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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

ELMO, uma nova interface do tipo capacete para CPAP no tratamento da insuficiência respiratória aguda hipoxêmica por COVID-19 fora da UTI: estudo de viabilidade

ELMO, a new helmet interface for CPAP to treat COVID-19-related acute hypoxemic respiratory failure outside the ICU: a feasibility study

Betina Santos Tomaz1, Gabriela Carvalho Gomes2, Juliana Arcanjo Lino2, David Guabiraba Abitbol de Menezes2, Jorge Barbosa Soares2, Vasco Furtado3, Luiz Soares Júnior1, Maria do Socorro Quintino Farias4, Debora Lilian Nascimento Lima4, Eanes Delgado Barros Pereira1, Marcelo Alcantara Holanda1,5

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210349

ABSTRACT

Objective: To assess the feasibility of using a new helmet interface for CPAP, designated ELMO, to treat COVID-19-related acute hypoxemic respiratory failure (AHRF) outside the ICU. Methods: This was a proof-of-concept study involving patients with moderate to severe AHRF secondary to COVID-19 admitted to the general ward of a public hospital. The intervention consisted of applying CPAP via the ELMO interface integrated with oxygen and compressed air flow meters (30 L/min each) and a PEEP valve (CPAP levels = 8-10 cmH2O), forming the ELMOcpap system. The patients were monitored for cardiorespiratory parameters, adverse events, and comfort. Results: Ten patients completed the study protocol. The ELMOcpap system was well tolerated, with no relevant adverse effects. Its use was feasible outside the ICU for a prolonged amount of time and was shown to be successful in 60% of the patients. A CPAP of 10 cmH2O with a total gas flow of 56-60 L/min improved oxygenation after 30-to 60-min ELMOcpap sessions, allowing a significant decrease in estimated FIO2 (p = 0.014) and an increase in estimated PaO2/FIO2 ratio (p = 0.008) within the first hour without CO2 rebreathing. Conclusions: The use of ELMOcpap has proven to be feasible and effective in delivering high-flow CPAP to patients with COVID-19-related AHRF outside the ICU. There were no major adverse effects, and ELMO was considered comfortable. ELMOcpap sessions significantly improved oxygenation, reducing FIO2 without CO2 rebreathing. The overall success rate was 60% in this pilot study, and further clinical trials should be carried out in the future. (ClinicalTrials.gov identifier: NCT04470258 [http://www.clinicaltrials.gov/])

Keywords: Pneumonia; SARS-CoV-2; COVID-19; Respiratory protective devices; Continuous positive airway pressure; Noninvasive ventilation.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a viabilidade do uso de uma nova interface do tipo capacete para CPAP, denominada ELMO, para o tratamento da insuficiência respiratória aguda (IRpA) hipoxêmica por COVID-19 fora da UTI. Métodos: Estudo de prova de conceito envolvendo pacientes com IRpA hipoxêmica moderada a grave secundária à COVID-19, internados na enfermaria geral de um hospital público. A intervenção consistiu na aplicação de CPAP por meio da interface ELMO integrada a fluxômetros de oxigênio e ar comprimido (30 L/min cada) e a uma válvula de PEEP (níveis de CPAP = 8-10 cmH2O), formando o sistema ELMOcpap. Os pacientes foram monitorados quanto a parâmetros cardiorrespiratórios, eventos adversos e conforto. Resultados: Dez pacientes completaram o protocolo do estudo. O sistema ELMOcpap foi bem tolerado, sem efeitos adversos relevantes. Seu uso foi viável fora da UTI por tempo prolongado e mostrou-se bem-sucedido em 60% dos pacientes. Uma CPAP de 10 cmH2O com fluxo total de gás de 56-60 L/min melhorou a oxigenação após sessões de ELMOcpap de 30-60 min, permitindo redução significativa da FIO2 estimada (p = 0,014) e aumento da PaO2/FIO2 estimada (p = 0,008) na primeira hora, sem reinalação de CO2. Conclusões: O uso do ELMOcpap mostrou-se viável e eficaz no fornecimento de CPAP de alto fluxo a pacientes com IRpA hipoxêmica por COVID-19 fora da UTI. Não houve nenhum efeito adverso importante, e o ELMO foi considerado confortável. As sessões de ELMOcpap melhoraram significativamente a oxigenação, reduzindo a FIO2 sem reinalação de CO2. A taxa global de sucesso foi de 60% neste estudo piloto, e novos ensaios clínicos devem ser realizados. (ClinicalTrials.gov identifier: NCT04470258 [http://www.clinicaltrials.gov/])

