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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Um estudo observacional de centro único sobre o hábito de tabagismo e medidas preventivas para COVID-19

A single-center observational study on smoking behavior and preventive measures for COVID-19

Sérgio Renato da Rosa Decker1,2, Eduardo Dambros3, Eduardo Gehling Bertoldi4

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210304

AO EDITOR,
 
Estudos mostram que pessoas que vivem com doenças cardiovasculares e respiratórias apresentam desfechos desfavoráveis associados à COVID-19,(1,2) ambas as condições sendo mais comuns entre fumantes.(3) Liu et al.(4) analisaram fatores que indicam prognósticos ruins em pacientes hospitalizados com COVID-19 e descobriram que a história de tabagismo foi um fator de risco independente para a progressão da doença. Comentários, revisões e dados observacionais publicados recentemente descrevem alguns fatores que podem explicar a relação entre a suscetibilidade à infecção por SARS-CoV-2, o vírus causador da COVID-19, e o hábito de tabagismo, como a regulação positiva do receptor da enzima conversora de angiotensina 2 e função imunológica deprimida.(5) Portanto, é importante analisar os padrões de hábito de tabagismo durante o período pandêmico, visto que alguns estudos encontraram um impacto bidirecional: pessoas com menor dependência de nicotina e instabilidade financeira foram mais propensas a tentar parar de fumar, enquanto, em outros grupos, o hábito de fumar piorou.(6) Além disso, um estudo recente em idosos mostrou que, durante o período pandêmico, o uso de máscara era mais comum em ex-fumantes do que em fumantes ativos.(7) No entanto, a verdadeira relação entre o uso de tabaco e a baixa adesão ao comportamento de autocuidado justifica uma exploração mais aprofundada.
 
Nesse sentido, nosso estudo teve como objetivo analisar a relação entre o status tabágico e o percentual de adesão às medidas preventivas contra a COVID-19 em uma população jovem residente em um país em desenvolvimento. Além disso, foram analisados o status tabágico e a adesão às medidas preventivas de acordo com o status socioeconômico.
 
Uma breve análise e relatório, aninhado em um estudo transversal maior, foi conduzido de acordo com as diretrizes do STROBE e incluiu uma amostra de militares de uma unidade do exército localizado no sul do Brasil. Usando um questionário digital do Google Forms, foram coletados dados sociodemográficos, autorrelatos do status tabágico (fumante ativo, ex-fumante ou nunca fumou), e informações sobre comorbidades e adesão a medidas preventivas. O status socioeconômico foi subdividido de acordo com a renda mensal e categorizado em < 2, 2-4, 4-10 ou > 10 salários mínimos mensais. Para fins descritivos, os fumantes ativos também relataram o número de cigarros fumados por dia e se o período pandêmico intensificou seu hábito de tabagismo.
 
A adesão às medidas preventivas contra a COVID-19 foi avaliada com base em seis pontos: isolamento social fora do ambiente de trabalho, meio de transporte para o trabalho, frequência do uso de máscara, frequência de lavagem das mãos, frequência de hóspedes em casa e o nível de concordância com as recomendações para prevenção da COVID-19. A maioria das questões foram formuladas em formato de escala ordinal. Um sistema de pontuação foi desenvolvido, resumindo a adesão ao comportamento saudável e preventivo para COVID-19 em uma porcentagem quantitativa, variando de 0% (nenhuma das perguntas foi respondida com a escolha ideal) a 100% de adesão às medidas preventivas (todas as seis perguntas foram respondidas com a escolha ideal).
 
O teste de ANOVA foi realizado de acordo com o método de Bonferroni como uma análise post hoc quando um nível de significância de < 0,05 (valor-p) foi encontrado na avaliação inicial, afim de documentar o impacto do status tabágico na porcentagem média de adesão ao comportamento preventivo. O eta quadrado parcial foi calculado para medir o tamanho do efeito. O mesmo processo foi usado para analisar o status socioeconômico. Finalmente, quando apropriado, o teste Qui-quadrado ou de Fisher foi realizado para medir a associação entre o status socioeconômico e o status tabágico e para definir se o tabagismo era um fator de risco independente. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética de nossa instituição, foi realizado de acordo com os padrões de ética e todos os participantes forneceram consentimento livre e esclarecido. A análise estatística foi realizada usando o software IBM SPSS Statistics, Ed. 24.
 
Um total de 475 participantes foram incluídos, dos quais 9 não responderam sobre o hábito de tabagismo, 2 não responderam a questões relacionadas ao status socioeconômico e 7 não responderam a questões relacionadas à adesão às medidas preventivas contra a COVID-19. Os dados foram coletados em julho (20,5%) e agosto (78,9%) de 2020, concomitante ao primeiro pico de casos novos de COVID-19 no sul do Brasil;(8) os 0.6% restantes dos dados foram coletados em setembro. A maioria dos participantes era do sexo masculino (97,7%), com baixa renda (58,6% recebiam < 2 salários mínimos por mês), sem problemas de saúde (87,4%) e nunca fumou (69,7%). A mediana da porcentagem de adesão às medidas preventivas, de acordo com o sistema de pontuação elaborado, foi de 50% (IIQ 50% - 79,2%). Dentre os participantes do estudo, 46,2% tiveram o hábito de fumar piorado, com aumento na mediana de 6 cigarros por dia (IIQ 5 - 10 cigarros).
 
