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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Desfechos clínicos de pacientes com fibrose cística e hemoptise tratada por meio de embolização arterial brônquica

Clinical outcomes of cystic fibrosis patients with hemoptysis treated with bronchial artery embolization

Marília Amaral Peixoto da Silveira1,2, Patrícia Amaral Peixoto da Silveira3, Flávia Gabe Beltrami1,2, Leandro Armani Scaffaro4, Paulo de Tarso Roth Dalcin1,2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200557

ABSTRACT

Objective: Massive hemoptysis is one of the most serious complications in patients with cystic fibrosis (CF). This study aimed to evaluate the hemoptysis-free period following bronchial and non-bronchial artery embolization (BAE/non-BAE) in CF patients and to investigate predictors of recurrent bleeding and mortality by any cause. Methods: This was a retrospective cohort study of CF patients = 16 years of age undergoing BAE/non-BAE for hemoptysis between 2000 and 2017. Results: We analyzed 39 hemoptysis episodes treated with BAE/non-BAE in 17 CF patients. Hemoptysis recurrence rate was 56.4%. Of the sample as a whole, 3 (17.6%) were hemoptysis-free during the study period, 2 (11.8%) underwent lung transplantation, and 3 (17.6%) died. The median hemoptysis-free period was 17 months. The median hemoptysis-free period was longer in patients with chronic infection with Pseudomonas aeruginosa (31 months; 95% CI: 0.00-68.5) than in those without that type of infection (4 months; 95% CI: 1.8-6.2; p = 0.017). However, this association was considered weak, and its clinical significance was uncertain due to the small number of patients without that infection. Conclusions: BAE appears to be effective in the treatment of hemoptysis in patients with CF.

Keywords: Cystic fibrosis; Hemoptysis; Bronchial arteries; Embolization, therapeutic.

RESUMO

Objetivo: A hemoptise maciça é uma das complicações mais graves em pacientes com fibrose cística (FC). O objetivo deste estudo foi avaliar o período livre de hemoptise após a embolização arterial brônquica/não brônquica (EAB/não EAB) em pacientes com FC e investigar preditores de sangramento recorrente e mortalidade por qualquer causa. Métodos: Trata-se de um estudo retrospectivo de coorte de pacientes com FC com idade ≥ 16 anos submetidos a EAB/não EAB para o tratamento de hemoptise entre 2000 e 2017. Resultados: Foram analisados 39 episódios de hemoptise tratada por meio de EAB/não EAB em 17 pacientes com FC. A taxa de recidiva da hemoptise foi de 56,4%. Do total de pacientes, 3 (17,6%) permaneceram sem hemoptise durante o estudo, 2 (11,8%) foram submetidos a transplante de pulmão e 3 (17,6%) morreram. A mediana do período sem hemoptise foi de 17 meses. A mediana do período sem hemoptise foi maior em pacientes com infecção crônica por Pseudomonas aeruginosa (31 meses; IC95%: 0,00-68,5) do que naqueles sem esse tipo de infecção (4 meses; IC95%: 1,8-6,2; p = 0,017). No entanto, essa associação foi considerada fraca, e sua importância clínica foi considerada incerta em virtude do pequeno número de pacientes sem essa infecção. Conclusões: A EAB parece ser eficaz no tratamento de hemoptise em pacientes com FC.

Palavras-chave: Fibrose cística; Hemoptise; Artérias brônquicas; Embolização terapêutica.

