Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
22493
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Precisão e acurácia da cirtometria em adultos saudáveis

Reliability and accuracy of cirtometry in healthy adults

Valéria da Silva Caldeira, Célia Cristina Duarte Starling, Raquel Rodrigues Britto, Jocimar Avelar Martins, Rosana Ferreira Sampaio, Verônica Franco Parreira

ABSTRACT

Objective: To determine the intrarater and interrater reliability of cirtometry (measurements of the circumference of the chest and abdomen taken during respiratory movements) as well as its correlation with pulmonary volumes measured by respiratory inductive plethysmography. Methods: A total of 40 healthy individuals were evaluated. The mean age was 28 years. The measurements were taken in the supine position at three different time points: at rest, at maximal inspiration, and at maximal expiration. Two trained investigators, each of whom was blinded as to the results obtained by the other, performed the measurements. The Friedman test was used to determine intrarater reliability, and the Wilcoxon test, together with the intraclass correlation coefficient, were used to determine interrater reliability. The correlation between the cirtometry measurements and the plethysmography results was obtained using Spearman's correlation coefficient. The level of significance was set at 0.05 for all tests. Results: Intrarater reliability was satisfactory. Regarding interrater reliability, statistically significant differences (2.8 cm at the most) were found in all sets of measurements. However, through the analysis of the intraclass correlation coefficient, the investigators were found to be responsible only for a small portion of the variability (1.2-5.08%) found among the measurements. When the cirtometry measurements were compared to the volumes measured by respiratory inductive plethysmography, low correlations (range, r = 0.170-0.343) were found. Conclusions: The findings of this study suggest that, although cirtometry is a reliable measurement, it does not accurately measure pulmonary volumes.

Keywords: Reproducibility of results; Lung volume measurements; Plethysmography; Statistics, nonparametric.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a confiabilidade intra-examinador e inter-examinadores da cirtometria (conjunto de medidas das circunferências de tórax e abdômen durante os movimentos respiratórios) e sua correlação com volumes pulmonares medidos por meio da pletismografia respiratória por indutância. Métodos: Quarenta indivíduos saudáveis, com média de idade de 28 anos, foram avaliados. As medidas foram realizadas em decúbito dorsal em três momentos: em repouso, em inspiração máxima e em expiração máxima. Dois examinadores treinados, os quais foram cegados, realizaram as medidas. Utilizou-se o teste de Friedman para avaliar a confiabilidade intra-examinador e foram utilizados o teste de Wilcoxon e o coeficiente de correlação intraclasse para avaliar a confiabilidade inter-examinadores. A correlação entre os resultados da cirtometria e da pletismografia foi obtida por meio do coeficiente de correlação de Spearman. Para todos os testes, considerou-se um nível de significância estatística de 0,05. Resultados: Os resultados mostraram confiabilidade intra-examinador adequada. Em relação à confiabilidade inter-examinadores, foram observadas diferenças estatisticamente significativas (de no máximo 2,8 cm) em todas os conjuntos de medidas.No entanto, por meio da análise do coeficiente de correlação intraclasse, observou-se que os examinadores foram responsáveis apenas por pequena parte da variabilidade (1,2-5,08%) observada entre as medidas. Quando as medidas da cirtometria foram comparadas aos volumes pulmonares medidos por meio da pletismografia respiratória por indutância, encontraram-se correlações de baixa magnitude (variação de r = 0,170-0,343). Conclusões: Os resultados deste estudo sugerem que a cirtometria constitui uma medida precisa, mas não acurada, para aferir volumes pulmonares.

Palavras-chave: Reprodutibilidade dos testes; Medidas de volume pulmonar; Pletismografia; Estatísticas não paramétricas.

