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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Asma e vitamina D em adolescentes brasileiros: o Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA)

Asthma and vitamin D in Brazilian adolescents: Study of Cardiovascular Risks in Adolescents (ERICA)

Cláudia Soïdo Falcão do Amaral1, Érica Azevedo de Oliveira Costa Jordão1, Cecília Lacroix de Oliveira2, Mara Morelo Rocha Felix3, Maria Cristina Caetano Kuschnir1,4, Fábio Chigres Kuschnir1,5

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210281

ABSTRACT

Objective: To evaluate the association between asthma prevalence and serum levels of vitamin D in Brazilian adolescents. Methods: This was a cross-sectional, school-based study involving adolescents between 12-17 years of age from four large Brazilian cities located at different latitudes (Fortaleza, Rio de Janeiro, Brasília, and Porto Alegre). Information on asthma diagnosis, lifestyle, and sociodemographic characteristics was collected by means of self-administered questionnaires. Serum concentrations of calcifediol were dichotomized as sufficient (= 20 ng/mL) or insufficient/deficient (< 20 ng/mL) levels. Bivariate analyses were carried out between vitamin D levels and prevalence of active asthma (AA), as well as other variables in study, using the chi-square test. Generalized linear models were configured to analyze potential confounding factors (p < 0.20). Results: Between 2013 and 2014, 1,053 adolescents were evaluated. The prevalences of AA and insufficient/deficient levels of calcifediol were 15.4% and 21%, respectively. There were no statistically significant associations between AA and hypovitaminosis D. The prevalences of AA and vitamin D insufficiency were, respectively, 2.34 (95% CI, 1,28-4.30) and 3.22 (95% CI, 1.75-5.95) times higher in Porto Alegre than in Rio de Janeiro, regardless of possible confounding factors. However, no significant associations were found between the prevalence of AA and vitamin-D-related variables in any of the cities. Conclusions: No association was found between AA and low levels of vitamin D in adolescents living at different latitudes in Brazil.

Keywords: Adolescent; Asthma/epidemiology; Vitamin D.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a associação entre a prevalência de asma e níveis séricos de vitamina D em adolescentes brasileiros. Métodos: Estudo transversal de base escolar com adolescentes de 12 a 17 anos provenientes de quatro grandes cidades brasileiras em diferentes latitudes (Fortaleza, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre). Informações sobre o diagnóstico de asma, estilo de vida e características sociodemográficas foram coletadas por meio de questionários autoaplicáveis. As concentrações séricas de calcifediol foram dicotomizadas: suficientes (≥ 20 ng/mL) e insuficientes/deficientes (< 20 ng/mL). Foram realizadas análises bivariadas entre os níveis de vitamina D e a prevalência de asma ativa (AA), além de outras variáveis, por meio do teste do qui-quadrado. Modelos lineares generalizados foram configurados para analisar possíveis fatores de confusão (p < 0,20). Resultados: Entre 2013 e 2014, foram avaliados 1.053 adolescentes. A prevalência de AA e níveis insuficientes/deficientes de calcifediol foram de 15,4% e 21%, respectivamente. Não houve associações estatisticamente significativas entre AA e hipovitaminose D. As prevalências de AA e insuficiência de vitamina D foram, respectivamente, 2,34 (IC95%: 1,28-4,30) e 3,22 (IC95%: 1,75-5,95) vezes maiores em Porto Alegre que no Rio de Janeiro, independentemente de possíveis fatores de confusão. No entanto, não foram observadas associações significativas entre a prevalência de AA e variáveis relacionadas à vitamina D em nenhuma das cidades. Conclusões: Não se observou nenhuma associação entre AA e níveis baixos de vitamina D em adolescentes residentes em diferentes latitudes no Brasil.

Palavras-chave: Adolescente; Asma/epidemiologia; Vitamina D.

