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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Efeito da atividade física muito vigorosa sobre a modulação autonômica cardíaca em fumantes e não fumantes: estudo epidemiológico

Effect of very vigorous physical activity on cardiac autonomic modulation in smokers and nonsmokers: an epidemiological study

Diego G D Christofaro1a, William R Tebar1a, Bruna T C Saraiva1a, Gabriela C R Silva1a, Luiz Carlos M Vanderlei1a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200479

Ao Editor
 
A modulação autonômica cardíaca (MAC) é um importante componente da saúde cardiovascular,(1) e sua redução foi associada a aumento do risco de morte.(2) O tabagismo foi associado a menor MAC, pois a nicotina tem um efeito negativo sobre o controle vagal cardíaco e, consequentemente, sobre a modulação parassimpática. (3) Já a prática de atividade física (AF) é um importante hábito de estilo de vida que foi positivamente associado a MAC elevada, pois a AF aumenta a atividade vagal. (4) No entanto, não está claro na literatura se diferentes intensidades de AF poderiam eliminar ou, pelo menos, amenizar a relação entre tabagismo e redução da MAC. Nossa hipótese foi a de que a AF muito vigorosa poderia amenizar os efeitos do tabagismo sobre a MAC.
 
Este estudo transversal foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, localizada na cidade de Presidente Prudente (CAAE n. 72191717.9.0000.5402). O tamanho amostral foi calculado com o objetivo de se atingir um coeficiente de correlação r de 0,24 entre AF vigorosa e variabilidade da frequência cardíaca (VFC) em uma população adulta,(5) um poder de 80% e um erro alfa de 5%. A fim de minimizar múltiplos vieses de comparação e incluir ajuste para sexo e idade na análise, foram incluídos 20 participantes a mais para cada covariável, resultando em um tamanho amostral mínimo de 207 sujeitos. A amostra foi composta por moradores da cidade de Santo Anastácio, localizada na Região Sudeste do Brasil. Como o processo de amostragem aleatória foi baseado em domicílios e considerou-se a proporcionalidade dos moradores dos 23 setores censitários urbanos de Santo Anastácio, foram avaliados todos os moradores elegíveis em cada domicílio selecionado. O protocolo detalhado do estudo está disponível na literatura.(6) Se mais de uma pessoa em uma residência selecionada aleatoriamente fosse elegível para participar do estudo, ele/ela também era incluído/a no estudo; portanto, a amostra final foi de 258 adultos (idade ≥ 18 anos), dos quais 150 eram mulheres. Os indivíduos que faziam uso de algum tipo de medicamento para controle da FC ou relataram alguma condição fisiopatológica ou crônica foram excluídos do estudo.
 
Os participantes foram instruídos a não consumir estimulantes ou bebidas alcoólicas e evitar exercícios físicos nas 12 h anteriores à avaliação da VFC.(7) Os índices de VFC foram utilizados para avaliar a MAC. Para isso, foi realizado o registro batimento a batimento da FC em repouso por meio de um monitor de FC (Polar V800; Polar Electro OY, Kempele, Finlândia) durante 30 min, com os participantes descansando em decúbito dorsal e respirando espontaneamente. Para a análise da MAC, foram selecionados 1.000 intervalos RR (tempo entre duas ondas R), e foram obtidos os índices de VFC dos domínios do tempo — root mean square of successive differences (RMSSD, raiz quadrada média de diferenças sucessivas) e standard deviation of all normal-to-normal RR intervals (SDNN, desvio-padrão de todos os intervalos RR normal para normal) — e da frequência — baixa frequência: −0,04 Hz a 0,15 Hz; e alta frequência: −0,15 Hz a 0,4 Hz em unidades normalizadas. Além disso, também foi realizada uma análise quantitativa do gráfico de Poincaré, calculando-se o desvio-padrão perpendicular à linha de identidade (SD1) e o desvio-padrão ao longo da linha de identidade (SD2). A coleta, processamento e análise dos dados seguiram os padrões descritos na literatura,(7) e os índices foram analisados com o programa de análise de VFC Kubios, versão 2.0 (Grupo de Análise de Sinais Biomédicos e Imagens Médicas, Departamento de Física Aplicada, Universidade de Kuopio, Finlândia).
 
O hábito de fumar foi avaliado por meio das seguintes perguntas: “Você fuma atualmente?”; “Quantos dias por semana?”; e “Quantos cigarros por dia?”. A intensidade da AF foi medida com um acelerômetro GT3X (ActiGraph LLC, Pensacola, FL, EUA) posicionado no lado direito da cintura do participante. Os participantes utilizaram o equipamento durante sete dias (mínimo de cinco dias durante pelo menos 10 h diárias para serem incluídos na análise). O ponto de corte recomendado por Sasaki et al.(8) foi utilizado para determinar a intensidade da AF — intensidade leve: < 2.690 contagens/min (metabolic equivalent of task [MET, equivalente metabólico da tarefa] < 3,00); intensidade moderada: 2.690-6.166 contagens/min (MET = 3,00-5,99); intensidade vigorosa: 6.167-9.642 contagens/min (MET = 6,00-8,99); e intensidade muito vigorosa: > 9.642 contagens/min (MET > 8,99).
 