Introdução

Nas últimas décadas, a fisioterapia tem buscado fundamentação científica para nortear a prática clínica e subsidiar a escolha das intervenções.(1) O primeiro passo é desenvolver uma avaliação clínica, por meio de testes e medidas de qualidade, que possibilite a identificação do problema, o planejamento do tratamento, a documentação de sua eficácia e a reivindicação da credibilidade científica dos procedimentos. Neste sentido, faz-se necessário adotar medidas precisas e acuradas, melhorando o conteúdo informativo e a validade das inferências.(2,3)

Os termos precisão, reprodutibilidade e confiabilidade são sinônimos e indicam a extensão em que as medidas de um fenômeno estável - repetidas por pessoas e instrumentos diferentes em momentos e lugares diferentes - produzem resultados com escores semelhantes e consistentes.(4,5)

Acurácia ou validade é o grau em que a medida representa o fenômeno de interesse, sendo objetivamente mais bem avaliada a partir da comparação com outra medida considerada padrão-ouro.(2,5)

A cirtometria, ou perimetria toracoabdominal, consiste em um conjunto de medidas das circunferências de tórax e abdômen durante os movimentos respiratórios.(6) Sua finalidade é avaliar a expansibilidade torácica de forma simples e acessível e, para tal, apenas uma fita métrica é necessária. Mais recentemente, atribui-se grande aplicabilidade à cirtometria, a qual vem sendo referenciada como parâmetro de mensuração da 'expansibilidade pulmonar',(7,8) além de ser utilizada com o objetivo de avaliar outros parâmetros como 'amplitude torácica',(6,9) 'volumes e capacidades pulmonares',(7,10,11) 'complacência pulmonar',(8) 'mecânica toracoabdominal',(7,12) 'função diafragmática',(11) 'trabalho muscular'(7) e 'dispnéia'.(10) Encontraram-se, na literatura, uma série de propriedades atribuídas à cirtometria, porém sem comprovação científica, diversos protocolos que adotaram diferentes posturas e pontos anatômicos de referência, além de fórmulas e equações calculadas com base na cirtometria.(6-8,10,11)

Em 1999, alguns autores(10) estudaram o efeito de um programa de alongamento da musculatura do tórax na mobilidade torácica, função pulmonar e dispnéia em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. As medidas foram realizadas

com uma fita métrica ao redor do tórax, em nível axilar e xifóide, em inspiração e expiração máximas, com os braços do sujeito pendentes. Recentemente, outros autores(7) avaliaram a amplitude torácica de adultos saudáveis e de pacientes com doença de Parkinson usando uma trena ao redor do tórax. Os dados foram registrados como perimetria total, inspiratória e expiratória.

Como não foram identificadas evidências científicas que qualifiquem a cirtometria como medida precisa e acurada, capaz de sustentar as inferências relatadas, o objetivo deste estudo foi avaliar a confiabilidade intra-examinador da cirtometria por meio de medidas repetidas, a confiabilidade inter-examinadores da cirtometria por meio de medidas de dois examinadores diferentes e a validade concorrente da cirtometria para medir volumes pulmonares por meio de correlação com a pletismografia respiratória por indutância.

Métodos

A amostra do estudo foi composta por indivíduos que foram selecionados na comunidade após divulgação oral da pesquisa, divulgação por meio de cartazes explicativos e indicação de outros voluntários. Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: ser voluntário, independentemente do sexo; ter idade entre 21 e 50 anos; ter índice de massa corporal (IMC) dentro dos valores de referência para a idade(13); ser não-fumante e não ter sinais ou sintomas de doença pulmonar. Os sujeitos apresentaram valores espirométricos dentro dos parâmetros da normalidade, em espirometria realizada de acordo com as normas da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia(14) (Vitalograph 2120, Buckinghan, Inglaterra). Foram considerados critérios de exclusão: ser incapaz de realizar as medidas propostas, ser portador de doença osteoarticular ou neuromuscular que influencie a mecânica respiratória e apresentar alterações na espirometria.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e todos os sujeitos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Após estudo piloto com 24 sujeitos, calculou-se uma amostra de 31 indivíduos, considerando um poder de teste de 0,95 e um nível de significância de 0,01. O cálculo foi realizado tendo como referência uma correlação clínica de 0,80.