Palavras-chave: Pneumonia; SARS-CoV-2; COVID-19; Dispositivos de proteção respiratória; Pressão positiva contínua nas vias aéreas; Ventilação não invasiva.

INTRODUÇÃO
 
Aproximadamente 15-20% dos pacientes com COVID-19 desenvolvem formas graves da doença, incluindo insuficiência respiratória aguda (IRpA) hipoxêmica e SDRA. Esses pacientes necessitam de oxigenoterapia e suporte ventilatório, o que leva ao aumento do número de internações em UTIs.(1) A taxa de mortalidade dos pacientes intubados tem se mantido muito elevada, chegando a 80% naqueles submetidos à ventilação mecânica invasiva (VM) no Brasil.(2) O aumento da necessidade de uso de ventilador mecânico e de internação em leito de UTI pressiona os sistemas de saúde. Regiões do mundo com recursos escassos correm maior risco de colapso nos sistemas de saúde em virtude do elevado número de pacientes.(2,3) O Brasil ocupa atualmente o terceiro lugar em número de casos e, até 18 de abril de 2021, registrou 371.678 óbitos pela doença.(4) Portanto, estratégias não invasivas têm se tornado cada vez mais importantes para evitar a intubação desses pacientes. Por outro lado, a insistência na ventilação não invasiva (VNI) pode atrasar a intubação orotraqueal. Esse fato pode piorar os desfechos dos pacientes.(2)
 
A aplicação de CPAP por meio de capacete é segura e garante o mínimo de contaminação do ambiente.(5) Além disso, melhora o conforto(6) e a oxigenação(7,8) dos pacientes, evitando a intubação em até 55,4% dos casos.(9,10)
 
No estado do Ceará, uma força-tarefa multidisciplinar desenvolveu uma nova interface do tipo capacete com vedação completa e isolamento respiratório da cabeça do paciente, que permite a aplicação de CPAP de 8-15 cmH2O em associação com o fornecimento de um fluxo de mistura de gases contendo oxigênio e ar comprimido (AC), denominado ELMO (Patente n. BR 20 2020 014212 2; ANVISA 82072609001).(11) Como o ELMO não requer ventilador mecânico, ele pode ser usado fora das UTIs, por exemplo, em enfermarias gerais. Quando testado em voluntários, o dispositivo mostrou-se confortável e seguro, além de ter boa usabilidade pelos profissionais de saúde. Além disso, evitou a reinalação de CO2 desde que fosse oferecido um fluxo adequado de gás (≥ 40 L/min),(11) já que esse efeito adverso é uma das limitações desse tipo de interface.(12) A Figura 1 mostra os componentes do sistema ELMOcpap).


 
O presente estudo teve como objetivo avaliar a viabilidade e a resposta cardiorrespiratória aguda (bem como parâmetros de troca gasosa, conforto e efeitos adversos) do uso desse novo dispositivo do tipo capacete, por meio da oferta de CPAP e O2 para pacientes com IRpA hipoxêmica por COVID-19 fora da UTI. A hipótese principal foi a de que o uso do ELMO é viável na enfermaria geral e é capaz de melhorar a hipoxemia com conforto e sem efeitos adversos relevantes, sendo, portanto, adequado para o tratamento desses pacientes fora da UTI.
 
MÉTODOS
 
Este estudo de coorte prospectivo foi realizado de junho a novembro de 2020 na enfermaria geral do Hospital Estadual Leonardo Da Vinci, hospital terciário com 230 leitos que tem sido referência para o tratamento de casos de COVID-19 durante a pandemia na cidade de Fortaleza (CE). Este estudo foi realizado em conformidade com a Declaração de Helsinque. O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e registrado em https://clinicaltrials.gov/ (NCT04470258). Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e autorizaram o uso das imagens.
 
