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Cartas ao Editor

Desenvolvimento de um capacete para oferta de CPAP e oxigenoterapia com alto fluxo: ELMO 1.0

ELMO 1.0: a helmet interface for CPAP and high-flow oxygen delivery

Marcelo Alcantara Holanda1,2a, Betina Santos Tomaz3a, David Guabiraba Abitbol de Menezes4a, Juliana Arcanjo Lino4a, Gabriela Carvalho Gomes4a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200590

 AO EDITOR,
 
Poucos meses depois da descrição do primeiro caso na China, a COVID-19 tornou-se pandêmica. Mais de 50 milhões de pessoas foram contaminadas pelo vírus e, até o momento, mais de 1 milhão de óbitos foram confirmados em todo mundo.(1) No Brasil, a COVID-19 impactou fortemente com elevado número de casos, sendo o terceiro país com maior número de vítimas(2); o mais grave é que não há perspectivas de resolução imediata, podendo o Brasil enfrentar uma segunda onda da infecção, como já acontece em vários países do mundo.(3)
 
A infecção pelo vírus SARS-CoV-2 causa a COVID-19, cujo espectro clínico varia de pacientes assintomáticos a quadros gripais, com sintomas como febre, fadiga, tosse seca e dispneia.(4) Embora a maioria dos pacientes apresente evolução favorável, aproximadamente 15-20% desenvolvem formas graves da doença, incluindo SDRA, com necessidade de suporte ventilatório. Em uma série de casos de pacientes nos EUA hospitalizados com COVID-19, 14% necessitaram admissão em UTI, e aqueles que precisaram de ventilação mecânica apresentaram altas taxas de mortalidade (88,1%).(5)
 
O manejo da insuficiência respiratória pela COVID-19 é bastante desafiador. Primeiro, a ventilação não invasiva, uma opção para evitar a intubação orotraqueal e suas complicações, devido às altas vazões que aumentam a dispersão do vírus, eleva o risco de aerossolização e, consequentemente, a contaminação dos profissionais da saúde.(6) Segundo, o número de leitos de UTI disponíveis durante o início da pandemia era menor que o número total de pacientes infectados que necessitaram de ventilação não invasiva.(7) Terceiro, ocorreu um colapso da indústria mundial de ventiladores mecânicos frente à necessidade crescente de seu uso. Dentro do espectro de apresentações da COVID-19, a SDRA moderada a grave apresenta as maiores taxas de morbidade e mortalidade e é também o quadro mais desafiador quanto ao manejo do suporte ventilatório.
 
Nesse contexto, um sistema de interface tipo capacete (helmet), com completa vedação e isolamento respiratório da cabeça do paciente, permite a aplicação de pressão positiva na via aérea, sem intubação, com segurança e conforto para os pacientes com insuficiência respiratória aguda leve a grave.(7,8) Visando o desenvolvimento de um dispositivo desse tipo, que até este ano pandêmico não era fabricado no Brasil, uma parceria público-privada sob a coordenação da Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins Rodrigues, envolvendo agências de fomento à pesquisa, universidades e setores da indústria do estado do Ceará, se uniram numa força-tarefa multidisciplinar para desenvolver um novo dispositivo, denominado ELMO 1.0, em tempo recorde (três meses). O dispositivo foi patenteado no Brasil (BR 20 2020 014212 2; ANVISA no. 82072609001).
 
Inspirado em modelos descritos na literatura,(9,10) o ELMO 1.0 é composto por uma cápsula transparente em PVC atóxico autoclavável, com altura de 270 mm, diâmetro de 290 mm e um selo em silicone aplicado ao pescoço, preso a uma base rígida injetada em polipropileno. As entradas para a insuflação e exalação direcionam o gás para dentro e para fora do ELMO 1.0, através de orifícios feitos na parte posterosuperior (inspiratório) e na parte contralateral anteroinferior (expiratório). O silicone que envolve o pescoço é marcado com medidas que apresentam comprimentos de circunferências variadas, permitindo seu uso em diversos pacientes. Por ser não invasivo, evitar vazamentos e dispersão de gotículas, assim como ofertar níveis de CPAP até 10-15 cmH2O, o ELMO 1.0 apresenta uma série de atributos que o tornam especialmente interessante para uso em pacientes com COVID-19 que requerem oxigenoterapia (Figura 1).

 
Nove protótipos foram desenvolvidos, e, para avaliar a qualidade do produto, bem como identificar eventuais pontos associados a riscos para o paciente e oportunidades de melhorias do equipamento, foram feitos testes de usabilidade com profissionais de saúde com experiência em ventilação mecânica (dois médicos, dois fisioterapeutas e dois enfermeiros), assim como em quatro voluntários saudáveis, com média de idade de 38,5 anos (variação: 24,0-51,5 anos), do sexo feminino (n = 1) e masculino (n = 3).
 
Os testes de usabilidade foram realizados em um laboratório de inovação tecnológica concebido para a pesquisa, onde os profissionais de saúde assistiram a um vídeo instrucional sobre a montagem do sistema e realizaram tarefas para a avaliação de habilidades propostas pelos pesquisadores para a utilização do ELMO 1.0: 1) verificar a circunferência do pescoço do paciente; 2) reconhecer, montar e conferir o ELMO 1.0; 3) colocar o ELMO 1.0 no paciente; 4) iniciar a terapia com oferta de CPAP e oxigênio; 5) verificar a pressão dentro do ELMO 1.0 utilizando-se de um cuffômetro analógico e regulação de CPAP em 10 cmH2O; 6) oferecer água ao paciente em uso do ELMO 1.0; 7) mudar decúbito do paciente; e 8) retirar o ELMO 1.0. Os problemas identificados pelos profissionais foram classificados em três níveis de gravidade: a) mínimo: não requer mudanças imediatas; b) médio: requer mudanças, mas sem urgência; e c) crítico: mudanças imediatas no equipamento.
 
Foram reportados 22 problemas com sugestões relacionadas a conexões para oferta de fluxo dos gases para inspiração e para a exalação, ponto de acesso ao paciente, instruções no manual e outras que foram incorporadas no protótipo final aqui apresentado. Além disso, o tempo de execução das tarefas foi analisado, sendo a montagem e verificação do ELMO 1.0 as tarefas que levaram mais tempo para ser concluídas (7,0 ± 2,0 min).
 
Ao final dos testes de usabilidade, foi aplicada uma escala visual analógica para avaliar o conforto da interface pelo voluntário variando de zero a 10: desconfortável a confortável. A mediana dos escores foi de 8,5, com mínimo de 7,0 e máximo de 9,0. A média de tempo em que os voluntários utilizaram o ELMO 1.0 foi de 47,5 min (variação: 41,2-57,5 min), durante o qual foram observados mínimos efeitos adversos, como hiperemia na cervical posterior em um dos participantes, sem que houvesse necessidade de qualquer interrupção do procedimento ou de medida adicional.
 
Após a aprovação da última versão do protótipo ELMO 1.0, foi refeita uma nova prova de conceito quanto ao nível de ruído dentro do equipamento (que variou entre 45 e 65 dB) e à pressão (CPAP, 12-13 cmH2O). A reinalação de gás carbônico foi avaliada por capnografia sidestream com cânula nasal simples e diferentes fluxos de mistura de gases (30, 40, 50 e 60 L/min) para a medida da pressão inspirada de CO2 (PiCO2). Observamos que valores maiores que 40 L/min resultaram em PiCO2 de 0 ou 1 mmHg, enquanto a PiCO2 variou entre 2 e 5 mmHg com a mistura de 30 L/min. Como já descrito na literatura, confirmamos que quanto maior o fluxo, menor a chance de reinalação de CO2.(10)
 
Desenvolvemos em um curto intervalo de tempo uma nova interface do tipo capacete para a aplicação de CPAP por meio da oferta de fluxo de mistura de gases (O2 e ar comprimido) de forma confortável, apresentando mínimos efeitos adversos e boa eficácia quanto à aplicação de pressão positiva, estanquidade e menor risco de reinalação de CO2. O dispositivo ELMO 1.0 se apresenta como mais uma ferramenta a ser possivelmente utilizada em testes clínicos no suporte a pacientes com insuficiência respiratória aguda hipoxêmica por COVID-19 e outras causas.
 
AGRADECIMENTOS
 
Agradecemos à Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), Esmaltec S/A, Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (SESA), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade de Fortaleza (UNIFOR) seu apoio para o desenvolvimento do ELMO 1.0.
 
APOIO FINANCEIRO
 
Este estudo recebeu apoio financeiro da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP) e da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).
 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
MAH, GCG, JAL, BST e DGAM: concepção e planejamento do estudo; coleta e tabulação de dados, análise estatística e criação de tabelas e figuras; redação/revisão das versões preliminares e definitiva; padronização das normas de acordo com o jornal; e aprovação da versão final.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Johns Hopkins University [homepage on the Internet]. Baltimore (MD): the University; c2020 [cited 2020 Nov 10]. COVID-19 Dashboard by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE). Available from: https://coronavirus.jhu.edu/map.html

  2. Holanda MA, Pinheiro BV. COVID-19 pandemic and mechanical ventilation: facing the present, designing the future. J Bras Pneumol. 2020;46(4):e20200282. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200282

  3. Ali I. COVID-19: Are We Ready for the Second Wave?. Disaster Med Public Health Prep. 2020;14(5):e16-e18. https://doi.org/10.1017/dmp.2020.149

  4. Centers for Disease Control and Prevention (CDC) [homepage on the Internet]. Atlanta: CDC; c2020 [cited 2020 Nov 10]. COVID-19 : Guidance Documents. Available from: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/communication/guidance-list.html?Sort=Date%3A%3Adesc

  5. Richardson S, Hirsch JS, Narasimhan M, Crawford JM, McGinn T, Davidson KW, et al. Presenting Characteristics, Comorbidities, and Outcomes Among 5700 Patients Hospitalized With COVID-19 in the New York City Area [published correction appears in JAMA. 2020 May 26;323(20):2098]. JAMA. 2020;323(20):2052-2059. https://doi.org/10.1001/jama.2020.6775

  6. Cabrini L, Landoni G, Zangrillo A. Minimise nosocomial spread of 2019-nCoV when treating acute respiratory failure. Lancet. 2020;395(10225):685. https://doi.org/10.1001/S0140-6736(20)30359-7

  7. Patel BK, Wolfe KS, Pohlman AS, Hall JB, Kress JP. Effect of Noninvasive Ventilation Delivered by Helmet vs Face Mask on the Rate of Endotracheal Intubation in Patients With Acute Respiratory Distress Syndrome: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 2016;315(22):2435-2441. https://doi.org/10.1001/jama.2016.6338

  8. Armirfarzan H, Shanahan JL, Schuman R, Leissner KB. Helmet CPAP: how an unfamiliar respiratory tool is moving into treatment options during COVID-19 in the US. Ther Adv Respir Dis. 2020;14:1753466620951032. https://doi.org/10.1177/1753466620951032

  9. Lucchini A, Giani M, Isgrò S, Rona R, Foti G. The “helmet bundle” in COVID-19 patients undergoing non invasive ventilation. Intensive Crit Care Nurs. 2020;58:102859. https://doi.org/10.1016/j.iccn.2020.102859

  10. Radovanovic D, Rizzi M, Pini S, Saad M, Chiumello DA, Santus P. Helmet CPAP to Treat Acute Hypoxemic Respiratory Failure in Patients with COVID-19: A Management Strategy Proposal. J Clin Med. 2020;9(4):1191. https://doi.org/10.3390/jcm9041191



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