A pletismografia respiratória por indutância, que, neste texto, será chamada apenas de pletismografia, é um instrumento utilizado para monitorar os componentes de volume e tempo do padrão respiratório e a configuração toracoabdominal. Baseia-se nas alterações da área de secção transversa que ocorrem nos compartimentos da caixa torácica e abdômen.(15-17) O método é minimamente invasivo, não requer bocal nem clipe nasal (exceto para calibração), não havendo, portanto, necessidade de conexão direta com a via aérea. Neste estudo, o método foi utilizado como padrão-ouro e a variável mensurada foi o volume corrente em repouso e em inspiração máxima. A acurácia da pletismografia para fornecer valores de volume corrente é satisfatória e depende de uma calibração inicial adequada(18,19) e manutenção da mesma posição corporal.(17,20) Utilizou-se o mesmo equipamento (Respitrace. 204, NIMS, Miami, Flórida, EUA), o qual foi calibrado pelo método qualitative diagnostic calibration, em todos os sujeitos.(20) Uma descrição detalhada deste procedimento foi publicada recentemente.(21)

Para a realização da cirtometria, foram utilizadas três fitas métricas comuns, adaptadas com uma alça confeccionada com cadarço de algodão para servir como guia nos deslizamentos das fitas durante os movimentos respiratórios e facilitar a leitura. Os registros foram feitos em centímetros.

No início da coleta, um oxímetro de pulso (J.G. Morya Indústria Ltda, São Paulo, Brasil) foi utilizado para medir a saturação periférica de oxigênio para a caracterização da amostra.

Devido à diversidade de procedimentos encontrados na literatura para a realização da cirtometria, protocolou-se um procedimento para este estudo. Os sujeitos foram agendados para a realização da espirometria, informados e instruídos quanto aos procedimentos e submetidos à avaliação clínica, a qual constou de investigação sobre dados pessoais, história pregressa e hábito de tabagismo. Todos os sujeitos foram pesados e medidos, descalços e vestidos, e calculou-se o IMC. O protocolo foi realizado após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Considerou-se três pontos anatômicos de referência - prega axilar, apêndice xifóide e linha umbilical - os quais foram marcados com caneta esferográfica na superfície corporal do indivíduo. As três fitas métricas foram posicionadas nos referidos locais, abaixo da marca da pele na axila e acima das outras duas marcas, para a realização da cirtometria.

As faixas elásticas do pletismógrafo foram posicionadas na axila e região do umbigo e conectadas ao equipamento por meio de cabos. As faixas e fitas métricas foram posicionadas de forma que não causassem dobras nem distorções de medidas.

Para dar início às medidas, o sujeito foi posicionado em decúbito dorsal com 0° de inclinação dorsal usando dois travesseiros de apoio, um para a cabeça e outro para os joelhos. A medida da saturação periférica de oxigênio foi realizada e procedeu-se à calibração da pletismografia.

As medidas de cirtometria foram realizadas em três momentos: em repouso; após uma inspiração profunda, lenta e máxima até a capacidade pulmonar total; e após uma expiração máxima, lenta, até o volume residual. O examinador solicitava ao sujeito a realização da inspiração e da expiração máximas após haver comunicado a medida de repouso ao operador do computador, o qual realizava as anotações e identificava as medidas pela hora na folha de registro, possibilitando a análise posterior de forma concomitante com o traçado do pletismógrafo. Para cada ponto anatômico de referência, foram realizadas três medidas, nos três momentos diferentes, com intervalos de um minuto entre elas. O operador do computador avisava, após cada minuto e de acordo com a estabilidade do traçado registrado e visualizado por ele, se a próxima medida podia ser realizada. A ordem das referências anatômicas a serem medidas foi randomizada, mediante sorteio, em cada momento de medida.