O protocolo do estudo e as análises estatísticas estão descritos no material suplementar.
 
RESULTADOS
 
Dez pacientes com diagnóstico de IRpA hipoxêmica por COVID-19 completaram o protocolo de estudo proposto (Figura 2).


 
As características demográficas, antropométricas e clínicas basais (ou seja, na admissão hospitalar) são mostradas na Tabela 1. Oito participantes eram homens, e a amostra era predominantemente idosa — mediana [IIQ] = 65 [42-75] anos. Quatro participantes apresentavam peso normal, e seis foram classificados com sobrepeso (n = 3) ou obesidade grau II (n = 3). A gravidade na admissão foi determinada pela pontuação obtida no SOFA e no APACHE II (medianas de 2 [2-2] e 9 [5-11], respectivamente; Tabela 1).

 
Sete dos participantes apresentavam pelo menos uma comorbidade, sendo as mais frequentes a hipertensão arterial sistêmica (em 60%) e o diabetes mellitus (em 40%). Os sintomas iniciais mais comumente relatados foram tosse seca, dispneia e febre (Tabela 1).
 
A mediana do dia de início do uso do ELMOcpap foi o 12º [10º-13º] dia após o início dos sintomas. Metade dos pacientes apresentava comprometimento pulmonar de 75% na TC de tórax realizada até 24 h antes da primeira sessão de ELMOcpap (Figura S1).
 
Parâmetros da gasometria arterial e parâmetros cardiorrespiratórios
 
Durante a primeira hora de uma sessão de ELMOcpap, oito pacientes foram avaliados quanto a parâmetros da gasometria arterial e parâmetros cardiorrespiratórios. Os pacientes 7 e 8 não foram incluídos nesta análise, pois o dispositivo teve que ser retirado. O paciente 7 referiu sentir-se dispneico 40 min após o início da terapia, e o paciente 8 apresentou piora dos parâmetros cardiorrespiratórios, o que levou à retirada do dispositivo.
 
A Figura 3 mostra os efeitos agudos do uso do ELMOcpap nos parâmetros da gasometria arterial. Houve uma melhora significativa, definida como um aumento em todos os parâmetros de oxigenação (PaO2, SaO2 e PaO2/FIO2 estimada) 30-60 min após o início da sessão de ELMOcpap. Essa melhora possibilitou a redução da mediana da FIO2 estimada (0,77 [0,65-0,89] vs. 0,60 [0,49-0,61]; p = 0,014). Houve um incremento de 72 [50-136] unidades na PaO2/FIO2 estimada. Além disso, houve tendência de diminuição da alcalose respiratória, que se refletiu no pH do sangue arterial (7,49 [7,49-7,50] vs. 7,47 [7,47-7,49]; p = 0,056; Figura 3).


 
Quanto aos parâmetros cardiorrespiratórios antes e durante a sessão de ELMOcpap (30-60 min), houve melhoras significativas na mediana da relação SpO2/FIO2 (126,0 [105,0-147,5] vs. 164,0 [157,0-204,0]; p = 0,008) e na pontuação de dispneia na escala de Borg (4,0 [1,5-6,5] vs. 2,0 [0,5-3,5]; p = 0,054), enquanto os outros parâmetros permaneceram estáveis: FC (89,0 [82,5-98,0] vs. 88,0 [76,0-97,5] bpm; p = 0,233); pressão arterial média (97,0 [86,0-108,0] vs. 93,0 [87,5-107,0] mmHg; p = 0,641); FR (28,5 [24,5-34,0] vs. 26,5 [23,5-32,5] ciclos/min; p = 0,866); end-tidal carbon dioxide (ETCO2, concentração de dióxido de carbono ao final da expiração; 33 [29-37] vs. 31 [26-36] mmHg; p = 0,750); e PaCO2 − ETCO2 (7 [3-8] vs. 9 [5-11] mmHg; p = 0,175). Deve-se ressaltar que nenhum dos pacientes apresentou reinalação de CO2, já que o CO2 inspirado (iCO2) permaneceu zero ao longo da sessão de ELMOcpap.
 