INTRODUÇÃO
 
A asma é uma doença heterogênea com vários fenótipos clínicos, caracterizada por inflamação crônica das vias aéreas inferiores. É um problema de saúde global com prevalência crescente nas últimas décadas.(1) De acordo com o International Study of Asthma and Allergies in Childhood, a média de prevalência de asma no Brasil em 2006 foi de 24,3% em crianças com idade = 6-7 anos e de 19,0% em adolescentes, com carga significativa sobre o sistema de saúde e a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias.(2) Mais recentemente, o Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) mostrou que a prevalência de asma em adolescentes é de 13,1%.(3)
 
A relação entre a deficiência de micronutrientes e a etiologia da asma tem sido objeto de estudo nos últimos anos.(4) Vários estudos mostraram que a vitamina D também participa da patogênese de doenças crônicas, infecciosas e autoimunes.(5-7) Um número crescente de estudos indica que a vitamina D tem um papel protetor e correlaciona seus níveis circulantes com a gravidade e o controle da asma.(5,6) No entanto, a falta de consenso a respeito dessa correlação não permite a recomendação geral do uso de vitamina D como suplemento em pacientes com asma.(8,9)
 
A deficiência de vitamina D também é considerada um problema de saúde pública global, e o aumento de sua prevalência está intimamente relacionado com mudanças de estilo de vida, tais como falta de exposição à luz solar, redução da ingestão de fontes alimentares de vitamina D, sobrepeso/obesidade, mais atividades internas e uso diário de protetor solar. Sugeriu-se que baixos níveis séricos de vitamina D têm influência negativa na função pulmonar, no número de exacerbações e na resposta aos corticosteroides inalatórios.(5,10,11) O objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre asma e níveis séricos de vitamina D em adolescentes no Brasil. Nossa hipótese era a de que a asma seria mais prevalente em adolescentes com níveis insuficientes desse micronutriente.
 
MÉTODOS
 
Este estudo foi parte integrante do projeto ERICA, um estudo transversal multicêntrico de base escolar. O objetivo principal do ERICA foi estimar a prevalência de síndrome metabólica e fatores de risco cardiovascular em adolescentes de 12 a 17 anos em escolas públicas e particulares em cidades brasileiras com mais de 100.000 habitantes.(12) A população do estudo foi estratificada em 32 estratos geográficos (27 capitais, incluindo Brasília, e 5 conjuntos com outros municípios de cada macrorregião do país). Foram selecionadas 1.251 escolas em 124 municípios brasileiros, com probabilidade proporcional ao tamanho da população. Em cada uma das escolas selecionadas, foram selecionadas três combinações de turnos e séries; dentro de cada uma dessas combinações, foi selecionada uma sala de aula. Todos os alunos elegíveis nas salas de aula selecionadas foram incluídos no estudo. Os pesos amostrais foram calculados pelo produto dos recíprocos das probabilidades de inclusão em cada etapa da amostragem e posteriormente calibrados considerando as projeções do número de adolescentes matriculados nas escolas localizadas nos estratos geográficos por sexo e idade. Foram avaliados 74.589 adolescentes. A amostra do ERICA mostrou-se representativa nacional e regionalmente, bem como de cada uma das capitais envolvidas. Os detalhes do processo de amostragem já foram descritos anteriormente.(13)
 
A amostra do presente estudo foi composta por uma subamostra de alunos que frequentavam aulas matinais em 4 cidades localizadas em latitudes distintas: Fortaleza, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília. Foram avaliados os níveis séricos de 25-hidroxivitamina D.(12,13) As cidades foram selecionadas por causa de sua localização e porque seus biorrepositórios estavam ativos durante o período do estudo. Os participantes foram selecionados por meio de alocação aleatória proporcional para garantir uma distribuição completa de sexo, idade, cor da pele, estação de coleta de dados e exposição estimada à luz solar.(14)
 
Foram coletados dados referentes a características sociodemográficas como sexo, idade, cor da pele, tipo de escola (pública ou privada), atividade física, estação de coleta das amostras de sangue e latitude de acordo com a localização de cada cidade. Foram realizadas medições antropométricas.(12) Os dados foram coletados por meio de um questionário eletrônico autoaplicável. Os participantes jejuaram durante 12 h, e amostras de sangue foram coletadas na escola, armazenadas a −80°C e posteriormente analisadas no mesmo laboratório.(12) As variáveis referentes à asma foram extraídas do questionário-padrão escrito do módulo de asma do International Study of Asthma and Allergies in Childhood para a faixa etária de 13 a 14 anos. O questionário já havia sido traduzido para o português e validado para uso no Brasil.(15)
 