Cada examinador realizou um total de 27 cirtometrias por sujeito. Após as medidas do examinador 1, o examinador 2 realizou o mesmo procedimento, com ordem novamente aleatória. Os examinadores foram previamente treinados para a coleta e cegados, um não estando presente nem tomando conhecimento das medidas coletadas pelo outro.

A análise estatística dos dados baseou-se em medidas de tendência central e de variabilidade (média e desvio padrão). Como a variável não apresentou distribuição normal, utilizaram-se testes não paramétricos. Para avaliar a confiabilidade intraexaminador, utilizou-se o teste de Friedman.(22) Para avaliar a confiabilidade inter-examinadores, foram utilizados o teste de Wilcoxon(22,23) e o coeficiente de correlação intraclasse,(24,25) o qual quantifica o percentual da variabilidade dos dados que é atribuído a uma diferença entre os examinadores. A diferença entre as medidas pode ser atribuída a uma diferença entre os sujeitos avaliados, mas também à diferença entre as medidas realizadas por examinadores distintos. O escore desse coeficiente varia de 0 a 100%, sendo que, quanto mais próximo do zero, melhor. Por exemplo, uma correlação intraclasse igual a 3% para as medidas de determinada região indica que apenas 3% da variabilidade existente entre essas medidas é explicada pela diferença entre os examinadores. Ou seja, os examinadores exercem uma influência muito pequena no resultado final.

A correlação entre os resultados da cirtometria e da pletismografia foi obtida por meio do coeficiente de correlação de Spearman.(22,26) Em todos os testes estatísticos utilizados, considerou-se um a de 0,05. As análises foram realizadas usando o software Statistical Package for the Social Sciences, versão 8.0, e o software Hierarchical Linear Models, versão 5.0.

Resultados

Inicialmente foram avaliados 58 sujeitos. Destes, 18 foram excluídos: dois por apresentarem IMC acima dos valores de referência; oito, por alterações espirométricas; e oito, por perdas.

Os dados apresentados são relativos a 40 indivíduos e foram expressos em média e desvio padrão. A média de idade foi de 28 ± 7 anos, com variação de 21 a 50 anos, sendo 31 sujeitos do sexo feminino (77,5%) e 9, do masculino. O IMC médio do grupo foi de 21 ± 2 kg/m2. Em relação aos dados espirométricos, foram observadas as seguintes médias percentuais em relação aos valores previstos para a população brasileira: volume expiratório forçado no primeiro segundo VEF1 = 99 ± 8,45%; capacidade vital forçada = 98 ± 8,61% e fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% da capacidade vital forçada = 92 ± 23,53%. A relação volume expiratório forçado no primeiro segundo/capacidade vital forçada foi de 87,41 ± 5,87. Estes resultados caracterizam os sujeitos como normais.(14) A saturação periférica da hemoglobina em oxigênio variou de 96 a 99% e a freqüência cardíaca média foi de 71 ± 10 batimentos por minuto, estando ambos os resultados dentro da faixa de normalidade.(27)

Os dados relativos ao repouso representam a média dos três ciclos respiratórios imediatamente anteriores à inspiração máxima. Foram analisados 2.160 ciclos respiratórios em repouso, num total de 720 medidas, visto que cada três ciclos foram transformados em uma única medida (média), e 720 ciclos respiratórios em inspiração máxima. A Tabela 1 mostra os resultados relativos à confiabilidade intra-examinador. Em relação ao examinador 1, foi encontrada diferença significativa entre as três medidas realizadas na região axilar (em inspiração máxima) e entre as três medidas realizadas nas regiões xifóide e umbilical (em repouso), não havendo diferença entre as três medidas realizadas nas demais situações. Em relação ao examinador 2, foram detectadas diferenças significativas entre as três medidas realizadas na região axilar (em repouso e em expiração máxima) e entre as três medidas realizadas na região xifóide (em expiração máxima), não havendo diferença entre as três medidas realizadas nas outras situações. Para ambos os examinadores, observou-se que, onde ocorreu diferença significativa, a diferença média máxima foi sempre inferior a 0,5 cm.