Os valores absolutos dos parâmetros cardiorrespiratórios antes da sessão de ELMOcpap (T0) e em 2 min (T2) e 20 min (T20) após o início da sessão são mostrados na Figura S2. Houve melhora da oxigenação (aumento da SpO2 e da relação SpO2/FIO2 e diminuição da FC [de 92 bpm para 87 bpm]; p = 0,006).


 
Utilização do ELMOcpap
 
Todos os pacientes realizaram sessões de ELMOcpap com as seguintes configurações iniciais: fluxo total = 60 L/min (O2 = 30 L/min e AC = 30 L/min); CPAP = 8 cmH2O; e FIO2 estimada = 0,60. Ao final da primeira sessão, as configurações foram os seguintes: fluxo total = 56 L/min (O2 = 26 L/min e AC = 30 L/min); CPAP = 10 cmH2O; e FIO2 estimada = 0,58.
 
A taxa de sucesso — aqui definido como desmame da suplementação de oxigênio por meio do ELMOcpap para suplementação por cânula nasal com fluxo ≤ 3 L/min ou retirada total do suporte de oxigênio — foi de 60%. Dos quatro pacientes que falharam, um não tolerou a terapia após 40 min do início da primeira sessão, e três foram submetidos à intubação orotraqueal em menos de 24 h após a primeira sessão. Desses, dois apresentaram delirium e recusaram a segunda sessão, e um não apresentou melhora da oxigenação durante a sessão (PaO2 e SpO2 diminuíram 8% e 12%, respectivamente, em comparação aos valores basais), com piora da dispneia, o que resultou em descontinuação após 20 min.
 
A mediana das sessões do ELMOcpap foi de 3,5 [1,0-11,0] para uma mediana de 2 [1-5] dias. A mediana da duração diária das sessões foi de 310 [60-1,230] min. Ao longo desse período, houve diminuição gradativa da suplementação de oxigênio até o desmame completo em sete dos dez pacientes. O índice de oxigenação respiratória — ROX = (SpO2/FIO2)/FR — ao final da primeira sessão foi de 6,8 [5,2-8,1]; no entanto, esse índice ainda não foi validado para uso com o dispositivo.
 
A mediana da pontuação atribuída ao conforto proporcionado pela interface, medida ao final de cada sessão por meio de uma escala visual analógica, foi de 7,5 [5,0-8,8]. Essa pontuação sugere que o uso do ELMO foi classificado como moderadamente confortável ou muito confortável. Nenhum dos pacientes usou sedativos ou analgésicos continuamente durante o uso da interface.
 
Os efeitos adversos observados com o uso de ELMO estão descritos na Tabela 2, sendo todos considerados leves pelos pacientes. Deve-se ressaltar que não houve vazamento de ar durante as sessões.



 

 
Dos dez pacientes, três foram submetidos à intubação orotraqueal, sendo nenhuma dessas intubações recomendada durante as sessões de ELMOcpap. Desses, dois faleceram e um foi submetido a traqueostomia e decanulação e teve alta hospitalar em respiração espontânea após quase dois meses de internação. A mediana de tempo de internação hospitalar para os pacientes intubados foi de 24 [7-58] dias, e a mediana de dias em uso de VM e sem VM foi de 19 [4-22] e 5 [3-36], respectivamente. A mediana de tempo de internação hospitalar para os pacientes cuja terapia foi considerada bem-sucedida foi de 13 [13-14] dias. Oito pacientes receberam alta após 13 [7-19] dias de hospitalização. Nenhum dos membros da equipe de pesquisa ou da equipe do hospital contraiu COVID-19 durante o estudo, e todos fizeram uso rigoroso dos equipamentos de proteção individual.
 
