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ISSN (on-line): 1806-3756

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Poluição do ar ambiental: efeitos respiratórios

Environmental air pollution: respiratory effects

Ubiratan de Paula Santos1a, Marcos Abdo Arbex2,3a, Alfésio Luis Ferreira Braga3,4a, Rafael Futoshi Mizutani5a, José Eduardo Delfini Cançado6a, Mário Terra-Filho7a, José Miguel Chatkin8,9a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200267

ABSTRACT

Environmental air pollution is a major risk factor for morbidity and mortality worldwide. Environmental air pollution has a direct impact on human health, being responsible for an increase in the incidence of and number of deaths due to cardiopulmonary, neoplastic, and metabolic diseases; it also contributes to global warming and the consequent climate change associated with extreme events and environmental imbalances. In this review, we present articles that show the impact that exposure to different sources and types of air pollutants has on the respiratory system; we present the acute effects-such as increases in symptoms and in the number of emergency room visits, hospitalizations, and deaths-and the chronic effects-such as increases in the incidence of asthma, COPD, and lung cancer, as well as a rapid decline in lung function. The effects of air pollution in more susceptible populations and the effects associated with physical exercise in polluted environments are also presented and discussed. Finally, we present the major studies on the subject conducted in Brazil. Health care and disease prevention services should be aware of this important risk factor in order to counsel more susceptible individuals about protective measures that can facilitate their treatment, as well as promoting the adoption of environmental measures that contribute to the reduction of such emissions.

Keywords: Air pollution; Particulate matter; Respiratory tract diseases; Pulmonary disease, chronic obstructive; Asthma; Respiratory tract infections; Lung neoplasms.

RESUMO

A poluição do ar ambiental é um dos principais fatores de risco de morbidade e mortalidade global. Ela tem impacto direto na saúde humana, sendo responsável pelo aumento de incidência e de óbitos por doenças cardiorrespiratórias, neoplásicas e metabólicas; também contribui para o aquecimento global e para as consequentes alterações do clima associadas a eventos extremos e aos desequilíbrios ambientais. Nesta revisão, apresentamos artigos que evidenciam o impacto da exposição a diferentes fontes e tipos de poluentes do ar no sistema respiratório; apresentamos os efeitos agudos - como aumento de sintomas e no número de atendimentos em serviços de emergência, internações e óbitos - e crônicos - como o aumento da incidência de asma, DPOC e câncer de pulmão, assim como o declínio acelerado da função pulmonar. Também são apresentados e discutidos os efeitos da poluição atmosférica em populações mais suscetíveis e dos efeitos associados à realização de exercícios físicos em ambientes poluídos. Por fim, apresentamos os principais estudos brasileiros sobre o assunto. Os serviços de atenção à saúde e de prevenção de doenças devem ficar atentos a esse importante fator de risco para orientar indivíduos mais suscetíveis sobre medidas de proteção que possam facilitar seu tratamento, além de estimular a adoção de medidas ambientais que contribuam para a redução dessas emissões.

Palavras-chave: Poluição do ar; Material particulado; Doenças respiratórias; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Asma; Infecções respiratórias; Neoplasias pulmonares.

INTRODUÇÃO



Um dos principais problemas do mundo atual é a poluição do ar, não apenas pelo impacto nas mudanças climáticas mas também na saúde pública e individual, sendo um importante fator de risco para o aumento da morbidade e mortalidade.