A Tabela 2 mostra os resultados relativos à confiabilidade inter-examinadores. Detectou-se uma diferença significativa entre as medidas dos dois examinadores em todas as regiões e em todos os momentos testados. As diferenças entre as médias das medidas variaram de 0,75 cm (inspiração máxima da região umbilical) a 2,8 cm (expiração máxima da região axilar). Entretanto, por meio do coeficiente de correlação intraclasse, foi observado que os examinadores foram responsáveis apenas por pequena parte da variabilidade (1,20-5,08%) observada entre as medidas.





Para a avaliação da validade concorrente, ou seja, a correlação entre a cirtometria e a pletismografia, somente as medidas realizadas em repouso e em inspiração máxima foram utilizadas, haja vista que a pletismografia não fornece dados de volume pulmonar em expiração máxima.

Cada indivíduo foi avaliado seis vezes: três vezes pelo examinador 1 e três vezes pelo examinador 2. Como a amostra foi composta por 40 indivíduos, foram gerados 240 conjuntos de medidas. Após constatar-se que não existiu diferença clinicamente importante em relação às três medidas feitas por um mesmo examinador (Tabela 1) e que apenas uma pequena porcentagem das diferenças encontradas nas medidas foi relacionada aos examinadores (Tabela 2), as seis medidas realizadas em cada indivíduo foram sintetizadas em apenas uma por meio da média amostral.

A Tabela 3 apresenta as correlações entre a cirtometria e a pletismografia baseadas nessas médias. Todas as correlações encontradas foram de baixa magnitude (variação de r = 0,170-0,343), sendo que as correlações dos resultados referentes à região xifóide em repouso e à região umbilical em inspiração máxima apresentaram-se significativas.





Discussão

A avaliação da expansibilidade torácica vem sendo citada na literatura como medida qualitativa e subjetiva que o examinador realiza espalmando suas mãos no tórax do paciente durante os movimentos respiratórios. Tal medida constitui parte integrante do exame físico do tórax e permite avaliar a mobilidade torácica, detectando, principalmente, assimetrias entre os dois hemitórax.(28) Na prática clínica, tal medida é também utilizada como parâmetro que proporciona uma noção de volumes pulmonares e, quando associada à ausculta pulmonar, direciona o uso de técnicas e recursos fisioterapêuticos. É importante enfatizar a característica qualitativa da medida, não sendo, portanto, necessariamente adequada para aferir volumes pulmonares. Os principais resultados deste estudo foram: foi observada confiabilidade intra-examinador e inter-examinadores, caracterizando a cirtometria como uma medida precisa, e não foi observada acurácia da cirtometria para aferir volumes pulmonares.

Na análise da confiabilidade intra-examinador, para minimizar a possibilidade de um viés provocado pela lembrança do primeiro escore por parte do examinador, as medidas foram anotadas por uma terceira pessoa, a ordem foi sorteada para que a chance de medidas seguidas num mesmo ponto fosse menor e o intervalo entre as medidas foi utilizado pelo examinador para realizar o próximo sorteio, o que minimizava a memorização da medida anterior. Convém ressaltar que os dois examinadores relataram, a posteriori, que não se lembraram dos valores medidos.

Para que as medidas sejam consideradas precisas, faz-se necessário que não exista diferença significativa entre elas. Neste estudo, os resultados mostraram algumas diferenças estatisticamente significativas, o que não implica, necessariamente, em importância clínica.(23) As diferenças encontradas não atingiram 0,5 cm. Em se tratando de medida de expansão de tórax e abdômen, os 0,5 cm de variação da cirtometria não podem ser considerados clinicamente importantes. Desta forma, considera-se a medida reprodutível.