DISCUSSÃO
 
O presente estudo de prova de conceito mostrou que o uso de um novo dispositivo do tipo capacete denominado ELMO foi capaz de oferecer CPAP por meio de fluxo contínuo de oxigênio e AC para pacientes com IRpA hipoxêmica por COVID-19 que necessitaram de suplementação de oxigênio fora da UTI. O uso do sistema ELMOcpap resultou em melhora da oxigenação, possibilitando a diminuição da FIO2 sem causar reinalação de CO2 ou hipercapnia. O dispositivo foi bem tolerado, e não foram observados efeitos adversos relevantes; seu uso foi viável fora da UTI por tempo prolongado e mostrou-se bem-sucedido em 60% dos pacientes.
 
A viabilidade, segurança e impacto clínico do suporte ventilatório não invasivo em pacientes com COVID-19 fora da UTI foram descritos em um estudo observacional multicêntrico prospectivo(13) que analisou dados de 670 pacientes. No estudo, 330 pacientes receberam CPAP por meio de capacete ou máscara facial, com o capacete sendo usado com CPAP média de 10,2 cmH2O na maioria dos pacientes.(13) Essa configuração é semelhante à usada no presente estudo. Os pesquisadores concluíram que o uso de VNI fora da UTI era viável quando realizado por equipe experiente e estava associado a resultados favoráveis, como menores taxas de intubação endotraqueal e mortalidade. Por outro lado, esse uso foi associado a risco de contaminação da equipe, que foi minimizado quando foi usada a interface do tipo capacete.(13) Nenhum dos membros da nossa equipe de pesquisa foi infectado pelo SARS-CoV-2 durante o período do estudo enquanto os pacientes estavam em ELMOcpap.
 
Os pacientes consideraram o uso do sistema ELMOcpap moderadamente a muito confortável. Isso permitiu que um dos pacientes permanecesse em ELMOcpap por 15 horas ininterruptas sem efeitos adversos. Os principais efeitos adversos relatados na literatura são a desinsuflação do capacete e úlceras por pressão no pescoço.(10) Em nosso estudo, nenhum paciente desenvolveu úlcera por pressão, mas alguns pacientes relataram algum desconforto na região cervical e nas axilas, que pode ser aliviado com ajustes de posicionamento do colar cervical de silicone e posicionamento simétrico das alças axilares com o uso de coxins subaxilares.
 
A análise dos efeitos agudos nas trocas gasosas e função cardiovascular antes e durante o uso do ELMOcpap revelou uma melhora significativa em todos os parâmetros de oxigenação. Achados semelhantes foram relatados por Coppadoro et al.,(14) que constataram que a relação PaO2/FIO2 dobrou de 100 para 200 mmHg e que a relação PaO2/FIO2 permaneceu constantemente acima de 150 mmHg durante a primeira semana; isso foi associado a uma probabilidade de recuperação sem intubação de 91%.(14) Observação semelhante foi feita na primeira hora de uso do ELMOcpap, com aumento significativo da relação PaO2/FIO2 de 88 para 212 mmHg. Esse efeito pode ser explicado pelo efeito da CPAP no recrutamento de alvéolos inchados e/ou colapsados, com melhora imediata da relação ventilação/perfusão. (8) A pressão positiva pode favorecer uma distribuição mais uniforme da perfusão, desviando o fluxo sanguíneo de áreas pulmonares com shunt e edema para aquelas com alta relação ventilação/perfusão.(15)
 
Identificamos uma diminuição da alcalose respiratória, que pode ser resultado de uma combinação de efeitos da aplicação de CPAP que diminuiu o drive ventilatório: melhora da hipoxemia, aumento potencial da complacência pulmonar, redução do trabalho respiratório e maior conforto.(16,17) Um estudo demonstrou que FR < 24 ciclos/min na CPAP com capacete por algumas horas estava associada a maior eficácia.(14)
 
Quanto à função cardiovascular, constatamos diminuição da FC na primeira hora de aplicação de CPAP sem alterações significativas da pressão arterial sistêmica. No entanto, constatou-se uma diminuição nos níveis de lactato sanguíneo em cinco dos oito pacientes. Esses achados indicam uma diminuição no consumo global de oxigênio e uma menor demanda por suprimento de oxigênio.(18,19)
 
