população brasileira.(16)
 
Os medicamentos indicados como resposta à pergunta sobre o “uso de algum medicamento para tratamento da DPOC” foram categorizados como: broncodilatadores de curta duração [Antagonistas Muscarínicos de Curta Duração (SAMA), Beta2-Agonistas de Curta Duração (SABA) e suas combinações]; broncodilatadores de longa duração [Antagonistas Muscarínicos de Longa Duração (LAMA) e Beta2-Agonistas de Longa Duração (LABA), isolados ou em combinação com CIs]; CIs; e metilxantinas.
 
No momento do atendimento, os farmacêuticos dispensavam os medicamentos e orientavam os participantes quanto à adesão, efetividade e segurança do tratamento, conforme prescrição médica, e manejo correto dos dispositivos inalatórios. A dispensação ocorria mensalmente, quando eram registradas as datas de comparecimento dos pacientes e a quantidade de medicamentos dispensados.
 
Aspectos éticos
 
O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (n.º de protocolo CAAE: 17268313.8.0000.5030). Todos os pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
 
Cálculo do tamanho da amostra
 
O tamanho da amostra foi calculado com base no número total de pacientes com DPOC moderada a grave no estado da Bahia, que corresponde a 45.900 pacientes, segundo os dados do estudo PLATINO(17) , e considerados os seguintes aspectos: margem de erro relativa de 5%; intervalo de confiança de 95%; prevalência de adesão estimada de 80%, considerando a gravidade da doença e o fornecimento gratuito de medicamentos a todos os pacientes tratados pelo PGD; 20% de perda no seguimento. A partir desse raciocínio, uma amostra mínima de 294 indivíduos deveria ser acompanhada no estudo de coorte para que a amostra fosse representativa dessa população.
 
Análise estatística
 
A taxa de adesão foi calculada de acordo com a seguinte fórmula: (ND ÷ NT) X 100, em que ND = número real de doses dispensadas e NT = número de doses que deveriam ter sido dispensadas durante o período. Indivíduos que receberam pelo menos 90% das doses prescritas durante os 12 meses, a contar da admissão no programa, foram considerados como aderentes ao tratamento. O motivo de ter sido considerada essa taxa de 90%, que é superior às descritas em literatura (80%)(5,7,18,19), deve-se ao fato de a amostra da coorte apresentar maior gravidade da doença e ter acesso gratuito aos medicamentos para DPOC fornecidos pelo PGD.(5,7,18,19)
 
O pacote estatístico da IBM SPSS (Statistical Product and Service Solutions – IBM Corporation, Armonk, NY, EUA) versão 18.0 foi utilizado para análise dos dados. Para a descrição dos dados foi calculada a frequência das variáveis categóricas e nominais; média e desvio-padrão para as variáveis contínuas, ou mediana e intervalo interquartílico, quando as variáveis não apresentaram distribuição normal. O teste qui-quadrado foi empregado para verificar possíveis associações entre variáveis categóricas. Para as variáveis contínuas, o teste t de Student e o teste U de Mann-Whitney foram aplicados para investigar a associação entre variáveis independentes e a adesão ao tratamento. Variáveis com p ≤ 0,10 foram incluídas em um modelo de regressão de Cox ajustado para avaliar a sua influência sobre a mortalidade. No modelo de regressão de Cox, a variável tempo de duração da DPOC foi transformada em uma escala logarítmica (t-DPOClg) para se obter uma distribuição aproximadamente normal. O hazard ratio (HR, razão de risco) foi calculado com intervalos de confiança (IC) de 95% (IC 95%).
 
RESULTADOS
 
Um total de 441 pacientes foram convidados a participar do estudo. Destes, 333 foram incluídos na coorte para avaliar a adesão ao tratamento e 257 na análise pareada (Figura 1).


 
Na coorte, a maioria dos participantes era do sexo masculino (67,9%), idosos (52,8%, ≥ 65 anos) e com renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo (81,7%). Cerca de metade dos indivíduos (44,7%) pertencia ao grupo GOLD D. As características gerais dos pacientes de acordo com os grupos não aderente e aderente ao tratamento são apresentadas na Tabela 1.


 
A taxa de adesão ao tratamento foi de 87,2%. No total, 224 (67,3%) pacientes da coorte aderiram ao tratamento. A adesão foi associada ao grau de dispneia mMRC (p = 0,02) e ao uso prévio de algum medicamento para tratamento da DPOC (p = 0,03).
 