Na análise da confiabilidade inter-examinadores, apesar de terem sido observadas diferenças significativas entre as médias das medidas obtidas pelos dois observadores, estas não foram superiores a 2,8 cm. Após a análise do coeficiente de correlação intraclasse,(24,25) o qual quantifica o percentual da variabilidade dos dados que é atribuído a uma diferença entre os examinadores, observou-se que estes influenciam pouco o resultado final, mostrando-se responsáveis apenas por uma pequena parte da variabilidade (de no máximo 5%) observada entre as medidas. Desta forma, pode-se considerar que a medida apresentou reprodutibilidade inter-examinadores e que a variabilidade observada deve-se às diferenças entre os sujeitos.

Na validade concorrente, mede-se o grau no qual a medida se correlaciona com um critério simultâneo, geralmente o padrão-ouro. O instrumento, uma vez considerado acurado, serve de parâmetro para analisar a acurácia de um novo instrumento.(2,5) A pletismografia foi utilizada por constituir um padrão de referência para medidas de volume pulmonar. Considerou-se a similaridade dos métodos já que a pletismografia utiliza faixas e a cirtometria utiliza fitas métricas ao redor do tórax e abdômen. Além disso, nenhum dos métodos é invasivo ou utiliza bocal ou clipe nasal, o que torna a comparação mais livre de erros.

As correlações encontradas mostraram-se de baixa magnitude,(26) (máxima r = 0,343), o que caracterizou a cirtometria como um método não acurado para medir volumes pulmonares em adultos saudáveis. Nos estudos da área de saúde, somente correlações acima de r = 0,8 têm importância clínica.(26)

Pode-se especular se este resultado estaria relacionado a um número amostral insuficiente, porém, o número de sujeitos estudados foi 29% maior que o estabelecido pelo cálculo amostral, o qual garantiria detectar correlação significativa pelos testes estatísticos.

Neste estudo, o decúbito dorsal foi adotado, entre outros fatores, pela facilidade de manuseio dos instrumentos. Tal postura permitiu o posicionamento e o uso das fitas métricas de forma alternada e sem a necessidade de mobilizar o sujeito durante a coleta, diminuindo assim, o uso de artefatos técnicos no traçado da pletismografia. A postura adotada foi a mesma para os dois métodos e estes foram realizados de forma simultânea, o que exclui uma possível influência da postura nos resultados.

Tomaram-se, então, os devidos cuidados na tentativa de minimizar os erros de medição que pudessem comprometer os resultados: as medidas foram realizadas após a calibração do sinal, com o sujeito em decúbito dorsal, sendo a posição mantida durante toda a coleta, garantido assim a acurácia da medida(17); os sujeitos foram orientados quanto ao procedimento; os examinadores foram previamente treinados; a ordem das cirtometrias foi aleatorizada imediatamente antes da realização das mesmas; um examinador não presenciou as medidas do outro e os valores medidos foram anotados pelo operador do computador.

A amostra, composta por voluntários, não apresentou número equivalente de sujeitos em relação ao sexo. Houve predominância do sexo feminino (77,5%). Como o objetivo do estudo foi avaliar medidas relacionadas ao padrão respiratório por meio de dois métodos não invasivos, este fato não se caracterizou como um viés, não comprometendo, assim, a validade interna do estudo. Uma pesquisadora brasileira(29) estudou o padrão respiratório e a configuração toracoabdominal em indivíduos normais durante a respiração tranqüila e observou que homens e mulheres mantêm o mesmo comportamento de padrão respiratório e de configuração toracoabdominal nas posições dorsal e sentada. Alguns autores(30) avaliaram, por meio de pletismografia, o padrão respiratório de 120 sujeitos saudáveis e não observaram diferença significativa em relação ao sexo que interferisse no padrão respiratório em repouso.

Por outro lado, no presente estudo, as análises correlacionais das medidas foram calculadas individualmente para cada um dos sujeitos quando se avaliou a confiabilidade intra-examinador e interexaminadores. A análise da correlação entre a cirtometria e a pletismografia foi feita por meio da comparação entre as medidas obtidas pelo primeiro instrumento e as medidas obtidas pelo segundo instrumento, mas sempre em relação ao mesmo sujeito. O sexo do sujeito, como qualquer outra característica individual nesse caso, não interferiria nos resultados.