Embora a exposição à poluição do ar tenha registros que datam há mais de 20 séculos, até os conhecidos episódios de abrupta elevação de poluentes ocorridos no Vale do Meuse (Bélgica, 1930), em Donora (Pensilvânia, EUA, 1948) e, sobretudo, em Londres (Reino Unido, 1952), os estudos sobre os efeitos da exposição aos poluentes do ar estavam restritos aos ambientes de trabalho e às exposições a agentes tóxicos usados em guerras.(1) Foi a partir de meados do século passado que o tema passou a ser progressivamente estudado,(2) com o primeiro documento sobre os efeitos da poluição do ar na saúde, elaborado pela OMS e publicado em 1958, que recomendava a redução dos níveis de poluentes para a proteção à saúde.(3,4)



Estima-se que a poluição do ar foi globalmente responsável por cerca de 5 milhões de óbitos em 2017, 70% deles decorrentes da poluição do ar ambiental externa. A poluição do ar ambiental somada à intradomiciliar ocupa o quinto lugar ente os cinco mais relevantes fatores de risco para óbitos no mundo (Tabela 1).(5)



 








POLUIÇÃO DO AR E PRINCIPAIS FONTES GERADORAS



As principais emissões de poluentes decorrem da atividade humana. Atualmente as principais fontes de poluição nos centros urbanos são os veículos automotivos e as indústrias.(6) Em alguns países, incluindo o Brasil, a principal fonte de poluição ambiental de origem não urbana decorre da queima de biomassa (cana-de-açúcar, pastos, cerrado e florestas). As emissões naturais, como tempestades de areias em grandes áreas desérticas, incêndios acidentais e ação de raios elétricos que podem gerar óxidos de nitrogênio (NOx), podem contribuir na geração de poluentes atmosféricos secundários.(6,7)



Os poluentes são classificados em primários e secundários. Poluentes primários são aqueles emitidos diretamente para a atmosfera por indústrias, termoelétricas e veículos automotivos movidos por combustíveis. Entre eles, temos dióxido de enxofre (SO2); óxidos de nitrogênio (NOx: NO e NO2); material particulado (MP) - partículas totais em suspensão com diâmetro aerodinâmico inferior a 10 µm (MP10) e 2,5 µm (MP2,5) -; monóxido de carbono (CO); e, em alguns países, também são monitorados compostos orgânicos voláteis (COV) e metais. As partículas finas e ultrafinas, por possuírem maior relação superfície/massa e poderem ser transferidas para a circulação sistêmica, têm efeito mais expressivo.(8) Poluentes secundários são os formados a partir de reações químicas induzidas pela oxidação fotoquímica de COV, catalisada por NOx, que, na presença de raios ultravioleta provenientes da luz solar, dão origem a ozônio.(9) Outros poluentes secundários são formados por processo de nucleação e condensação de poluentes gasosos (NO2 e SO2) e névoas ácidas, como NOx e MP secundário, formado por sulfatos e nitratos.(1,7,10)



A exposição à poluição do ar varia muito entre países, regiões, cidades e domicílios. Um estudo com base em dados de 2017 estima que, globalmente, 42% das pessoas foram expostas a MP fino (MP2,5) acima das concentrações consideradas como com risco mínimo e 43% delas a ozônio.(5)



IMPACTO NA SAÚDE



A maior parte de óbitos e anos perdidos ou vividos com incapacidade (disability-adjusted life years) globais secundários à poluição do ar decorre de doenças cardiopulmonares, câncer de pulmão e diabetes tipo 2 (Tabela 2).(5) Um estudo com o uso de uma nova abordagem(11) apresentou resultados superiores aos calculados pelos modelos da Global Burden of Disease (GBD)(12): foram estimados 8,8 milhões de óbitos globais pelo primeiro estudo em 2015(11) contra 4,24 milhões pelo GBD,(12) além de uma redução da expectativa de vida da população global em 2,9 anos.(13) Estudos com as diferentes abordagens acima citadas estimaram em 52,3 mil(12) e em 102 mil(11) os óbitos associados à poluição do ar ambiental no Brasil em 2015, sendo esse o nono fator de risco para óbitos.(12)



 








Porque e como a poluição do ar tem impacto na saúde: mecanismos envolvidos nos efeitos respiratórios