Os pacientes aderentes ao tratamento morreram menos que os não aderentes (20,1% versus 29,4%, p = 0.04). A idade no início da coorte foi fortemente associada à mortalidade (média de idade: grupo óbito: 70,3 (±11,7) anos; grupo sobreviventes: 64,6 (±11,2) anos, p < 0,0001). Diante deste resultado, a fim de reduzir o efeito da idade sobre a mortalidade, realizou-se o pareamento por idade. Os indivíduos mais sintomáticos (mMRC ≥ 2) (p = 0,03) e que foram hospitalizados (p = 0,02) foram a óbito em maior proporção após um ano de seguimento no estudo (Tabela 2). Os participantes que apresentavam a doença há mais tempo (p = 0,01) permaneceram vivos até o final do período de seguimento.

 
Após o ajuste, a probabilidade de ir a óbito no final do seguimento da coorte foi quase duas vezes maior para os indivíduos que não aderiram ao tratamento nos primeiros 12 meses (HR ajustado 1,86; IC 1,16-2,98, p = 0,01) (Tabela 3). Depois do primeiro ano de seguimento, o tempo médio de sobrevida, em anos, foi maior entre os pacientes que aderiram ao tratamento (7,0 versus 6,4 anos, p = 0,02). A Figura 2 mostra as curvas de sobrevida comparando a mortalidade entre os grupos de aderentes e não aderentes ao tratamento.


 
DISCUSSÃO
 
A taxa de adesão ao tratamento da coorte (87,2%) foi mais alta que as observadas em estudos de vida real anteriores, nos quais os valores variaram entre 16,0% e 67,0%.(3,5,6,20,21) Esses resultados podem estar relacionados ao fato de a amostra ter sido composta principalmente de pacientes graves e sintomáticos e que participaram de um PGD baseado em cuidado farmacêutico, cujas intervenções envolveram o monitoramento e a otimização da adesão ao tratamento. Evidências recentes demostraram os benefícios da prática do cuidado farmacêutico sobre desfechos significativos em DPOC, incluindo a melhoria da adesão ao tratamento.(22-29)
 
Geralmente, taxas de adesão próximas a 80% são observadas em ensaios clínicos,(19) nos quais as condições de estudo são mais controladas em comparação a estudos de vida real. Frequência maior de sintomas (mMRC ≥ 2) e gravidade maior da doença podem estar associadas à adesão ao tratamento inalatório.(30-33)
 
Este estudo observou associação entre adesão e mMRC ≥ 2 (p = 0,02), assim como Boland e col., em um ensaio clínico randomizado de dois anos,(19) demonstrando que pacientes mais sintomáticos aderiam mais ao tratamento que os menos sintomáticos durante o segundo ano de ensaio. Este achado fortalece a hipótese de que indivíduos mais sintomáticos sentem mais necessidade de utilizar medicamentos e, com isso, são mais propensos a aderir ao tratamento.
 
Os dados revelaram associação entre adesão e uso prévio de algum medicamento para tratamento da DPOC (75,9%, p = 0,03), demonstrando que os pacientes que vinham em uso de terapia inalatória, ainda que subtratados,(11) tinham maior probabilidade de manter a terapia após admissão no PGD. Os resultados das análises estão de acordo com achados de outras coortes que confirmam a adesão prévia como um fator preditor importante de adesão futura.(5,34) Em um desses estudos, Ingebrigtsen e col,(5) empregando um método indireto para estimar a adesão, constataram que o histórico de adesão (adesão a CI/LABA, LAMA e LABA durante o primeiro ano) estava associado à maior adesão em pacientes com DPOC.
 