A relação entre MAC e tabagismo foi analisada por meio de regressão linear múltipla, sendo que as diferentes intensidades de AF foram inseridas uma a uma no modelo (Tabela 1). O nível de significância adotado foi de 5%.
As características da amostra segundo o status tabágico revelaram que a média de SDNN foi menor nos fumantes (n = 23) que nos não fumantes, (40,0 ± 21,6 ms vs. 50,8 ± 23,1 ms; p = 0,014), assim como a média de SD1 (17,5 ± 15,9 ms vs. 26,7 ± 22,1 ms; p = 0,041) e de SD2 (50,1 ± 28,6 ms vs. 66,5 ± 27,6 ms; p = 0,007), ao passo que a média do índice de baixa frequência foi maior nos fumantes (68,2 ± 15,4 vs. 61,3 ± 17,6; p = 0,039) assim como a média do número de minutos por dia realizando AF leve (3.998,7 ± 905,2 vs. 3.645,0 ± 850,1; p = 0,047). Não foram encontradas diferenças significativas entre fumantes e não fumantes quanto à média de idade, RMSSD, índice de alta frequência, AF moderada, AF vigorosa e AF muito vigorosa. Os fumantes relataram consumir em média 13,4 ± 9,4 cigarros/dia, a média do número de anos-maço foi de 0,66.

 
A Tabela 1 mostra que SDNN e SD2 apresentaram uma relação inversa com o tabagismo. No entanto, essa relação foi amenizada após a inserção da AF muito vigorosa no modelo estatístico (confirmando nossa hipótese inicial).
 
O principal achado do presente estudo foi que o tabagismo se correlacionou inversamente com a MAC, especialmente em relação aos índices que refletem a variabilidade global (SDNN e SD2). Após a inserção das diferentes intensidades de AF no modelo (relação entre tabagismo e MAC), constatamos que a AF muito vigorosa amenizou o efeito do tabagismo sobre a MAC.
 
Diferentes hipóteses podem explicar os achados do presente estudo. Um dos possíveis mecanismos é que AF vigorosa e AF muito vigorosa poderiam contribuir para o aumento do estresse de cisalhamento, promovendo a liberação de óxido nítrico e, consequentemente, o aumento da atividade parassimpática.(9) Dada a forte relação entre angiotensina e a modulação simpática, que pode ser estimulada pela nicotina contida nos cigarros.(10) AF vigorosa também poderia diminuir os níveis de angiotensina II, melhorando a MAC.
 
Nosso estudo tem algumas limitações. Primeiro, não foram utilizados outros métodos de avaliação do status tabágico ao tabaco, tal como a quantidade de monóxido de carbono exalado. Além disso, o desenho transversal do estudo impediu a avaliação de relações causais. No entanto, o processo de amostragem aleatória e a medição objetiva da intensidade da AF com acelerômetro foram pontos fortes do presente estudo. No que diz respeito a aplicações práticas, nossos achados sugerem que fumantes que praticam AF mais vigorosa rotineiramente podem apresentar melhora da MAC.
 
Com base em nossos achados, a AF muito vigorosa ameniza mas não elimina a redução da MAC induzida pelo tabagismo em fumantes adultos. Enfatiza-se a importância de encorajar fumantes a realizar AF vigorosa para que se evitem diminuições da MAC.
 
Apoio financeiro
 
Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; Processo n. 2017/07231-9).
 
Referências
 



  1. Vanzella LM, Bernardo AFB, Carvalho TD, Vanderlei FM, Silva AKFD, Vanderlei LCM. Complexity of autonomic nervous system function in individuals with COPD. J Bras Pneumol. 2018;44(1):24-30. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000086

  2. Koopman JJ, van Bodegom D, Maan AC, Li Z, Ziem JB, Westendorp RG, et al. Heart rate variability, but not heart rate, is associated with handgrip strength and mortality in older Africans at very low cardiovascular risk: A population-based study. Int J Cardiol. 2015;187:559-561. https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2015.03.383

  3. Karakaya O, Barutcu I, Kaya D, Esen AM, Saglam M, Melek M, et al. Acute effect of cigarette smoking on heart rate variability. Angiology. 2007;58(5):620-624. https://doi.org/10.1177/0003319706294555

  4. Tebar WR, Ritti-Dias RM, Mota J, Farah BQ, Saraiva BTC, Damato TMM, et al. Relationship between domains of physical activity and cardiac autonomic modulation in adults: a cross-sectional study. Sci Rep. 2020;10(1):15510. https://doi.org/10.1038/s41598-020-72663-7

  5. May R, McBerty V, Zaky A, Gianotti M. Vigorous physical activity predicts higher heart rate variability among younger adults. J Physiol Anthropol. 2017;36(1):24. https://doi.org/10.1186/s40101-017-0140-z

  6. Tebar WR, Ritti-Dias RM, Saraiva BTC, Gil FCS, Delfino LD, Damato TMM, et al. The relationship between physical activity intensity and domains with cardiac autonomic modulation in adults: An observational protocol study. Medicine (Baltimore). 2019;98(41):e17400. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000017400

  7. Catai AM, Pastre CM, Godoy MF, Silva ED, Takahashi ACM, Vanderlei LCM. Heart rate variability: are you using it properly? Standardisation checklist of procedures. Braz J Phys Ther. 2020;24(2):91-102. https://doi.org/10.1016/j.bjpt.2019.02.006

  8. Sasaki JE, John D, Freedson PS. Validation and comparison of ActiGraph activity monitors. J Sci Med Sport. 2011;14(5):411-416. https://doi.org/10.1016/j.jsams.2011.04.003

  9. Zanesco A, Antunes E. Effects of exercise training on the cardiovascular system: pharmacological approaches. Pharmacol Ther. 2007;114(3):307-317. https://doi.org/10.1016/j.pharmthera.2007.03.010

  10. Lo WC, Dubey NK, Tsai FC, Lu JH, Peng BY, Chiang PC, et al. Amelioration of Nicotine-Induced Osteoarthritis by Platelet-Derived Biomaterials Through Modulating IGF-1/AKT/IRS-1 Signaling Axis. Cell Transplant. 2020;29:963689720947348. https://doi.org/10.1177/0963689720947348




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