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ISSN (on-line): 1806-3756

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Editorial

Detalhamento dos mecanismos da dispneia crônica em pacientes durante o teste de exercício cardiopulmonar

Detailing the mechanisms of chronic dyspnea in patients during cardiopulmonary exercise testing

Zafeiris Louvaris1,2a, Daniel Langer1,2a, Rik Gosselink1,2a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210014

A dispneia é um sintoma angustiante definido como “experiência subjetiva de desconforto respiratório”.(1) O início da dispneia pode ser agudo (durante a transição do repouso para a atividade física) ou crônico (persistindo por mais de um mês).(1) A dispneia crônica é um dos sintomas mais comuns de muitas doenças e condições crônicas, como doenças cardiorrespiratórias, câncer e obesidade, reduzindo a tolerância ao exercício, os níveis de atividade física e a qualidade de vida relacionada à saúde.(2) Estudos epidemiológicos estimam que 56-98% dos pacientes com doenças respiratórias crônicas e 50-70% dos pacientes com câncer se queixem de dispneia, a qual pode ser a causa de até 50% das admissões em PS, com pico de incidência em pacientes entre 55 e 69 anos de idade.(3)
 
A terapia direcionada à patogênese de mecanismos subjacentes é a pedra angular no manejo da dispneia crônica; no entanto, a dispneia pode persistir apesar do tratamento ideal da fisiopatologia subjacente.(4) A identificação da dispneia crônica requer anamnese cuidadosa, bem como exame físico e testes, tipicamente incluindo eletrocardiografia, radiografia de tórax, oximetria de pulso, espirometria e hemograma.(5) Porém, mesmo após as avaliações clínicas supracitadas, a origem da dispneia crônica pode permanecer inexplicada em grande parte dos pacientes.(6) Portanto, foi proposto que o teste de exercício cardiopulmonar (TECP) induzido por estresse fisiológico pode ajudar a identificar etiologias da dispneia que muitas vezes passam despercebidas em exames clínicos padrão.(7)
 
Em um artigo de revisão publicado no presente número do JBP, Berton et al.(8) destacam a utilidade clínica do TECP na avaliação da dispneia. Com base em clusters de achados na literatura, os autores descrevem uma abordagem abrangente para as respostas fisiopatológicas predominantes (Figura 1) que podem levar a dispneia intolerável durante o exercício, a saber: a) desequilíbrio entre oferta/utilização de oxigênio; b) comprometimento da mecânica ventilatória; c) comprometimento das trocas gasosas/alteração do controle ventilatório; e) aumento das demandas metabólicas devido à obesidade; e f) respiração disfuncional/distúrbio hiperventilatório. Além disso, os autores contrastam esses padrões fisiopatológicos com respostas normais ao TECP encontradas na literatura, fornecendo assim uma maior visão mecanicista sobre a gênese da dispneia.


 
O artigo de revisão de Berton et al.(8) traz uma contribuição significativa para esse campo de estudo. Os autores fornecem uma identificação e interpretação pragmáticas das respostas do TECP que, se integradas a exame e testes clínicos padrão, podem ajudar os profissionais de saúde e os médicos a identificar potenciais fontes de dispneia. Em 2020, Neder et al.(7) deram outro passo importante para a identificação de fontes de dispneia ao estabelecer um quadro de referência (homens e mulheres saudáveis entre 20 e 85 anos de idade) para a avaliação da intensidade da dispneia aos esforços durante o TECP, baseado em percentis derivados da pontuação na escala de Borg (0-10) a taxas de trabalho e ventilação minuto padronizadas.
 