Os resultados deste estudo sobre as propriedades psicométricas da cirtometria demonstraram que são adequadas a confiabilidade intra-examinador, analisada por meio de medidas repetidas, e a confiabilidade inter-examinadores, analisada por meio de medidas realizadas por dois examinadores treinados e cegados. Porém, não se observou validade concorrente entre a cirtometria e a pletismografia, o que demonstra que a cirtometria não é acurada para medir volumes pulmonares, apesar de ter se mostrado uma medida precisa, e sugere que a mesma não seja utilizada com tal objetivo na prática clínica ou na pesquisa científica.

Agradecimentos

Este estudo foi realizado com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil. Gostaríamos de externar nossos sinceros agradecimentos a Daniela Silveira, Juliana Rodrigues e Letícia Dias, bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do CNPq, pela colaboração neste estudo.

Referências

1. Fonseca ST. Informação versus conhecimento: O papel da pós-graduação [editorial]. Rev Bras Fisiot. 2004;8(1).

2. Hulley SB, Martin JN, Cummings SR. Planejando medições: precisão e acurácia. In: Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady D, Hearst N, Newman TB, editors. Delineando a pesquisa clínica: uma abordagem epidemiológica. Porto Alegre: Artmed; 2003. p. 55-68. 2nd

3. Nunnally JC. Psychometric theory. ed. New York: McGraw-Hill; 1978.

4. Johnston MV, Keith RA, Hinderer SR. Measurement standards for interdisciplinary medical rehabilitation. Arch Phys Med Rehabil. 1992;73(12-S):S1-S23.

5. Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Anormalidade. In: Fletcher RH, Fletcher SW, editors. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. Porto Alegre: Artmed; 1996. p. 29-51.

6. Carvalho MRA. Avaliação morfodinâmica do tórax e do abdomen. In: Carvalho MRA, editor. Fisioterapia respiratória: fundamentos e contribuições. Rio de Janeiro: Nova Casuística; 1979. p. 65-68.

7. Cardoso SRX, Pereira JS. Análise da função respiratória na doença de Parkinson. Arq Neuropsiquiatr. 2002;60(1):91-5.

8. Maciel SS, Paulo MQ, Souza CO, Silva LG, Tavares RR. Efeito broncodilatador do Acanthospermum hispidum DC, nos doentes pulmonares obstrutivos crônicos (DPOC). Rev Bras Cienc Saúde. 1997;1(1/3):23-30.

9. Anderson JM. Assessment of chest function by the physiotherapist. In: Cash JE, Downie PA, editors. Cash's Textbook of chest, heart, and vascular disorders for physiotherapists. Philadelphia: Lippincott; 1987. p. 318-24.

10. Kakizaki F, Shibuya M, Yamazaki T, Yamada M, Suzuki H, Homma I. Preliminary report on the effects of respiratory muscle stretch gymnastics on chest wall mobility in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Respir Care. 1999;44(4):409-14.

11. Chiavegato LD, Jardim JR, Faresin SM, Juliano Y. Alterações funcionais respiratórias na colecistectomia por via laparoscópica. J Pneumol. 2000;26(2):69-76.

12. Garcia RCP, Costa D. Treinamento muscular respiratório em pós-operatório de cirurgia cardíaca eletiva. Rev Bras Fisiot. 2002;6(3):139-46.

13. Baiocchi KM. Obesidade. In: Cuppari L, editor. Nutrição clínica de adultos. São Paulo: Manole; 2002. p. 131-50.

14. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol. 2002;28 (Supl 3):S1-S241.

15. Tobin MJ, Chadha TS, Jenouri G, Birch SJ, Gazeroglu HB, Sackner MA. Breathing patterns. 1. Normal subjects. Chest. 1983;84(2):202-5.

16. Caretti DM, Pullen PV, Premo LA, Kuhlmann WD. Reliability of respiratory inductive plethysmography for measuring tidal volume during exercise. Am Ind Hyg Assoc J. 1994;55(10):918-23.