A associação entre não adesão ao tratamento e aumento da mortalidade evidenciada na análise multivariada (HR ajustada 1,86; 95% CI 1,16-2,98, p = 0,01) ajustada para escolaridade, grau de dispneia mMRC, hospitalização, VEF1% pós-broncodilatador e log de duração da DPOC é consistente com estudos anteriores.(3,19,20) Por meio de uma análise da Cohort of Mortality and Inflammation in COPD (COMIC), realizado na Holanda, identificou-se aumento do risco de mortalidade entre pacientes com DPOC que subutilizaram CI e tiotrópio, quando comparados aos que relataram o uso da dose ideal, com HR igual a 5,3 (IC 95% 3,3-8,5) versus 6,4 (IC 95% 3,8-10,8), respectivamente.(3) Um estudo italiano de base populacional,(20) que envolveu 12.224 pacientes com DPOC de moderada a grave, avaliou o impacto da adesão à terapia inalatória sobre a sobrevida em cinco anos. A pesquisa relatou que indivíduos em uso de LABA regularmente apresentaram taxas de sobrevida mais altas do que os que usaram ocasionalmente uma combinação de CI/LABA (HR = 0,89, IC 95% 0,79-0,99). Além disso, uma segunda análise do ensaio clínico randomizado Towards a Revolution in COPD Health (TORCH), envolvendo 6.112 pacientes com DPOC de moderada a grave e duração de 3 anos, evidenciou uma associação entre adesão e mortalidade (HR = 0,40, IC 95% 0,35-0,46, p < 0,001). Apesar da diferença metodológica entre os referidos estudos, esses achados mostraram um impacto significativo da adesão ao tratamento sobre a mortalidade e reforçam a importância de uma avaliação adequada da adesão ao tratamento na prática clínica de rotina desses pacientes, a fim de alcançar o manejo adequado da doença.
 
Apesar da elevada taxa de adesão observada nesta coorte, ficou constatado que os pacientes com DPOC, cuja taxa de adesão foi baixa no primeiro ano do PGD, foram os que apresentaram maior risco de morte após esse período. Assim, esse achado reforça a necessidade de implementar medidas que promovam mudanças no comportamento desses pacientes, incentivando a sua adesão ao tratamento prescrito, a fim de obter desfechos positivos de saúde. Nesse sentido, são indispensáveis intervenções baseadas no cuidado farmacêutico, como: (i) incentivo à conscientização sobre a condição de saúde do paciente, incluindo a identificação de sinais e sintomas de controle da doença; (ii) treinamento sobre a técnica inalatória correta; (iii) bem como identificação, tratamento, prevenção e monitoramento de problemas relacionados a medicamentos. Essas são as ações recomendadas que já demonstraram resultados promissores em todo o mundo.(26-29)
 
Este estudo apresenta algumas limitações. A primeira é inerente à aplicação do método indireto de avaliação da adesão, uma vez que a dispensação por si não garante a adesão à farmacoterapia prescrita e o uso adequado do medicamento dispensado.(35) Existem trabalhos que demonstram alta consistência entre dispensação e utilização de medicamentos pelos pacientes.(36-38) Outra limitação foi a escolha de um método apenas para avaliar a adesão, quando, no mínimo, dois são recomendados.(39) Algumas pesquisas demonstraram que adesão obtida por meio de registros de dispensação era compatível com a constatada a partir de métodos diretos, como medidas eletrônicas.(40)
 
Em vista de não ter sido identificada pesquisa semelhante, este é o primeiro estudo em grande escala realizado na população brasileira, no âmbito do SUS, avaliando a adesão ao tratamento de pacientes com DPOC e sua associação com mortalidade. Estudos prospectivos, com aplicação de outros métodos para mensuração da adesão, devem ser considerados com o intuito de identificar fatores preditores da adesão, bem como a relação entre adesão, morbidade e mortalidade relacionadas à doença.
 
Em conclusão, pacientes com DPOC acompanhados em um PGD de um sistema de saúde público, com dispensação gratuita de medicamentos, apresentaram elevada taxa de adesão ao tratamento. Os indivíduos não aderentes no primeiro ano de tratamento tiveram quase duas vezes mais probabilidade de ir a óbito, em comparação aos aderentes, com uma média de 7 a 6,4 anos de seguimento, respectivamente. Estratégias de monitoramento e otimização da adesão devem ser implementadas a fim de reduzir a morbidade e a mortalidade relacionadas à DPOC.
 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
CRP, ACML, LAC e GSS contribuíram para o delineamento e conceito do estudo. CRP e ATAM fizeram a coleta de dados. EMN e CRP realizaram a análise estatística e interpretação dos dados. ATAM e CRP escreveram o manuscrito. EMN, CRP e ACML verificaram o manuscrito final e a revisão crítica. Todos os autores leram e aprovaram o manuscrito final.
 
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