INTRODUÇÃO
 
A fibrose cística (FC) é uma doença genética recessiva que afeta principalmente indivíduos brancos e predominantemente os pulmões ao comprometer a depuração mucociliar das vias aéreas.(1,2) Isso resulta em inflamação e infecção crônica e, consequentemente, em doença pulmonar obstrutiva progressiva, bronquiectasias e infecções respiratórias recorrentes.(3,4) Uma das complicações mais graves em pacientes com FC é a hemoptise maciça, presente em aproximadamente 4,1% dos pacientes com FC ao longo da vida, com média de incidência anual de quase 1%.(5) A embolização arterial brônquica (EAB) é o tratamento atualmente recomendado para pacientes com hemoptise maciça.(6)
 
A patogênese da hemoptise é multifatorial.(7) Inflamação crônica e hipóxia têm possíveis efeitos proliferativos na circulação brônquica.(8) As artérias se tornam tortuosas, aumentadas e friáveis, o que favorece o sangramento em direção às vias aéreas. Embora haja fatores de risco de hemoptise maciça, tais como idade avançada, comprometimento da função pulmonar e infecção crônica por Staphylococcus aureus, a doença costuma estar relacionada com infecção das vias aéreas e exacerbação pulmonar aguda.(5) As abordagens terapêuticas dependem do volume da hemoptise e do estado de saúde do paciente. O manejo da hemoptise inclui tratamento médico conservador e EAB/não EAB; a cirurgia é a última opção de tratamento.(8)
 
A escolha do tratamento depende principalmente da gravidade e urgência das condições clínicas. Quanto à quantidade, a hemoptise pode ser mínima (< 5 mL), leve a moderada (5-240 mL) ou maciça (> 240 mL).(6) Outros autores consideram que a hemoptise é maciça quando o sangramento é > 240 mL/dia ou > 100 mL/dia durante vários dias.(5,9) Uma indicação inequívoca de embolização arterial é hemoptise maciça com instabilidade clínica. Além disso, pacientes que apresentam hemoptise maciça, tornam-se clinicamente estáveis e não mais tossem sangue devem sempre ser tratados por meio de EAB.(6) Mais recentemente, entretanto, a embolização de artérias brônquicas e não brônquicas tem sido recomendada em pacientes que apresentam volumes menores de hemoptise, capacidade pulmonar reduzida e dificuldade de manter a permeabilidade das vias aéreas. (10,11) Esse procedimento também é recomendado em pacientes com hemoptise recorrente quando a higiene brônquica, a fisioterapia respiratória e o estilo de vida estiverem prejudicados.(12,13) A broncoscopia não faz parte da abordagem de rotina antes do tratamento definitivo por meio de embolização. No entanto, a angiotomografia de tórax pode ser útil para propiciar um entendimento completo da anatomia e locais de sangramento das artérias brônquicas e colaterais não brônquicas, tornando a embolização mais eficaz.(14)
 
A EAB para controlar a hemoptise foi descrita pela primeira vez por Remy et al., em 1974.(15) Desde então, várias publicações têm sugerido diferentes estratégias para o tratamento de hemoptise por meio de embolização, cujo objetivo principal é bloquear o fluxo sanguíneo proveniente da artéria causadora do sangramento. A taxa de sucesso no controle da hemoptise por meio de embolização tem aumentado nos últimos anos em virtude de melhorias nos materiais embólicos e na tecnologia dos cateteres.(16,17) A embolização arterial tem sido particularmente eficaz em pacientes com FC. Nesses pacientes, o controle imediato da hemoptise é alcançado em mais de 90% dos casos.(12,18) No entanto, sangramento recorrente é uma complicação bem conhecida da embolização arterial: 18% dos pacientes apresentam sangramento 30 dias depois do procedimento e 21% apresentam sangramento 1 ano depois do procedimento,(17) o que ilustra uma limitação dessa técnica no que tange a desfechos em médio e longo prazo.
 
O objetivo do presente estudo foi avaliar o período livre de hemoptise após EAB/não EAB em pacientes com FC, bem como investigar preditores de sangramento recorrente e mortalidade por qualquer causa.
 
MÉTODOS
 
Trata-se de um estudo retrospectivo de coorte de pacientes com FC com idade ≥ 16 anos admitidos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), em Porto Alegre (RS), em virtude de hemoptise maciça (> 240 mL/dia ou > 100 mL/dia durante 3 ou mais dias) e submetidos a EAB/não EAB entre 1º de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2017. O diagnóstico clínico de FC preencheu os critérios de consenso da Cystic Fibrosis Foundation.(19) Os dados foram obtidos por meio da análise dos prontuários eletrônicos dos pacientes.
 