A definição de asma ativa (AA) foi a ocorrência de pelo menos uma crise de asma nos últimos 12 meses. (3) As demais variáveis foram categorizadas da seguinte maneira: faixa etária (12-14 e 15-17 anos); cor da pele segundo o próprio participante (branca, preta, parda, amarela ou indígena)(16) e então dicotomizada (“branca” e “não branca”); tipo de escola (pública ou privada) e tempo de tela (< ou ≥ 2 h/dia). O período de coleta de dados foi categorizado de acordo com as estações do ano (outono, inverno, primavera e verão). Foram também avaliados o estado nutricional e a atividade física.(14,17,18) A atividade física foi avaliada por meio de uma versão adaptada da Lista de Atividades Físicas autoaplicável, previamente validada para adolescentes brasileiros.(17) Os participantes com ≥ 300 min/semana de atividade física foram considerados fisicamente ativos.(17) As medidas antropométricas foram realizadas com os participantes em pé, descalços e com roupas leves, por meio de uma balança eletrônica (modelo P200M; Líder, São Paulo, Brasil) com capacidade de até 200 kg (precisão: 50 g) e um estadiômetro portátil (Alturaexata; Minas Gerais, Brasil; precisão: 0,1 cm).(12) Para a avaliação do estado nutricional dos participantes, foram adotadas as curvas de referência da OMS, com o IMC para a idade de acordo com o sexo. Aqueles com pontuação = +1 > Z ≥ −2 foram considerados participantes com peso normal (eutróficos), ao passo que aqueles com índice = +2 > Z ≥ +1 ou Z ≥ +2 foram considerados participantes com sobrepeso ou obesos, respectivamente.(19-21)
 
O calcifediol ou 25-hidroxivitamina D3 (25(OH)D) é produzido no fígado pela hidroxilação da vitamina D3 (colecalciferol) pela enzima 25-hidroxilase da vitamina D e é a forma mais estável de vitamina D, com altos níveis de vitamina D que refletem tanto a exposição à luz solar como a ingestão alimentar. Como tem meia-vida longa, de aproximadamente 24 h, a 25(OH)D é rotineiramente usada para avaliar a vitamina D(22); os níveis séricos de 25(OH)D no presente estudo foram medidos por meio de imunoensaio de micropartículas por quimioluminescência com um analisador da série LIAISON 5000 (DiaSorin Inc., Stillwater, MN, EUA) e o kit DiaSorin (DiaSorin Inc.). O coeficiente de variação em porcentagem desse teste varia de 3% a 8%, e sua precisão é de 0,92 (IC95%: 0,90-0,94).(14) Para fins de análise, os níveis séricos de 25(OH)D foram estratificados em insuficiente/deficiente (< 20 ng/mL) e suficiente (≥ 20 ng/mL) com base nos critérios de 2017 do Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.(23)
 
A ingestão alimentar de vitamina D foi avaliada por meio do recordatório alimentar de 24 h, incluindo o tamanho das porções e os métodos de preparo. Os dados foram coletados por meio de um programa criado especificamente para o ERICA.(14,18,24) Após a conversão de cada alimento em peso (g), a composição nutricional correspondente de cada alimento foi obtida por meio de tabelas padronizadas, e foi calculada a dieta total de cada participante. Foi considerada adequada a ingestão de pelo menos 400 UI/dia de vitamina D.(25)
 
As análises estatísticas foram realizadas por meio do programa Stata, versão 14 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA), com o conjunto de comandos para a análise de dados de inquérito com amostra complexa (survey). Em virtude do tamanho da amostra e da alta prevalência de asma (> 10%), as associações entre os níveis séricos de 25(OH)D, a prevalência de AA e outras variáveis foram avaliadas por modelos bivariados de regressão de Poisson, com razão de prevalência (RP) e respectivo IC95%.(26) Em seguida, modelos lineares generalizados com distribuição de Poisson foram configurados para analisar as associações entre os níveis de 25(OH)D ajustados para levar em conta possíveis fatores de confusão na análise bivariada (p < 0,20). Para a comparação das médias das variáveis contínuas, foram usados a ANOVA e o teste t de Student. O presente estudo foi realizado em conformidade com os princípios éticos da Declaração de Helsinque e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Protocolo n. 45/2008).
 
RESULTADOS
 
Entre fevereiro de 2013 e novembro de 2014, 1.152 adolescentes foram submetidos a dosagem sérica de 25(OH)D nas cidades selecionadas. Foram excluídos aqueles que não responderam à pergunta sobre asma; portanto, a amostra final foi composta por 1.053 participantes (91,4%). A prevalência de asma na amostra foi de 15,4%, e níveis insuficientes de vitamina D foram detectados em 21,4%. As características sociodemográficas da amostra estão descritas na Tabela 1.

 
A Tabela 2 mostra a distribuição da prevalência de AA de acordo com as características sociodemográficas, os níveis séricos de 25(OH)D e o estado nutricional. A prevalência de AA foi significativamente maior entre aqueles com idade entre 15 e 17 anos e que estudavam em escolas privadas. O Rio de Janeiro apresentou a menor prevalência de asma. Não houve associação entre níveis insuficientes de 25(OH)D e asma.
 

 
A Tabela 3 mostra a distribuição das variáveis relacionadas à vitamina D nos municípios estudados. Em comparação com as demais cidades, a cidade do Rio de Janeiro apresentou a menor prevalência de insuficiência de vitamina D (< 20 ng/mL), o menor nível de ingestão inadequada de vitamina D (< 400 UI/dia) e o maior nível sérico de 25(OH)D, e essas diferenças foram estatisticamente significativas. Embora a ingestão de vitamina D (µg/dia) também tenha sido maior no Rio de Janeiro, essa diferença não foi estatisticamente significativa em comparação com as demais cidades. No entanto, não foram observadas associações significativas entre a prevalência de AA e variáveis relacionadas à vitamina D em nenhuma das cidades (dados não apresentados).
 

 
Quando a amostra total foi analisada, aqueles com ingestão < 400 UI/dia apresentaram níveis séricos de 25(OH)D mais baixos do que aqueles com ingestão ≥ 400 UI/dia (ANOVA; p < 0,001) e aqueles com insuficiência de vitamina D (17,2% vs. 11,0%; RP = 1,18; IC95%: 0,34-4,62). No entanto, esta última associação não foi estatisticamente significativa.
 
A comparação entre os participantes de Porto Alegre e os do Rio de Janeiro quanto à prevalência de asma e variáveis relacionadas à vitamina D manteve-se significativa independentemente dos ajustes feitos para levar em conta o sexo, a faixa etária, o estado nutricional, a atividade física e o tempo de tela (Tabela 4). Além disso, a média dos níveis séricos de 25(OH)D foi significativamente menor em Porto Alegre (p < 0,0001). No entanto, não houve diferença entre as duas cidades quanto à ingestão de vitamina D (µg/dia; p = 0,12).
 

 
DISCUSSÃO
 
Apesar das diferenças entre as cidades estudadas no que tange às taxas de prevalência de asma, não foram observadas associações entre níveis insuficientes de vitamina D e asma em nossa amostra.
 
Um estudo realizado nos EUA com pacientes adultos demonstrou correlação positiva entre níveis séricos de vitamina D e parâmetros de função pulmonar (maior VEF1 e CVF).(27) Na cidade de Viçosa (MG),(28) 124 pacientes na faixa etária de 0 a 18 anos foram estudados para correlacionar a sibilância recorrente com as concentrações séricas de vitamina D. Houve associação entre deficiência de vitamina D e sibilância, e os autores aventaram a hipótese de que há maior suscetibilidade a infecções agudas do trato respiratório com o surgimento de sibilância no primeiro ano de vida em virtude da redução dos níveis séricos de vitamina D e concluíram que a suplementação de vitamina D foi um fator de proteção na população estudada.(28)
 
Vários estudos encontraram evidências de que a vitamina D desempenha um papel importante na patogênese da asma, reduzindo a inflamação das vias aéreas por meio da modulação do sistema imunológico ou melhorando a função anti-inflamatória dos corticosteroides.(29-31)
 
Dentre as propriedades imunomoduladoras da vitamina D, destaca-se sua ação na imunidade inata: ela reduz citocinas pró-inflamatórias e aumenta a atividade autofagossômica e autofágica, bem como a resposta imune adaptativa, caracterizada pela inibição da proliferação de células T (Th1, Th2 e Th17). Além disso, a vitamina D reduz a expressão de IL-2 e INF-γ, estimula a supressão da resposta T citotóxica e aumenta o número de células T reguladoras, IL-10 e IgG4.(6,32,33) Clinicamente, observa-se redução da incidência de infecções, melhor resposta aos corticosteroides em pacientes com asma e melhora da função pulmonar, evitando assim a remodelação das vias aéreas.(32) No entanto, de acordo com alguns autores,(34) os resultados de estudos experimentais que vinculam componentes dietéticos específicos a alterações imunológicas e respostas ou inflamação das vias aéreas raramente se traduzem em ensaios clínicos controlados aleatórios consistentes, e até agora nenhum deles foi recomendado como agente preventivo ou terapêutico para pacientes com asma.
 
Um estudo realizado em 2017 com 289 crianças e adolescentes (na faixa etária de 9 a 19 anos) em Lima, no Peru, dos quais 137 tinham asma, aventou a hipótese de que a forma livre circulante da vitamina D é biologicamente ativa e mais associada à asma e atopia do que o são os níveis séricos totais de vitamina D.(35) Os autores sugeriram que os níveis séricos totais de vitamina D podem explicar as contradições observadas nos resultados encontrados na literatura.
 
Em nosso estudo, adotamos os novos pontos de corte para os níveis séricos totais de vitamina D recomendados pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.(23) Esses valores atuais passaram a ser usados após considerações a respeito de quais níveis séricos realmente refletiam os maiores danos à saúde e, consequentemente, a real necessidade de suplementação de vitamina D. O consenso atual é que níveis de vitamina D < 10 ng/mL representam riscos à saúde e requerem suplementação. Os critérios anteriormente usados para classificar a insuficiência, deficiência e suficiência de vitamina D (< 20 ng/mL, ≥ 20 ≤ 29 ng/mL e > 30 ng/mL, respectivamente) foram discutidos por várias sociedades médicas em virtude da “epidemia” mundial de hipovitaminose D, independentemente das diferentes características sociodemográficas e culturais das populações estudadas. (23) No entanto, não houve associação entre níveis séricos de 25(OH)D e asma em nossa amostra, mesmo quando os antigos pontos de corte foram usados (dados não apresentados).
 
A exposição à luz solar é um fator importante para a absorção de vitamina D. O Brasil é um país tropical, de dimensões continentais e com grande heterogeneidade de clima. A maior parte do país está localizada entre o equador e o Trópico de Capricórnio, o que o torna um dos maiores países do mundo em termos de terreno com alta exposição à radiação solar durante todo o ano.(36) As concentrações séricas de 25(OH)D variam de acordo com a região geográfica e latitude e são maiores em países próximos do equador.(37)
 
Das quatro cidades estudadas, Fortaleza (latitude: 03°43’02” S) e Rio de Janeiro (latitude: 22°54’23” S) apresentaram as menores prevalências de insuficiência de vitamina D e níveis séricos mais elevados de 25(OH)D. Por outro lado, as prevalências de hipovitaminose D foram maiores em Porto Alegre (latitude: 30°01’59” S) e Brasília (latitude: 15°46’46” S) do que nas outras duas cidades, o que pode ser explicado pelas grandes diferenças entre elas quanto à latitude.(14)
 
As estações também afetam as concentrações séricas de 25(OH)D. Quando a coleta de sangue é realizada no inverno, a chance de hipovitaminose D é maior.(14) No presente estudo, foram coletadas menos amostras de sangue no verão em virtude das férias escolares. Há pouca variação sazonal de temperatura no Rio de Janeiro e Fortaleza, ao passo que em Brasília o clima é seco e a radiação solar varia pouco ao longo do ano.(38) Em Porto Alegre, porém, as estações climáticas são mais bem definidas. De qualquer forma, não houve associação estatisticamente significativa entre a estação na qual foram coletadas as amostras de sangue e a prevalência de AA em nossa amostra.
 
É interessante notar que, em comparação com as demais cidades, o Rio de Janeiro apresentou diferenças favoráveis significativas no tocante às variáveis relacionadas à vitamina D e à prevalência de AA. No entanto, esses achados foram independentes da associação entre asma e níveis de vitamina D.
 
A análise exploratória comparando a distribuição dessas variáveis mostrou que a prevalência de asma e insuficiência de vitamina D foi significativamente maior em Porto Alegre (no sul do Brasil) do que no Rio de Janeiro (no litoral sudeste do Brasil), independentemente de possíveis fatores de confusão. Além da distância geográfica, essas duas cidades apresentam diferenças importantes no que tange ao clima, hábitos alimentares e taxa de exposição à radiação solar.
 
Em nossa amostra, o menor nível sérico de 25(OH)D foi encontrado nos adolescentes com ingestão de vitamina D < 400 UI/dia, o que sugere uma relação positiva entre a ingestão e os níveis séricos de vitamina D. Alimentos como salmão, atum e óleo de fígado de bacalhau, ricos em vitamina D, não costumam ser consumidos por adolescentes brasileiros, que, em geral, têm diminuído os hábitos alimentares saudáveis, consumindo mais alimentos processados.(14,39) Entre as cidades participantes do estudo, Porto Alegre apresentou a menor média de ingestão de vitamina D em µg, a maior taxa de insuficiência de vitamina D e uma alta prevalência de asma. Embora seja essencial, a nutrição adequada não parece ser o único requisito para atingir níveis aceitáveis de vitamina D.(37,40)
 
Os hábitos culturais, o uso de protetor solar, a cor da pele e as estações do ano estão entre os fatores que afetam a absorção da vitamina D.(40) O Rio de Janeiro apresentou maior suficiência de vitamina D, maior ingestão de vitamina D (≥ 400 UI/dia) e níveis séricos de 25(OH)D significativamente maiores em comparação com as demais cidades estudadas, além de apresentar menor prevalência de AA. No entanto, não foram observadas associações significativas entre a prevalência de AA e variáveis relacionadas à vitamina D em nenhuma das cidades.
 
Algumas limitações do desenho do estudo devem ser consideradas, tais como a impossibilidade de inferir a causalidade das associações encontradas. A ausência de medidas de função pulmonar em virtude do tamanho da amostra e de questões logísticas dificultou a comparação de nossos resultados com os de outros estudos que avaliaram a associação entre asma e deficiência de vitamina D. Por outro lado, o uso de procedimentos padronizados e pessoal treinado garantiu a boa qualidade dos dados. Além disso, a seleção aleatória dos participantes e o tamanho da amostra tiveram poder suficiente para garantir a confiabilidade dos resultados obtidos. Finalmente, a inclusão de áreas geográficas em diferentes latitudes permitiu a análise de um grande número de importantes variáveis de confusão relacionadas à associação estudada (exposição à luz solar, diferentes estilos de vida e dieta).
 
Em suma, não houve associação entre AA e níveis baixos de vitamina D em adolescentes que vivem em diferentes latitudes no Brasil. Mais estudos são necessários para esclarecer se esse nutriente tem algum efeito sobre a asma em um país com uma das maiores incidências de radiação solar do mundo.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
CSFA: concepção e desenho do estudo; interpretação dos resultados; e redação do manuscrito. EAOCJ e MMRF: análise e interpretação dos resultados. CLO e MCCK: revisão do manuscrito e aprovação final da versão enviada para apreciação. FCK: concepção e desenho do estudo; análise e interpretação dos resultados; revisão do manuscrito e aprovação final da versão enviada para apreciação.
 
CONFLITO DE INTERESSES
 
Nenhum conflito declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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