Os danos provocados pelos poluentes particulados e gasosos dependem da concentração inalada, das defesas do sistema respiratório e da solubilidade, no caso dos gases. Entre os possíveis mecanismos envolvidos nos efeitos cardiorrespiratórios estão a inflamação e o estresse oxidativo induzido por espécies reativas de oxigênio e nitrogênio (ERON) geradas pela inalação dos poluentes.(14,15) Estudos recentes sugerem um papel relevante da inalação de environmentally persistent free radicals (EPFR, radicais livres ambientalmente persistentes) produzidos pela combustão de catecóis, fenóis e hidroquinonas, que podem persistir no ar por até 21 dias.(16)



A inalação persistente ou por flutuações agudas de MP, O3 e EPFR gera ERON, que desencadeiam e amplificam o processo inflamatório através da produção endógena de mais ERON. Se a produção de ERON supera as defesas antioxidantes, ocorre a ativação do complexo mitogen-activated protein kinase (MAPK, proteína quinase ativada por mitógeno), envolvido na ativação de fatores de transcrição nuclear, como NF-κB e AP-1, que estimulam a síntese de RNA e a produção de citocinas pró-inflamatórias IL-8 e TNF-α, bem como podem induzir a formação de adutos de DNA.(14,17) A poluição do ar também tem sido associada a efeitos epigenéticos que, embora sejam potencialmente reversíveis sem a ocorrência de mutações, podem gerar alterações na expressão do DNA, potencializando os efeitos inflamatórios dos poluentes.(8)



A poluição do ar também tem sido associada à redução da função dos linfócitos T reguladores e aumento de IgE e da produção de linfócitos T CD4+ e CD8+, com maior estímulo à resposta Th2 aos estímulos por antígenos em ambientes com poluição, o que estaria associado a doenças como rinite e asma.(6,8)



Poluição do ar: efeitos respiratórios



A poluição do ar está associada a diversos efeitos na saúde, além dos respiratórios (Figura 1). Efeitos respiratórios agudos são aqueles associados à exposição recente (horas ou dias), enquanto os crônicos são decorrentes de exposições prolongadas, geralmente superiores a 6 meses.



 








Os efeitos agudos apresentam uma consistente associação entre elevações dos níveis de poluentes e o aumento do número de consultas de emergência, de admissões hospitalares e de óbitos, especialmente em indivíduos portadores de doenças respiratórias crônicas, crianças e idosos.(18) Um estudo envolvendo 112 cidades dos EUA encontrou um aumento de 1,68% na mortalidade por doenças respiratórias para cada elevação de 10 μg/m3 na concentração de MP2.5.(19) Uma revisão sistemática e meta-análise de 110 estudos de séries temporais realizados em várias regiões do mundo revelou um aumento de 1,51% na mortalidade por doenças respiratórias associado a cada aumento de 10 μg/m3 na concentração de MP2,5.(20) Além disso, um estudo realizado na América Latina(21) revelou um aumento de 2% no risco de mortalidade por doenças respiratórias e cardiovasculares a cada elevação de 10 µg/m3 na concentração de MP2.5, em concordância com os resultados de estudos europeus e norte-americanos.



Os efeitos da exposição crônica têm sido associados a aumento da mortalidade geral por doenças respiratórias, aumento da incidência de asma e de DPOC, aumento da incidência e mortalidade por câncer de pulmão, redução da função pulmonar e déficit no desenvolvimento pulmonar em crianças.(22,23) Um dos primeiros estudos, realizado em seis grandes cidades dos EUA, revelou um risco 26% maior de morte por doenças cardiorrespiratórias entre moradores das cidades mais poluídas em relação às menos poluídas.(24) Esses achados foram confirmados em outros estudos, entre eles, um estudo prospectivo envolvendo 500 mil adultos dos 50 estados norte-americanos que revelou aumentos de 9% e 18% no risco de mortalidade para doenças cardiopulmonares e por câncer de pulmão, respectivamente, associados à elevação de 10 µg/m3 na concentração de MP2,5.(25)