Na data de entrada no estudo, foram coletados dados referentes às seguintes variáveis: sexo; etnia; idade; presença da mutação F508del; IMC; resultados espirométricos; distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos; uso de medicamentos inalatórios; uso de azitromicina; pressão sistólica da artéria pulmonar (estimada por ecocardiografia Doppler); transplante de fígado; presença de infecções bacterianas respiratórias crônicas, diabetes relacionado à FC, insuficiência pancreática, doença hepática, pneumotórax prévio, hemoptise prévia sem EAB e aspergilose broncopulmonar alérgica prévia. Os registros espirométricos foram obtidos junto à Unidade de Fisiologia Pulmonar do HCPA, e o VEF1, a CVF e a relação VEF1/CVF foram expressos em litros e em porcentagens dos valores previstos para sexo, idade e estatura.(20) O tempo de protrombina, o tempo de tromboplastina parcial ativada e a contagem de plaquetas também foram coletados no momento do sangramento. Infecções bacterianas crônicas por Pseudomonas aeruginosa, complexo Burkholderia cepacia ou S. aureus foram definidas pela presença de três ou mais isolados positivos dessas bactérias durante os 12 meses anteriores.
 
Todos os pacientes foram submetidos a EAB/não EAB realizada por um radiologista intervencionista para o tratamento da hemoptise. A técnica de Seldinger(21) foi usada para acesso vascular pela artéria femoral, seguida de cateterismo seletivo de artérias brônquicas. Nesse procedimento, um microcateter coaxial de 2,8 F foi usado para cateterismo superseletivo, e partículas de álcool polivinílico de 300-500 µ e 500-700 µ foram usadas para embolização superseletiva. Todos os vasos anormais que supriam a área de interesse foram embolizados se tecnicamente possível. Também foi abordado o suprimento colateral arterial sistêmico não brônquico das artérias intercostais, frênicas, mamárias internas e subclávias. O total de artérias específicas que receberam embolização foi analisado no prontuário médico eletrônico. Além disso, foram registrados diâmetros anômalos das artérias brônquicas (≥ 4 mm), circulação extrabrônquica anômala e embolização prévia, bem como complicações e efeitos adversos.
 
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA (Protocolo n. 18-0297) e Plataforma Brasil (Protocolo n. 64430516.0.0000.5327) e foi realizado em conformidade com as normas internacionais e nacionais para a realização de estudos clínicos com seres humanos (Declaração de Helsinque e a regulamentação governamental brasileira–Plataforma Brasil). O consentimento livre e esclarecido foi dispensado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA em virtude do caráter retrospectivo do estudo. Os autores assinaram uma declaração de compromisso com a privacidade e proteção de dados pessoais.
 
Análise estatística
 
Os dados coletados foram processados por intermédio do programa IBM SPSS Statistics, versão 20.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Foi realizada uma análise descritiva das características demográficas e outras variáveis de interesse. O método de Kaplan-Meier foi usado para traçar os intervalos sem sangramento e a sobrevida ao longo do tempo.
 
Os dados foram analisados a partir da data de inclusão do paciente (data de entrada no estudo), isto é, quando o paciente foi submetido a EAB pela primeira vez. Os desfechos foram avaliados até março de 2018, que foi a data de encerramento do estudo. Os pacientes que foram submetidos a transplante de pulmão ou que morreram durante o estudo foram censurados na data do evento.
 
A regressão de riscos proporcionais de Cox foi usada para identificar os fatores de risco de novos eventos de hemoptise maciça e para determinar a relação entre as características basais dos pacientes e os desfechos. Foram usados testes estatísticos bicaudais, e o nível de significância adotado foi de 5%. Com base em dois estudos anteriores que relataram taxas de recidiva de 47% e 46%,(22,23) a amostra deveria incluir aproximadamente 41 casos em um intervalo de confiança de 95%.
 
RESULTADOS
 
Durante o estudo, houve 39 episódios de hemoptise com necessidade de EAB em 17 pacientes com FC. A Tabela 1 apresenta as características gerais dos pacientes por ocasião do primeiro evento de hemoptise que exigiu EAB. Todos os pacientes eram brancos. A média de idade foi de 25,0 ± 10,6 anos, e 9 pacientes (53%) eram do sexo feminino. A infecção bacteriana crônica por P. aeruginosa foi a mais prevalente (88%), seguida de infecção bacteriana crônica por S. aureus resistente a meticilina (35%), S. aureus sensível a meticilina (29%) e complexo B. cepacia (17%). As médias de CVF (% do previsto), VEF1 (% do previsto) e VEF1/CVF foram de 56 ± 25%, 44 ± 25% e 64,0 ± 12,5, respectivamente. A média da distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos foi de 438 ± 123 m (Tabela 1).


 
Durante o estudo, 9 (53%) e 8 (47%) dos pacientes foram submetidos a EAB apenas uma vez e mais de uma vez, respectivamente (duas vezes, em 2 pacientes; três vezes, em 2; quatro vezes, em 3; oito vezes, em 1). Não houve diferenças estatísticas entre os pacientes que necessitaram de um procedimento e aqueles que necessitaram de mais de um procedimento durante o estudo quanto ao sexo (p = 0,953), idade (p = 0,139), IMC (p = 0,414), VEF1 em % do previsto (p = 0,391) e CVF em % do previsto (p = 0,366).
 
Dos 39 episódios de hemoptise que exigiram EAB, 4 (10,3%) e 6 (15,4%) foram censurados em virtude de transplante de pulmão e óbito, respectivamente. Não houve nenhum óbito por hemoptise. O período livre de hemoptise após cada procedimento foi determinado pela análise de Kaplan-Meier (mediana = 17 meses; média = 46 meses; Figura 1). Não houve recidiva imediata (< 24 h); entretanto, a maioria dos pacientes (72%) apresentou recidiva tardia (após 30 dias).

 
A Tabela 2 apresenta os resultados da análise de regressão logística univariada do risco de novos episódios de hemoptise. A única variável que se relacionou estatisticamente com hemoptise recorrente foi infecção crônica por P. aeruginosa (razão de risco = 0,28; p = 0,028). Pacientes com infecção bacteriana crônica por P. aeruginosa tiveram um período mais longo sem hemoptise, com mediana de 31 meses (IC95%: 0,00-68,52) e média de 52 meses (IC95%: 31,15-74,25), em comparação com aqueles sem esse tipo de infecção (mediana = 4 meses; IC95%: 1,8-6,2; p = 0,017).
 

 
Ocorreram efeitos adversos após a embolização em 20% dos procedimentos. Desconforto torácico esteve presente após 6 procedimentos; febre esteve presente após 3 e dispneia esteve presente após 1. Não houve relatos de disfagia, doenças neurológicas ou complicações graves.
 
Broncoscopia flexível e irrigação endobrônquica com solução salina fria foram realizadas em 10 eventos de hemoptise (8 indivíduos), e foi inserido um cateter balão para bloqueio brônquico em apenas 1 evento antes da EAB. Foi realizada TC de tórax em 4 eventos de hemoptise (4 indivíduos) antes da EAB. Nenhum desses procedimentos apresentou relação estatística com os desfechos (p < 0,05).
 
O ácido tranexâmico intravenoso foi usado como terapia adicional em 17 eventos de hemoptise (9 indivíduos). Nenhum paciente foi tratado com adrenalina nebulizada, terlipressina ou betabloqueadores.
 
DISCUSSÃO
 
Este estudo retrospectivo de coorte avaliou pacientes com FC e hemoptise maciça submetidos a EAB/não EAB em um hospital de referência no sul do Brasil. Dos 39 episódios de hemoptise que exigiram EAB/não EAB, 22 (56,4%) evoluíram para novos episódios de hemoptise maciça. A mediana do período livre de hemoptise após EAB/não EAB foi de 17 meses. Esse procedimento foi adotado pela primeira vez no HCPA em 2000. Desde então, tem desempenhado um papel importante no tratamento de hemoptise em pacientes com FC. A EAB/não EAB foi um tratamento eficaz, com controle imediato da hemoptise em todos os casos, já que não foram observados novos sangramentos nas primeiras 24 h. Além disso, à semelhança de estudos anteriores, a taxa de recidiva em longo prazo foi de 56%. Barben et al.(21) relataram uma taxa de sucesso de 95% no controle imediato do sangramento em 38 casos, ao passo que outros estudos descreveram taxas de recidiva em longo prazo de 42-55%.(12,17,21-24)
 
Em um estudo retrospectivo de coorte de 14 anos, Vidal et al.(25) avaliaram 30 pacientes com FC e hemoptise maciça ou persistente que exigiu 42 sessões de embolização. No estudo em questão, 8 pacientes apresentaram recidiva e necessitaram de um novo procedimento de embolização. Destes, 4 apresentaram uma recidiva e 4 apresentaram duas. A média de tempo entre a primeira embolização e a recidiva foi de 27,8 meses (1-49 meses), e 38% apresentaram recidiva em até 5 anos após a embolização. Dos 30 pacientes, 8 (26,7%) morreram em virtude de insuficiência respiratória e 9 (30,0%) foram submetidos a transplante de pulmão. A taxa de insucesso naquele estudo foi comparativamente maior do que em nosso estudo, cujas taxas de mortalidade e transplante foram de 17,6% e 11,8%, respectivamente.
 
Em outro estudo retrospectivo em longo prazo, Barben et al.(26) investigaram 52 EAB em 28 pacientes com FC. Destes, 13 necessitaram de mais de uma EAB (taxa de reembolização = 46%). Dos 13 pacientes, 3, 1 e 2 necessitaram de 3, 4 e 5 EAB. A mediana do tempo entre a primeira e a segunda EAB foi de 4 meses. Os indivíduos que compuseram a amostra do estudo em questão eram mais jovens (média de idade = 15 anos) do que os do presente estudo (média de idade = 25 anos). No entanto, apesar da diferença de idade, esses pacientes apresentaram resultados semelhantes de função pulmonar. Os avanços da tecnologia e dos materiais usados para EAB podem, portanto, justificar o maior tempo sem hemoptise em nosso estudo.
 
Pathak et al.(27) avaliaram os desfechos em longo prazo da EAB para tratar diferentes doenças pulmonares. Em seu estudo, a FC foi a causa mais comum de hemoptise com necessidade de EAB. A taxa de recidiva foi de 50%, semelhante à de nosso estudo. A taxa de sobrevida em 10 anos foi de 85% em pacientes com FC submetidos ao procedimento. Não foram descritas nem a mediana nem a média de tempo sem hemoptise.
 
Flight et al.(24) descreveram 27 pacientes adultos com FC submetidos a 51 EAB para hemoptise maciça e submaciça durante um período de acompanhamento cuja mediana foi de 26 meses. Houve recidiva da hemoptise após 31 EAB (61%). A mortalidade após a primeira EAB foi de 3,9% aos 30 dias e de 14,8% aos 12 meses. Não foram identificados preditores significativos de mortalidade.
 
Martin et al.(17) estudaram 38 EAB para o tratamento de hemoptise em 28 pacientes adultos com FC e relataram os desfechos 30 dias, 1 ano e 3 anos depois do procedimento. As taxas de sucesso técnico (sem necessidade de nova embolização e mortalidade relacionada com a hemoptise) e clínico (sem necessidade de nova embolização e mortalidade por qualquer causa) foram de 89% e 82%, respectivamente, após 30 dias; de 86% e 79%, respectivamente, após 1 ano e de 82% e 75%, respectivamente, após 3 anos.
 
Quando avaliamos as características clínicas que poderiam predizer a recidiva da hemoptise, observamos que a infecção crônica por P. aeruginosa foi a única variável que se correlacionou com períodos mais longos sem hemoptise, com um efeito protetor (mediana = 31 meses). No entanto, essa associação foi considerada fraca, e sua importância clínica foi considerada incerta em virtude do baixo número de pacientes no grupo sem esse tipo de infecção (apenas 2 pacientes). Estudos adicionais com um número maior de pacientes são necessários para esclarecer esse achado. Uma hipótese que poderia justificar essa associação seria o uso contínuo de antibióticos inalatórios por pacientes com infecção crônica por P. aeruginosa, o qual reduz a colonização bacteriana das vias aéreas, controla a inflamação e melhora o prognóstico de recidiva da hemoptise. A infecção bacteriana respiratória (detectada pela bacteriologia do escarro) é frequentemente mencionada em estudos sobre EAB em pacientes com FC, pois P. aeruginosa ocorre em 56% dos casos. No entanto, até o momento, não houve estudos que correlacionassem essa infecção crônica das vias aéreas com a recidiva da hemoptise.(9,28,29)
 
Vidal et al.(25) observaram que o risco de recidiva de hemoptise foi maior em pacientes com um grande número de artérias colaterais. Faltam informações a respeito dos riscos de recidiva de hemoptise após a EAB. No presente estudo não se observou nenhuma correlação entre a prevalência de artérias desse tipo e sangramento recorrente.
 
Estudos anteriores(17,24,30) descreveram efeitos adversos graves após a EAB, incluindo mielite transversa, derrame vascular e paraplegia. No entanto, essas complicações raras não foram identificadas em nosso estudo. Novas tecnologias em cateteres, fios-guias e agentes embólicos provavelmente resultaram em melhorias na segurança da EAB. A prevalência de eventos adversos leves na literatura(17,25) varia de 5,2% a 50,9%, e o sintoma mais comum é dor torácica. Embora desconforto torácico, febre e dispneia tenham ocorrido em 20% dos casos no presente estudo, esses efeitos adversos foram facilmente controlados com medicação e, portanto, não comprometeram os desfechos clínicos.
 
O presente estudo tem várias limitações. Em primeiro lugar, foi realizado em um único centro médico com uma amostra relativamente pequena, o que limita seu poder estatístico. No entanto, deve-se notar que os estudos publicados sobre o assunto(10,15-18,23-26) também apresentam amostras pequenas. Em segundo lugar, o estudo teve um desenho retrospectivo, com dados obtidos a partir da análise de prontuários médicos, que provavelmente não são tão completos e precisos quanto os dados coletados em estudos prospectivos. Em terceiro lugar, os procedimentos de EAB não seguiram um protocolo rigoroso neste estudo retrospectivo.
 
Em suma, este estudo retrospectivo de coorte mostrou que a EAB foi um tratamento eficaz para hemoptise imediata e em longo prazo em pacientes com FC. O controle foi alcançado em 24 h em 100% dos casos; a mediana do período sem hemoptise foi de 17 meses. O único preditor de sangramento recorrente após a EAB foi a infecção crônica por P. aeruginosa, mas essa associação foi considerada fraca, e sua importância clínica foi considerada incerta em virtude do pequeno número de pacientes.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
MAPS: concepção e desenho do estudo; coleta, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito e elaboração das tabelas; revisão crítica do conteúdo; aprovação da versão final. PAPS e FGB: análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica do conteúdo; aprovação da versão final. LAS: concepção e desenho do estudo; interpretação dos dados; redação do manuscrito e elaboração das figuras; revisão crítica do conteúdo; aprovação da versão final. PTRD: concepção e desenho do estudo; coleta, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito e elaboração das figuras; revisão crítica do conteúdo; aprovação da versão final.
 
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