17. Chadha TS, Watson H, Birch S, Jenouri GA, Schneider AW, Cohn MA, et al. Validation of respiratory inductive plethysmography using different calibration procedures. Am Rev Respir Dis. 1982;125(6):644-9.

18. Leino K, Nunes S, Valta P, Takala J. Validation of a new respiratory inductive plethysmograph. Acta Anaesthesiol Scand. 2001;45(1):104-11.

19. Tobin MJ, Mador MJ, Guenther SM, Lodato RF, Sackner MA.Variability of resting respiratory drive and timing in healthy subjects. J Appl Physiol. 1988;65(1):309-17.

20. Sackner MA, Watson H, Belsito AS, Feinerman D, Suarez M, Gonzalez G, et al. Calibration of respiratory inductive plethysmograph during natural breathing. J Appl Physiol. 1989;66(1):410-20.

21. Parreira VF, Tomich GM, Britto RR, Sampaio RF. Assessment of tidal volume and thoracoabdominal motion using volume and flow-oriented incentive spirometers in healthy subjects. Braz J Med Biol Res. 2005;38(7):1105-12.

22. Johnson RA, Bhattacharyya GK. Statistics: principles and methods. 4th ed. New York: John Wiley & Sons; 2001.

23. Soares JF, Siqueira AL. Introdução à estatística médica. 2nd ed. Belo Horizonte: Coopmed, 2002.

24. Laird NM, Ware JH. Random-effects models for longitudinal data. Biometrics. 1982;38(4):963-74.

25. Carrasco J, Jover J. The concordance correlation coefficient estimated through variance components. IX Conferencia Española de Biometría; 2003 May 28-30; La Coruña, Spain.

26. Portney LG. Correlation. In: Portney LG, Watkins MP, editors. Foundations of clinical research: applications to practice. 2nd ed. New Jersey: Prentice Hall; 2000. p. 491-508.

27. Zin WA, Rocco PRM. Transporte de gases no organismo. In: Aires MM, editor. Fisiologia. São Paulo: Guanabara Koogan; 1998. p. 532-9.

28. Cavalheiro LV, Chiavegato LD. Avaliação pré-operatória do paciente cardiopata. In: Regenga MM, editor. Fisioterapia em cardiologia -da UTI à reabilitação. São Paulo: Roca, 2000. p. 21-30.

29. Feltrim MIZ. Estudo do padrão respiratório e da configuração tóraco-abdominal em indivíduos normais, nas posições sentada, dorsal e laterais, com o uso de pletismografia respiratória por indutância [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 1994.

30. Verschakelen JA, Demedts MG. Normal thoracoabdominal motions. Influence of sex, age, posture, and breath size. Am J Respir Crit Care Med. 1995;151(2 Pt 1):399-405. J Bras Pneumol. 2007;33(5):519-526
______________________________________________________________________________________________
* Trabalho realizado no Laboratório de Avaliação e Pesquisa em Desempenho Cardiorrespiratório - Departamento de Fisioterapia da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil.
1. Mestre em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG) Brasil.
2. Especialista em Fisioterapia Cardiorrespiratória pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
3. Doutora em Ciências Fisiológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG) Brasil.
4. Doutora pela Universidade Autônoma de Barcelona, Barcelona, Espanha.
5. Doutora em Fisioterapia e Reabilitação pela Universidade Católica de Louvain, Louvain-la-Neuve, Bélgica.
Endereço para correspondência: Verônica Franco Parreira. Departamento de Fisioterapia, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Avenida Antônio Carlos, 6627, Bairro Pampulha, CEP 31270-901, Belo Horizonte, MG, Brasil. Tel/Fax 55 31 3499-4783. E-mail: parreira@ufmg.br/veronica.parreira@pesquisador.cnpq.br
Recebido para publicação em 15/3/2006. Aprovado, após revisão, em 24/1/2007.


Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia