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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Intervenção Breve para Cessação Tabágica Durante a Gestação

Brief Intervention for Smoking Cessation During Pregnancy

Andre Bertani1, Suzana Tanni1, Irma Godoy1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210142

 AO EDITOR,
 
A cessação do tabagismo durante a gravidez preserva a vida e reduz danos à saúde da mulher e do feto.(1) No Brasil, um estudo realizado entre 2011 e 2012 demostrou que a prevalência do tabagismo ativo em qualquer momento da gravidez foi de 9,6%.(2) Intervenções baseadas em terapias cognitivas comportamentais, associadas a material educacional, são indicadas como uma abordagem de primeira linha para a cessação do tabagismo durante a gestação. (3)
 
O presente estudo tratou-se de um ensaio clínico controlado, randomizado, paralelo com uma proporção de 1:1 de alocação de 143 gestantes fumantes que realizaram pré-natal em Unidades Básicas de Saúde e na Unidade de Obstetrícia do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, SP, Brasil. O objetivo do estudo foi determinar a influência de uma intervenção breve baseada em terapia cognitivo-comportamental customizada, complementada por um vídeo e um manual com conteúdo desenvolvido especificamente para fumantes grávidas, nas taxas de cessação do tabagismo durante a gravidez e após o parto.
 
Todas as gestantes fumantes que participaram do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, responderam a um questionário e se submeteram a uma sessão de 15 minutos de aconselhamento individualizado padronizado. Além disso, receberam um manual impresso e um DVD contendo um vídeo com conteúdo relacionado ao tabagismo e suas consequências para a gravidez e para o feto/recém-nascido. As participantes foram randomizadas em um grupo de Intervenção (I), onde foram incentivadas a participar de até sete sessões de tratamento individual realizadas no mesmo dia das consultas de pré-natal, ou um grupo Controle (C), sem participação adicional em sessões de tratamento individual. As taxas de abstinência foram avaliadas em cada consulta pré-natal e 40 dias após o parto, e o status tabágico foi confirmado por medições de monóxido de carbono. O grau de dependência à nicotina foi determinado pelo teste de Fargeström, (4) e o estágio de motivação das participantes foi analisado através do modelo transteórico de Prochaska e DiClemente. (5) O desejo pela nicotina foi avaliado pelo Brief Questionnaire of Smoking Urges (QSU-Brief), validado para uso no Brasil. (6) O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu (número de referência: 430.718).
 
O tamanho da amostra foi calculado para identificar uma diferença de 20% na taxa de abstinência entre os grupos, com um poder de 90% e um alfa de 5% para testes de proporção. O tamanho necessário da amostra foi de 117 indivíduos. As associações entre o desfecho primário (tabagismo 40 dias após o parto) e as ​​características das gestantes, adesão, grau de dependência, estágio motivacional, uso de material educativo e classe econômica foram realizadas por regressão logística.
 
As principais características das participantes estão apresentadas na Tabela 1. As mulheres do grupo Controle eram mais velhas que as do grupo Intervenção (29,5 ± 6,1 anos vs. 24,3 ± 7,2 anos, p < 0,001). A maioria das gestantes vivia em união estável (66,9%), possuía apenas o ensino fundamental (57,4%) e pertencia às classes econômicas brasileiras D e C2 (58,1%), sem diferenças entre os grupos. Uma diferença estatisticamente significante na proporção de tabagismo passivo (69% vs. 36%, p < 0,001) e de gestantes no estágio contemplativo (76,7% vs. 32%, p < 0,001) foi encontrada no grupo Intervenção em comparação com o grupo Controle. Além disso, uma diferença estatisticamente significante nas taxas de cessação do tabagismo foi observada no grupo Intervenção quando comparado ao grupo Controle (55,8% vs. 34%, p = 0,026). No modelo de regressão logística, o status ‘tabagismo ativo após o parto’ foi associado à carga de fumo >10 anos-maço, participação em apenas uma sessão de aconselhamento, exposição ao fumo passivo e o não uso de material educativo. A Idade gestacional também foi incluída no modelo de regressão logística, embora uma diferença significativa não tenha sido encontrada. Porém, ao analisar as diferenças entre medianas, a Idade gestacional foi significativamente diferente entre os grupos (Tabela 1).     Nossos resultados mostraram que programas educacionais de pré-natal com conteúdo relacionado aos efeitos do tabagismo durante a gravidez foram eficazes para aumentar a cessação do tabagismo, e tal eficácia aumentou com a intensidade do programa. Os achados de Ferreira-Borges,(7) que avaliaram o efeito de uma sessão de aconselhamento de 12 minutos e de uma cartilha contendo informações relacionadas ao tabagismo durante a gravidez, corroboram nossos resultados relacionados à taxa de abstinência, confirmada pelos níveis de monóxido de carbono no ar exalado, que foram de 33% no grupo Intervenção e 8,3% no grupo Controle (p = 0,026).(7) Outros estudos que avaliaram intervenções durante as consultas pré-natais, relacionadas aos problemas que o tabagismo pode causar na gravidez, compararam as estratégias de cessação com a orientação pré-natal de rotina apenas.(8,9) Em estudos prévios, as taxas de cessação do tabagismo confirmadas bioquimicamente variaram entre 35% e 39% nos grupos Intervenção e entre 18,9% e 30% nos grupos Controle. (8,9)
 
A análise de regressão mostrou uma associação positiva entre tabagismo 40 dias após o parto com carga tabágica >10 anos-maço, exposição ao fumo passivo, o não uso de material educativo e participação em apenas uma sessão de aconselhamento. Um achado importante foi a associação negativa entre tabagismo ativo 40 dias após o parto e um estágio motivacional contemplativo para a cessação, indicando que o reforço do aconselhamento para cessação do tabagismo durante a gravidez traz resultados positivos independentemente do estágio motivacional. Stotts et al. também concluíram que gestantes que estavam contemplativas no início do estudo migraram para o estágio de ação e cessação do tabagismo após o tratamento.(10) O tabagismo passivo e o número de cigarros/dia também foram descritos anteriormente como fatores de risco para continuar fumando durante a gestação e após o parto.(8,10)
 
Semelhante aos nossos achados, um estudo comparando um grupo experimental de gestantes que recebeu aconselhamento breve e um vídeo e manual de autoajuda com conteúdo voltado para a cessação do tabagismo com um grupo controle, que recebeu apenas pré-natal de rotina, mostrou uma associação positiva significativa entre adesão à intervenção e abstinência após o seguimento.(9) No presente estudo, 81% das gestantes do grupo Intervenção participaram de 4 ou mais sessões. A realização das sessões durante as consultas pré-natais foi provavelmente o elemento-chave para a obtenção desse resultado.
 
Algumas limitações devem ser consideradas em nosso estudo. A maioria das mulheres incluídas pertencia a um grupo de gestantes de alto risco; entretanto, mesmo em uma amostra com essas características, a intervenção foi bem-sucedida. Além disso, não foi possível determinar a taxa de abstinência a longo prazo, pois o tabagismo aos 6 e 12 meses não foi avaliado.
 
Em conclusão, os resultados obtidos em nosso estudo mostraram que a intervenção breve complementada por material educativo teve um efeito positivo nas taxas de abstinência do tabagismo em mulheres grávidas. A inclusão desse modelo de intervenção nas consultas de pré-natal abre a possibilidade do uso de abordagens semelhantes em outros serviços. Nossos resultados reforçam a importância de intervenções mais intensas com maior atenção aqueles expostos a níveis mais elevados de tabagismo, incluindo o fumo passivo. Independentemente do status motivacional e do grau de dependência à nicotina, o aconselhamento e os materiais educacionais foram eficazes nesse grupo de gestantes.
 
APOIO FINANCEIRO
 
Esta pesquisa recebeu apoio financeiro da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo nº 2013/14910-9).
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
ALB conduziu todas as entrevistas com as gestantes, as aconselhou, tabulou os dados, e escreveu o manuscrito. SET realizou a análise de regressão. IG supervisionou os procedimentos da pesquisa e revisou a versão final do manuscrito.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Lumley J, Chamberlain C, Dowswell T, Oliver S, Oakley L, Watson L. Interventions for promoting smoking cessation during pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. Jul 2009;(3):CD001055. https://doi.org/10.1002/14651858.CD001055.pub3

  2. Domingues RMSM, Figueiredo VC, Leal MDC. Prevalence of pre-gestational and gestational smoking and factors associated with smoking cessation during pregnancy, Brazil, 2011-2012. PLoS One. May 2019;14(5):e0217397. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0217397

  3. Grangé G, Berlin I, Bretelle F, Bertholdt C, Berveiller P, Blanc J et al. Smoking and smoking cessation in pregnancy. Synthesis of a systematic review. J Gynecol Obstet Hum Reprod. Oct 2020;49(8):101847. https://doi.org/10.1016/j.jogoh.2020.101847

  4. Heatherton TF, Kozlowski LT, Frecker RC, Fagerström KO. The Fagerström Test for Nicotine Dependence: a revision of the Fagerström Tolerance Questionnaire. Br J Addict. Sep 1991;86(9):1119-27. https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.1991.tb01879.x

  5. DiClemente CC, Prochaska JO. Self-change and therapy change of smoking behavior: a comparison of processes of change in cessation and maintenance. Addict Behav. 1982;7(2):133-42. https://doi.org/10.1016/0306-4603(82)90038-7

  6. Araujo RB, Oliveira MS, Mansur MA. Brazilian validation of the Questionnaire of Smoking Urges. Cad Saude Publica. Oct 2006;22(10):2157-67. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2006001000022

  7. Ferreira-Borges C. Effectiveness of a brief counseling and behavioral intervention for smoking cessation in pregnant women. Prev Med. Jul 2005;41(1):295-302. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2004.11.013

  8. Valanis B, Lichtenstein E, Mullooly JP, Labuhn K, Brody K, Severson HH et al. Maternal smoking cessation and relapse prevention during health care visits. Am J Prev Med. Jan 2001;20(1):1-8. https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00266-x

  9. de Vries H, Bakker M, Mullen PD, van Breukelen G. The effects of smoking cessation counseling by midwives on Dutch pregnant women and their partners. Patient Educ Couns. Oct 2006;63(1-2):177-87. https://doi.org/10.1016/j.pec.2005.10.002

  10. Stotts AL, DeLaune KA, Schmitz JM, Grabowski J. Impact of a motivational intervention on mechanisms of change in low-income pregnant smokers. Addict Behav. Nov 2004;29(8):1649-57. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2004.02.063



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