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Cartas ao Editor

Cenários de doenças infecciosas em uma visão pós-vacina da COVID-19 e futuras pandemias

Infectious disease scenarios in a post-vaccine view of COVID-19 and future pandemics

João Paulo Cola1, Ethel Leonor Noia Maciel1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210314

AO EDITOR,
 
Na epidemiologia das doenças infecciosas, são estudados os possíveis cenários epidêmicos e endêmicos e definidos, para cada doença, os indicadores que devem ser considerados para determinar quando uma doença atingiu seu controle, eliminação ou erradicação.(1)
 
O controle é classicamente definido como o conjunto de medidas, ações, programas ou atividades em andamento que visam reduzir a incidência e a prevalência de doenças a níveis suficientemente baixos para deixarem de ser consideradas um problema de saúde pública. O nível de controle depende da doença, da disponibilidade de recursos e do comportamento da população.(1) Um exemplo é o acompanhamento de indivíduos com sintomas respiratórios na comunidade, uma medida eficaz para a detecção de casos de tuberculose (TB), visando reduzir a transmissão da tuberculose pulmonar e, consequentemente, minimizar o número de casos na comunidade.(2)
 
A eliminação acompanha o controle da doença e é alcançada quando não há mais casos de doença, ou eles são em número mínimo,(1) mesmo que as causas que podem potencialmente produzi-la persistam. Por exemplo, a TB será considerada eliminada quando houver uma redução de 90% no número de casos e de 95% nas mortes por TB até 2035 (em relação a 2015); um baixo impacto econômico para as famílias afetadas pela doença.(2) A OMS definiu os seguintes indicadores para considerar a TB como eliminada no Brasil: diminuição da incidência de casos de TB de 34,3 casos/100 mil habitantes em 2015 para 10 casos/100 mil habitantes em 2035 e da mortalidade por TB de 2,3 óbitos/100 mil habitantes para 1 óbito/100 mil habitantes.
 
A erradicação de uma doença se dá com a aplicação de medidas populacionais que visem o alcance de uma situação de zero casos ou óbitos,(1) ou seja, em que não só os casos de TB tenham sido eliminados, mas também as causas da doença, em particular, o microrganismo.(1,3) É importante ressaltar que a erradicação de uma doença só pode ser alcançada em escala global. Até o momento, só conseguimos chegar a esse cenário com o vírus da varíola.
 
No caso da COVID-19, o mundo ainda se encontra em situação de pandemia e longe do controle global da doença. Em conjunto com o Conselho Científico Internacional,(4) a OMS tem conduzido pesquisas com um painel de especialistas para mapear os possíveis caminhos a seguir e informar as decisões que influenciarão o desfecho da pandemia. No entanto, ainda temos um longo caminho a percorrer. Alguns pesquisadores(1) debatendo os cenários de controle global da COVID-19 sugeriram dois subcenários: de coabitação e de conflagração.
 
Na coabitação, as medidas de controle garantem a prevenção das formas graves da doença, mas não asseguram a interrupção da cadeia de transmissão. Com o avanço da cobertura vacinal global, a circulação viral é reduzida, embora seja frequente a ocorrência de transmissão local do vírus, principalmente na população não vacinada. Nesse aspecto, a vacinação pode conferir imunidade, mas é necessário reforçar medidas não farmacológicas além da vacina para manter baixos os níveis de circulação do vírus.(1)
 
Por outro lado, na conflagração, a dificuldade de acesso às vacinas, a baixa cobertura vacinal e a ausência de medidas regulamentadas de controle não farmacológico levam a um cenário caracterizado por níveis endêmicos da doença.(1) Nessa situação, a circulação do vírus com novas variantes em uma população não vacinada e sem medidas eficazes para conter a transmissão mantém uma incidência em níveis moderados a altos com transmissão local do vírus.(5)
 
No Brasil, ainda não estamos na fase de controle, mas, dependendo da cobertura vacinal, podemos conter a progressão do vírus, com a possibilidade de poucas variantes. É possível que possamos alcançar o controle e permanecer entre a conflagração e a coabitação durante algum tempo. Sem uma coordenação nacional de medidas de controle para que estados e municípios legislem e com poucas opções não farmacológicas de contenção do vírus (baseadas não na redução da transmissão, mas na minimização da ocupação dos leitos das unidades de terapia intensiva), parece que passaremos por um longo período de conflagração ou coabitação com a COVID-19.
 
O controle da doença e mesmo a erradicação da COVID-19 apenas com vacinas requer a imunidade da população global para neutralizar possíveis novas variantes.(1,3) As vacinas sozinhas dificilmente acabarão com a pandemia. O que vem depois dos avanços da vacinação dependerá de decisões governamentais e de novas evidências científicas. É possível que o vírus seja controlado e eliminado em áreas com alta cobertura vacinal e medidas não farmacológicas continuadas. Entretanto, o controle da doença nessas regiões dependerá do controle global do vírus; caso contrário, essas áreas serão constantemente vulneráveis a cenários de coabitação e conflagração. É essencial alinhar ciência e governança com decisões que reforcem medidas não farmacológicas e que sejam baseadas em evidências que são demonstradas e, consequentemente, modificadas ao longo do caminho.(6)
 
A comunidade global terá de se preparar para as próximas pandemias no futuro. No Brasil, em um cenário pós-pandêmico, será necessária a formação de um comitê científico composto por pesquisadores independentes do governo que possa subsidiar as ações a serem realizadas pelos Serviços de Vigilância Epidemiológica estaduais e municipais. Manter esses serviços ativos, que foram reestruturados em 2020 para responder à pandemia da COVID-19, é necessário para alcançar avanços no controle de doenças e outras condições. Destituir esses serviços pós-pandemia será uma falácia em respostas rápidas e eficazes a futuras epidemias.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
JPC e ELNM contribuíram para a concepção e planejamento do estudo, a interpretação dos achados, a redação e revisão da versão preliminar e final e a aprovação da versão final do manuscrito.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Kofman A, Kantor R, Adashi EY. Potential COVID-19 Endgame Scenarios: Eradication, Elimination, Cohabitation, or Conflagration? JAMA. 27 Jul 2021; 326(4):303-304. https://doi.org/10.1001/jama.2021.11042.
2.            World Health Organization. Global tuberculosis report 2020. Geneva: World Health Organization; 2020.232 p. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/336069/9789240013131-eng.pdf.
3.            Skegg D, Glukman P, Boulton G, Hackmann H, Karim SSA, Piot P et al. Future scenarios for the COVID-19 pandemic. The Lancet. 27 Feb 2021; 397(10276):777-778. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(21)00424-4.
4.            International Science Council [homepage on the Internet]. COVID-19 Scenarios Project. A statement from the International Science Council. [updated 2021 Feb 17; cited 2021 July 25]. Disponível em: https://council.science/covid-19-scenarios.
5.            World Health Organization. Considerations for implementing and adjusting public health and social measures in the context of COVID-19. Interim guidance. Geneva: World Health Organization; 2020.13 p. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/considerations-in-adjusting-public-health-and-social-measures-in-the-context-of-covid-19-interim-guidance.
6.            Nature Editorial. How epidemiology has shaped the COVID pandemic. The international journal of science. 27 Jan 2021; 589:491-492. https://doi.org/10.1038/d41586-021-00183-z.

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