Tradicionalmente, o TECP mede respostas cardiovasculares, respiratórias e metabólicas. Berton et al.(8) destacaram a necessidade de o TECP incluir avaliações adicionais, como medida da pressão arterial pulmonar e avaliação laringoscópica do movimento das pregas vocais, para identificar potenciais origens da dispneia quando houver suspeita de anormalidades hemodinâmicas centrais ou de obstrução laríngea. Nesse contexto, as pesquisas reconhecem cada vez mais a utilidade da avaliação do comando neural inspiratório por meio de eletromiografia diafragmática (EMGdi) com cateter esofágico durante o TECP.(9) De fato, em uma ampla gama de doenças cardiorrespiratórias, a dispneia provavelmente está relacionada ao desequilíbrio entre carga/capacidade dos músculos respiratórios.(10) Os registros de EMGdi durante o exercício estão intimamente relacionados à dispneia em todos os níveis de gravidade de doença e também em indivíduos saudáveis.(11,12) Além disso, avanços tecnológicos na avaliação de EMGdi superaram barreiras técnicas do passado, como a carga do paciente associada à colocação do cateter esofágico.(9) Com relação à complexidade das análises dos dados de EMG, outros avanços permitiram um método semiautomático, levando a uma análise mais eficiente, em termos de tempo, dos sinais de EMGdi.(13) Portanto, a avaliação do comando neural inspiratório através da medição da atividade EMGdi durante o TECP pode oferecer uma visão mecanicista adicional sobre as origens da dispneia em diferentes patologias.
 
A dispneia é um sintoma multidimensional resultante de múltiplos mecanismos (Figura 1). Em pacientes com doenças pulmonares crônicas, evidências recentes mostram que, além de restrições ventilatórias, anormalidades nas trocas gasosas e comprometimento hemodinâmico central, ajustes insuficientes na perfusão dos músculos respiratórios extradiafragmáticos durante o exercício, avaliada por meio de espectroscopia no infravermelho próximo com indocianina verde (NIRS-ICG, do inglês near-infrared spectroscopy with indocyanine green) para a determinação do índice de fluxo sanguíneo (BFI, do inglês blood flow index), estão associados a maior percepção de dispneia.(14,15) Um potencial mecanismo é que a redução local da oxigenação nos músculos respiratórios durante o exercício aumenta a acidose metabólica nos músculos respiratórios e o tráfego aferente sensorial que inerva os músculos respiratórios (fibras do tipo III e IV) para o córtex somatossensorial, aumentando assim a intensidade sensorial da inspiração insatisfatória.(15) Com a principal vantagem de evitar o cateterismo arterial, a NIRS-ICG para a determinação do BFI fornece uma ferramenta confiável e minimamente invasiva que pode ser integrada ao TECP padronizado para a coleta de informações complementares relativas à perfusão dos músculos respiratórios (e dos músculos locomotores) a fim de detectar essa potencial origem da dispneia ou confirmar sua ausência em diversas populações clínicas.(16)
 
Identificar as etiologias da dispneia crônica inexplicada é, sem dúvida, um processo desafiador. O uso do TECP e a tradução dos avanços descritos acima para os contextos clínicos é um passo lógico adiante para facilitar a determinação das causas da dispneia crônica inexplicada, e a abordagem pode ser adaptada à fisiologia única de cada paciente. Mais importante ainda, o detalhamento dos principais mecanismos fisiológicos pode facilitar a escolha das intervenções terapêuticas adequadas.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES

ZL: concepção. ZL, DL e RG: redação, revisão e aprovação da versão final do manuscrito.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Parshall MB, Schwartzstein RM, Adams L, Banzett RB, Manning HL, Bourbeau J, et al. An official American Thoracic Society statement: update on the mechanisms, assessment, and management of dyspnea. Am J Respir Crit Care Med. 2012;185(4):435-452. https://doi.org/10.1164/rccm.201111-2042ST

  2. Hutchinson A, Barclay-Klingle N, Galvin K, Johnson MJ. Living with breathlessness: a systematic literature review and qualitative synthesis. Eur Respir J. 2018;51(2):1701477. https://doi.org/10.1183/13993003.01477-2017

  3. Ambrosino N, Fracchia C. Strategies to relieve dyspnoea in patients with advanced chronic respiratory diseases. A narrative review. Authors’ reply. Pulmonology. 2019;25(6):356-357. https://doi.org/10.1016/j.pulmoe.2019.08.002