Foram encontradas diferenças significantes com relação à adesão às medidas preventivas contra a COVID-19 de acordo com o status tabágico (F (2, 463) = 4,380; p = 0,013; η2p = 0,019) e o status socioeconômico (F (2, 464) = 2,943; p = 0,033; η2p = 0,019). Na análise post hoc de Bonferroni, foi observada uma diferença significante entre o status de fumante ativo e o de quem nunca fumou (p = 0,014) e entre o grupo que recebia < 2 salários mínimos em relação ao grupo que recebia de 4 a 10 salários mínimos mensais (p = 0,037), conforme mostrado na Figura 1. Também foi encontrada uma associação significante entre o status tabágico e o status socioeconômico (p = 0,002).


 
Nosso estudo sugere associações importantes de renda familiar, hábito de tabagismo e o conjunto de ações consideradas essenciais para a prevenção da COVID-19. Pode-se observar uma clara relação dose-resposta na adesão às medidas preventivas, à medida que as taxas de renda diminuem e o hábito de tabagismo aumenta (Figura 1). O status tabágico pareceu ter maior influência no subgrupo de menor renda. Tal achado corrobora com outro estudo brasileiro com uma população idosa que mostrou uma relação na mesma direção.(7) Outros estudos já demonstraram que populações de baixa renda apresentam pior comportamento de autocuidado e maior frequência de tabagismo,(9) ambos os quais podem ser fatores importantes para a apresentação de quadros mais graves de COVID-19.(4,10)
 
Este estudo apresentou algumas limitações. A amostra analisada foi composta por militares e incluiu indivíduos do sexo masculino e jovens; portanto, devemos ter cuidado ao extrapolar os resultados encontrados para a população geral. O delineamento transversal do nosso estudo impede a diferenciação de causalidade e correlação. Além disso, a análise, que foi baseada no método do eta quadrado parcial, revelou um tamanho de efeito modesto. Isso pode ter ocorrido devido às limitações inerentes à nossa métrica de medidas preventivas. Outras formas de quantificar o cumprimento das medidas de prevenção poderiam resultar em uma maior diferença entre grupos.
 
Por fim, nosso estudo destaca um aspecto importante do hábito de fumar: pode funcionar como um marcador de tendência pessoal a comportamentos indesejáveis no autocuidado, impactando no risco de doenças transmissíveis ou não transmissíveis.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
SRRD, ED e EGB: concepção e delineamento do estudo. SRRD e ED: coleta de dados. SRRD e EGB: análise e interpretação de dados. SRRD: análise estatística. SRRD: redação do manuscrito. EGB: revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Shi S, Qin M, Shen B, Cai Y, Liu T, Yang F, et al. Association of Cardiac Injury with Mortality in Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China. JAMA Cardiol. 2020;5(7):802–10. https://doi.org/10.1001/jamacardio.2020.0950.
2.            Williamson EJ, Walker AJ, Bhaskaran K, Bacon S, Bates C, Morton CE, et al. Factors associated with COVID-19-related death using OpenSAFELY. Nature [Internet]. 2020;584(7821):430–6. http://doi.org/10.1038/s41586-020-2521-4.
3.            Reitsma MB, Kendrick PJ, Ababneh E, Abbafati C, Abbasi-Kangevari M, Abdoli A, et al. Spatial, temporal, and demographic patterns in prevalence of smoking tobacco use and attributable disease burden in 204 countries and territories, 1990–2019: a systematic analysis from the Global Burden of Disease Study 2019. Lancet. 2021;397(10292):2337–60. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)01169-7.
4.            Liu W, Tao ZW, Wang L, Yuan ML, Liu K, Zhou L, et al. Analysis of factors associated with disease outcomes in hospitalized patients with 2019 novel coronavirus disease. Chin Med J (Engl). 2020;133(9):1032–8. https://doi.org/10.1097/CM9.0000000000000775.
5.            van Zyl-Smit RN, Richards G, Leone FT. Tobacco smoking and COVID-19 infection. Lancet Respir Med [Internet]. 2020;8(7):664–5. http://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30239-3.
6.            Siddiqi K, Siddiqui F, Khan A, Ansaari S, Kanaan M, Khokhar M, et al. The Impact of COVID-19 on Smoking Patterns in Pakistan: Findings From a Longitudinal Survey of Smokers. Nicotine Tob Res. 2020;1–5. https://doi.org/10.1093/ntr/ntaa207.
7.            Peixoto SV, Nascimento-Souza MA, de Melo Mambrini JV, de Andrade FB, Malta DC, Lima-Costa MF. Health behaviours and the adoption of individual protection measures during the new coronavirus pandemic: The ELSI-COVID-19 initiative. Cad Saude Publica. 2020;36. https://doi.org/10.1590/0102-311X00195420.
8.            Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul R. Painel Coronavírus RS [Internet]. 2021 [cited 2021 Feb 4]. Disponível em: https://ti.saude.rs.gov.br/covid19/.
9.            Allen L, Williams J, Townsend N, Mikkelsen B, Roberts N, Foster C, et al. Socioeconomic status and non-communicable disease behavioural risk factors in low-income and lower-middle-income countries: a systematic review. Lancet Glob Heal [Internet]. 2017;5(3):e277–89. http://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30058-X.
10.          Mutambudzi M, Niedwiedz C, Macdonald EB, Leyland A, Mair F, Anderson J, et al. Occupation and risk of severe COVID-19: Prospective cohort study of 120 075 UK Biobank participants. Occup Environ Med. 2021;78(5):307–14. https://doi.org/10.1136/oemed-2020-106731.

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