Nenhum dos pacientes do presente estudo apresentou reinalação de CO2. Em comparação com as máscaras faciais, os capacetes, por seu maior volume interno, podem facilitar a reinalação de CO2.(20) Um grupo de autores(12) constatou que esse fenômeno está associado a dois fatores: a quantidade de CO2 produzida pelo paciente e a quantidade de gás que passa pelo capacete. Os pesquisadores não recomendaram o uso de capacete para aplicação de CPAP com ventilador mecânico, pois os ventiladores fornecem CPAP com fluxo de gás igual à ventilação minuto em indivíduos saudáveis; na ausência de vazamento, não há fluxo de gás fresco adicional para liberar o CO2 durante a expiração, o qual fica, portanto, retido dentro do capacete.(12) Assim, o fornecimento de fluxo contínuo elimina esse problema, como pudemos ver no presente estudo. De fato, durante o desenvolvimento do ELMO, demonstramos, por meio da capnografia, o grau de reinalação de CO2 com diferentes fluxos de mistura de gases (30, 40, 50 e 60 L/min). Fluxos ≥ 40 L/min resultaram em reinalação de CO2 nula ou insignificante,(11) o que está de acordo com investigações anteriores.(7,21)
 
A taxa de sucesso descrita neste estudo é semelhante à relatada em um recente estudo de coorte observacional retrospectivo(14) envolvendo 306 pacientes o qual mostrou que o tratamento com CPAP de 10 cmH2O com capacete foi bem-sucedido em 69% dos casos, sendo seu uso viável por vários dias fora da UTI. Nossa taxa ligeiramente inferior pode ser explicada pela gravidade da hipoxemia em nossos pacientes. No estudo supracitado,(14) os pacientes tinham mediana inicial da relação PaO2/FIO2 de 103 [79-176] mmHg recebendo oxigenoterapia padrão, enquanto nossos pacientes apresentaram mediana inicial da relação PaO2/FIO2 de 88,0 [80,5-126,0] mmHg. Outro estudo(9) constatou que a CPAP com capacete falhou em até 44% dos pacientes com IRpA hipoxêmica moderada a grave causada por pneumonia por COVID-19. Os autores relataram que 55,4% dos pacientes com mediana da relação PaO2/FIO2 = 136 mmHg evitaram a intubação e foram então desmamados com sucesso da CPAP para a oxigenoterapia.(9)
 
O presente estudo apresenta algumas limitações, como a ausência de um grupo controle e o pequeno tamanho da amostra. A interface foi desenvolvida para fornecer CPAP com fluxo contínuo de gases durante o pico da pandemia de COVID-19, quando os recursos eram limitados e a aplicação de CPAP com ventiladores de UTI ainda não havia sido estudada. No entanto, esta investigação pioneira realizada no Brasil embasou a aprovação formal da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para a fabricação e comercialização da interface ELMO no país.
 
As implicações clínicas são muitas: primeiro, o ELMO é relativamente simples de configurar e aplicar; segundo, pode ser particularmente útil como alternativa interessante para o tratamento da IRpA hipoxêmica em situações como a pandemia de COVID-19, que sobrecarregou os sistemas de saúde em todo o mundo e aumentou a demanda por leitos de UTI e ventiladores; terceiro, permite períodos mais longos de aplicação de CPAP sem causar efeitos adversos comumente observados com o uso de máscaras faciais convencionais, sendo a tolerância uma limitação bem conhecida na VNI(22); quarto, o sistema CPAP com alto fluxo contínuo foi eficiente na prevenção de reinalação de CO2, um efeito que pode atenuar os incrementos na demanda ventilatória e no drive respiratório, questões importantes para pacientes com risco de lesão pulmonar autoinfligida e progressão de SDRA(23); quinto, o material utilizado na fabricação do ELMO permite que ele seja reprocessado até cinco vezes, reduzindo custos hospitalares, e o colar de silicone permite uma boa vedação,(11) evitando vazamentos de ar, disseminação de aerossóis contagiosos pelo paciente e disseminação de doenças entre os profissionais de saúde.
 
Os resultados deste estudo fundamentam e apoiam  o desenvolvimento de pesquisas adicionais para avaliar o uso do ELMO em pacientes com IRpA hipoxêmica causada por COVID-19 e outras condições semelhantes, como pneumonia, SDRA e edema pulmonar cardiogênico agudo, e para determinar seu impacto em desfechos relevantes, como taxas de intubação, mortalidade, tempo de internação hospitalar e taxas de sobrevida. Em um ensaio clínico multicêntrico randomizado(24) envolvendo 109 pacientes com COVID-19, o uso de VNI com capacete (PEEP = 10-12 cmH2O e pressão de suporte = 10-12 cmH2O) por pelo menos 48 h, eventualmente seguido por high-flow nasal oxygen (HFNO, terapia nasal de alto fluxo), foi comparado com o uso de HFNO isoladamente. A taxa de intubação endotraqueal foi significativamente menor no grupo capacete (30%) do que no grupo HFNO (51%); no entanto, não foram encontradas diferenças significativas na mortalidade ou na mediana de dias sem suporte respiratório em 28 dias (desfecho primário).(24) Ensaios clínicos são certamente necessários para acessar e comparar diferentes interfaces do tipo capacete; por exemplo, aquelas que usam CPAP com fluxo contínuo, como o ELMOcpap, em comparação com aquelas especialmente adaptadas para VNI com pressão de suporte e adaptadas para ventilador de UTI. Além disso, é importante identificar as características dos pacientes associadas à melhora da resposta fisiológica e clínica a esse tipo de terapia respiratória.(25)
 
Em conclusão, com base nos resultados obtidos, acredita-se que o uso do dispositivo do tipo capacete denominado ELMO seja viável e eficaz no fornecimento de CPAP de alto fluxo a pacientes com IRpA hipoxêmica por COVID-19 fora da UTI. Não foi encontrado nenhum efeito adverso importante, e os pacientes consideraram seu uso confortável. A aplicação de CPAP com o sistema ELMOcpap melhorou significativamente a oxigenação, contribuindo para a redução da FIO2 e eliminando a reinalação de CO2. A taxa global de sucesso foi de 60% neste estudo piloto, e novos ensaios clínicos devem ser realizados.
 
AGRADECIMENTOS
 
Os autores agradecem à equipe multiprofissional do Hospital Estadual Leonardo Da Vinci o apoio na coleta de dados: Ana Paula Porto, André Castro Júnior, Cristiano Sousa, Erika Timbó, Francisco Pitombeira, Germana Magalhães, Gleyson Nunes, Mary Bezerra, Suzy Montenegro Pontes e Wedla Santos. Os autores também agradecem a Antônio Brazil Júnior a análise estatística. Agradecemos ao Dr. Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Secretário da Saúde do Estado do Ceará) o apoio no desenvolvimento da pesquisa. Agradecemos à FORÇA-TAREFA ELMO o apoio no desenvolvimento do ELMO: Ataliba Holanda Neto (engenheiro consultor do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Carlos Eduardo Bastos de Salles (diretor engenheiro da Esmaltec S/A), Fábio Cisne Ribeiro (engenheiro pesquisador da Universidade Federal do Ceará), Francisco Clébio Silva (designer sênior da Esmaltec S/A), Herbert Lima Santos da Rocha (professor e coordenador do Laboratório de Pesquisa e Inovação em Cidades da Universidade de Fortaleza), Jarbas Aryel Nunes da Silveira (professor da Universidade Federal do Ceará), João Batista Furlan Duarte (professor pesquisador da Universidade de Fortaleza), Paulo André de Castro Holanda (diretor regional do SENAI), Rendex Ribeiro (gerente de engenharia da Esmaltec S/A) e Tarcísio Bastos (gerente de inovação e tecnologia do SENAI).
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
BST, GCG, JAL e MAH: desenho do estudo e redação do manuscrito. DGAM, JBS, VF, LSJ e a FORÇA-TAREFA ELMO: desenvolvimento do dispositivo ELMO. BST, GCG, JAL, MSQF e DLNL: coleta dos dados. BST, GCG e JAL: responsabilidade pela integridade dos dados. BST, EDBP e MAH: análise dos dados. Todos os autores revisaram e aprovaram o manuscrito final.
 
CONFLITO DE INTERESSES
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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