  4. Johnson MJ, Yorke J, Hansen-Flaschen J, Lansing R, Ekström M, Similowski T, et al. Towards an expert consensus to delineate a clinical syndrome of chronic breathlessness. Eur Respir J. 2017;49(5):1602277. https://doi.org/10.1183/13993003.02277-2016

  5. Karnani NG, Reisfield GM, Wilson GR. Evaluation of chronic dyspnea. Am Fam Physician. 2005;71(8):1529-1537.

  6. Pratter MR, Abouzgheib W, Akers S, Kass J, Bartter T. An algorithmic approach to chronic dyspnea. Respir Med. 2011;105(7):1014-1021. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2010.12.009

  7. Neder JA, Berton DC, Nery LE, Tan WC, Bourbeau J, O’Donnell DE, et al. A frame of reference for assessing the intensity of exertional dyspnoea during incremental cycle ergometry. Eur Respir J. 2020;56(4):2000191. https://doi.org/10.1183/13993003.00191-2020

  8. Berton DC, Mendes NBS, Olivo-Neto P, Benedetto IG, Gazzana MB. Pulmonology approach in the investigation of chronic unexplained dyspnea. J Bras Pneumol. 2021;47(1)20200406.

  9. Domnik NJ, Walsted ES, Langer D. Clinical Utility of Measuring Inspiratory Neural Drive During Cardiopulmonary Exercise Testing (CPET). Front Med (Lausanne). 2020;7:483. https://doi.org/10.3389/fmed.2020.00483

  10. O’Donnell DE, Milne KM, James MD, de Torres JP, Neder JA. Dyspnea in COPD: New Mechanistic Insights and Management Implications. Adv Ther. 2020;37(1):41-60. https://doi.org/10.1007/s12325-019-01128-9

  11. Wu W, Guan L, Li X, Lin L, Guo B, Yang Y, et al. Correlation and compatibility between surface respiratory electromyography and transesophageal diaphragmatic electromyography measurements during treadmill exercise in stable patients with COPD. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2017;12:3273-3280. https://doi.org/10.2147/COPD.S148980

  12. Langer D, Ciavaglia C, Faisal A, Webb KA, Neder JA, Gosselink R, et al. Inspiratory muscle training reduces diaphragm activation and dyspnea during exercise in COPD. J Appl Physiol (1985). 2018;125(2):381-392. https://doi.org/10.1152/japplphysiol.01078.2017

  13. Dacha S, Janssens L, Rodrigues A, Louvaris Z, Janssens L, Gosselink R, et al. Comparison Between Manual and (Semi-)Automated Analyses of Esophageal Diaphragm Electromyography During Endurance Cycling in Patients With COPD. Front Physiol. 2019;10:885. https://doi.org/10.3389/fphys.2019.00885

  14. Louvaris Z, Vogiatzis I, Habazettl H, Wagner H, Wagner PD, Zakynthinos S. Improvement in respiratory muscle O2 delivery is associated with less dyspnoea during exercise in COPD. Clin Respir J. 2018;12(3):1308-1310. https://doi.org/10.1111/crj.12663

  15. Louvaris Z, Rodrigues A, Dacha S, Gojevic T, Janssens W, Vogiatzis I, et al. High-intensity exercise impairs extradiaphragmatic respiratory muscle perfusion in patients with COPD [published online ahead of print, 2020 Oct 29]. J Appl Physiol (1985). 2020;10.1152/japplphysiol.00659.2020. https://doi.org/10.1152/japplphysiol.00659.2020

  16. Louvaris Z, Habazettl H, Wagner H, Zakynthinos S, Wagner P, Vogiatzis I. Near-infrared spectroscopy using indocyanine green dye for minimally invasive measurement of respiratory and leg muscle blood flow in patients with COPD. J Appl Physiol (1985). 2018;125(3):947-959. https://doi.org/10.1152/japplphysiol.00959.2017



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