Poluição e rinite



Um número crescente de estudos mostra uma associação entre poluição ambiental e aumento da incidência e de exacerbação de rinite. Autores sugerem que fatores genéticos, isoladamente, parecem não ser suficientes para justificar o aumento observado na prevalência e exacerbação de doenças alérgicas, em especial, eczema, rinite e asma. A exposição a MP10 e MP2,5 aparece como fator de grande impacto no aumento da prevalência dessas doenças, principalmente em crianças e adolescentes.(6,27)



Poluição e asma



A exposição a poluentes como MP, NO2, ozônio e carbono, assim como ao tráfego de origem veicular, está associada com um maior número de exacerbações, hospitalizações e óbitos em pacientes asmáticos.(6,28,29)



Um dos primeiros estudos que avaliou os efeitos agudos da poluição do ar, que envolveu 3.676 crianças de 12 localidades no estado da Califórnia, EUA,(30) evidenciou que as crianças asmáticas expostas a NO2, MP10 e MP2,5 tiveram uma prevalência maior de sintomas respiratórios e necessidade maior de uso de medicação quando comparadas com crianças sem asma. A associação mais relevante foi com a exposição a NO2, com uma prevalência de sintomas 2,7 vezes maior para cada aumento de 24 ppb do poluente no ar. Um estudo realizado na província de Hubei, China, com 4.454 indivíduos que morreram de asma entre 2013 e 2018 encontrou um aumento de 7%, 9% e 11% na mortalidade associado a MP2,5, O3 e NO2, respectivamente.(31)



Nos últimos anos estudos têm revelado que a poluição do ar também está associada ao aumento da incidência de asma, principalmente em crianças e adolescentes,(6,23,32-34) com dados menos robustos em adultos.(35,36) Um dos primeiros estudos prospectivos, também realizado na Califórnia, evidenciou a associação entre a exposição crônica ao ozônio e o aumento da incidência de asma. (37) Outro estudo avaliou a incidência global de asma associada à poluição do ar. Para o ano de 2015 foram estimados 4 milhões de casos novos de asma (13% da incidência global) associados à exposição a NO2 em crianças e jovens com idade inferior a 18 anos, 150 mil deles no Brasil e Paraguai (dados agregados). (38) Em adultos, um estudo na Austrália mostrou que indivíduos expostos a NO2 por pelo menos 5 anos e moradores a menos de 200 m de vias de tráfego tiveram um maior risco de desenvolvimento de asma e de declínio acentuado da função pulmonar.(39)



Poluição e DPOC



Desde a década de 1990 estudos epidemiológicos evidenciam uma associação entre a poluição do ar e eventos respiratórios agudos em indivíduos com DPOC, com aumento do número de exacerbações, consultas de emergência, internações e óbitos.(40) Um dos primeiros estudos, que avaliou internações hospitalares secundárias à exacerbação da DPOC associadas à exposição a poluentes, observou que, para cada aumento de 10 μm/m3 de MP10, houve um acréscimo de 2,5% nas admissões hospitalares. Um estudo recente(41) envolvendo 303.887 indivíduos no Reino Unido revelou que um aumento de 5 μg/m3 na concentração de MP2,5 esteve associado à redução no VEF1 e na CVF de 83 mL e 62 mL, respectivamente, assim como ao aumento na prevalência de DPOC de 52%.



Estudos mais recentes sugerem que a exposição a poluentes esteja associada ao aumento da incidência de DPOC.(23,41) Um estudo de coorte realizado na Noruega envolvendo 57 mil indivíduos encontrou um aumento de 8% na incidência de DPOC associado à elevação de 5,8 µg/m3 na concentração de NO2.(42) Outro estudo de coorte recém-publicado,(43) envolvendo 7.071 indivíduos em seis regiões metropolitanas nos EUA entre 2000 e 2018, encontrou aumentos na porcentagem de áreas de enfisema pulmonar, avaliadas por TCAR, associados à exposição a O3, MP2,5, NOx e partículas de carbono. Um estudo que analisou dados de 2017 estimou em 1,1 milhão os óbitos globais por DPOC atribuídos à poluição do ar,(5) representando 34,6% de todos os óbitos pela doença naquele ano.(44)



Poluição e função pulmonar



Nos últimos anos têm se acumulado evidências dos efeitos da poluição do ar na função pulmonar, confirmando achados de estudos mais antigos.(45,46) Os efeitos da poluição aparentam ser mais expressivos durante os primeiros anos de vida, inclusive no período intrauterino. Jedrychowski et al.(47) avaliaram a exposição materna a MP2,5 durante o segundo trimestre de gestação e encontraram valores menores de VEF1 e CVF (diferenças de 87 mL e 91 mL, respectivamente) aos 5 anos de idade em crianças cujas mães foram mais expostas a MP2,5. Na cidade de Guangzhou, China, um estudo em áreas muito poluídas (média anual de MP10 entre 80 e 96 µg/m3) mostrou que níveis mais altos de poluição estão associados à redução no ritmo de crescimento de FEF25-75% e VEF1 em meninos.(48)



Um estudo prospectivo(49) que acompanhou crianças dos 10 aos 18 anos em 12 cidades da Califórnia encontrou uma redução no crescimento total de VEF1 associada a MP2,5, NO2, vapores ácidos e partículas de carbono. A proporção de jovens que, aos 18 anos, apresentou VEF1 menor do que 80% do valor previsto foi 4,9 vezes maior (prevalência de 7,9%) nas comunidades com os maiores níveis de MP2,5 em comparação com aqueles nas comunidades com os menores níveis.



Um estudo realizado na cidade de São Paulo (SP) com taxistas e controladores de tráfego revelou que a exposição a altos níveis MP2,5 esteve associada à redução de VEF1 e CVF de forma não significativa, mas houve um aumento significativo do FEF25-75%, sugerindo possíveis alterações intersticiais decorrente da exposição aos poluentes.(50)



Poluição e infecções respiratórias



A exposição aos poluentes do ar aumenta o risco de infecções de vias aéreas superiores e inferiores. A exposição a MP foi responsável por 433 mil óbitos globais por infecções respiratórias em 2017, acometendo principalmente crianças e idosos.(5) Uma revisão sistemática estimou um aumento de 12% no risco de pneumonia em crianças para cada aumento médio anual de 10 μg/m3 na concentração de MP2,5.(51) Em concordância, uma revisão sistemática e meta-análise utilizando seis coortes europeias e envolvendo 16 mil crianças evidenciou um aumento no risco de pneumonia em até 30% associado à exposição a NO2.(35)



Estudos atuais têm sugerido um possível efeito da poluição como fator contribuinte para a difusão do SARS-CoV-2 (COVID-19). Um estudo realizado na Itália revelou que as cidades que apresentavam concentrações de poluentes mais elevadas antes da epidemia apresentaram uma acelerada difusão do vírus, além de um maior número de infectados, com relação a cidades menos poluídas.(52,53) Um estudo recém publicado que caracterizou, com uso de satélites, a concentração global de MP2,5 e a fração antropogênica da mesma, estimou que a exposição a MP teria contribuído com 15% (IC95%: 7-33%) da mortalidade global por COVID-19, sendo um importante cofator para o aumento do risco de morbidade e mortalidade por essa doença.(54,55)



Poluição e câncer de pulmão



A Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer considera a poluição do ar ambiental cancerígena para a espécie humana, pois aumenta o risco de câncer de pulmão.(56) Embora também tenha sido encontrada uma associação positiva entre a exposição a esse tipo de poluição e câncer de bexiga, até o momento não foi estabelecida uma relação causal. Dados globais(5) estimaram a ocorrência de 2,16 milhões de casos novos e de 1,88 milhão de óbitos por câncer de pulmão em 2017, que é a primeira causa de óbitos por neoplasia em homens e a terceira em mulheres. Estima-se que 14% (n = 265 mil) dos óbitos por câncer de pulmão sejam atribuídos à poluição do ar ambiental,(5) fração que varia de 1% a 25% entre os países. O risco médio para o desenvolvimento de câncer de pulmão varia, entre os estudos, de 20-30% em relação a um aumento na concentração de 10 µg/m3 de MP10 e de 5 µg/m3 na de MP2,5.(56,57)



A poluição do ar pode induzir efeitos genotóxicos que incluem a formação de adutos, quebras de fitas e danos nas bases de DNA por oxidação, mutações genéticas, danos cromossômicos em células somáticas, mutações gaméticas e transformação oncogênica. Estudos epidemiológicos moleculares em humanos revelam associações entre as frequências de danos no DNA (como adutos em linfócitos) e danos citogenéticos (translocações cromossômicas e micronúcleos) e exposições a MP e/ou hidrocarbonetos aromáticos policíclicos carcinogênicos. Os múltiplos efeitos comprovados dão plausibilidade para a associação entre poluição do ar e desenvolvimento de câncer de pulmão através de efeito direto, bem como para o desenvolvimento do tumor via estresse oxidativo e inflamação persistente.(56)



Poluição e exercícios físicos



A baixa atividade física é um importante fator de risco para morte e foi associada a 1,26 milhão de óbitos em 2017. A realização regular de exercícios de intensidade leve a moderada contribui para reduzir ou retardar o surgimento de doenças crônicas em até 10 anos.(58)



Realizar exercícios físicos em ambientes com ar poluído pode trazer consequências para a saúde em populações suscetíveis, como crianças, idosos e indivíduos com doenças crônicas, além de piorar o desempenho físico em atletas.(59,60) Um estudo realizado na Califórnia(61) em comunidades com elevada concentração de ozônio encontrou um risco 3,3 vezes maior de desenvolvimento de asma em crianças que praticavam três ou mais tipos de esportes por semana quando comparadas a crianças que não praticavam exercícios. A realização de atividades esportivas não teve efeito nas cidades com baixa concentração de ozônio.



Em indivíduos saudáveis, os efeitos respiratórios da poluição do ar parecem ser poucos expressivos.(62) Um estudo realizado em Londres, Reino Unido,(63) comparou a evolução da função pulmonar e marcadores inflamatórios no escarro de adultos asmáticos durante caminhadas de 2 h em um parque e em uma via de elevado tráfego de veículos. Os indivíduos com asma apresentaram um declínio significativo da função pulmonar e um aumento de marcadores inflamatórios quando caminharam em uma via de alto tráfego.(63) Um estudo com o mesmo desenho que comparou indivíduos sadios, indivíduos com DPOC e indivíduos com doença coronariana estável revelou que todos os grupos apresentavam ganho na função pulmonar com a caminhada de 2 h no ambiente do parque, ganho que era perdido ou reduzido quando caminhavam na via pública com alto tráfego de veículos.(59) Estudos em humanos(59) e com uso de modelos matemáticos(64,65) evidenciaram que, para indivíduos hígidos e mesmo para indivíduos com doenças crônicas, a realização de exercícios leves a moderados em ambientes poluídos, ainda que acima dos valores de referência preconizados pela OMS,(7) tem efeitos benéficos que se sobrepõem aos decorrentes da inalação de uma carga maior de poluentes. Portanto, o balanço dos estudos sugere ser mais benéfica a realização de exercícios físicos leves a moderados mesmo em locais poluídos.(8,60,64,65)



Outros acometimentos pulmonares



Estudos recentes têm evidenciado uma associação entre exposição à poluição do ar e apneia do sono,(8) maior risco de bronquiolite obliterante e de óbitos em indivíduos submetidos a transplante de pulmão(66) e maior risco de progressão de doença pulmonar intersticial.(67)



POPULAÇÕES SUSCETÍVEIS/VULNERÁVEIS



Fatores intrínsecos e extrínsecos aumentam a vulnerabilidade e/ou a suscetibilidade dos indivíduos aos efeitos adversos dos poluentes aéreos. Além da idade, são mais vulneráveis os portadores de doenças crônicas, como asma, DPOC, fibroses pulmonares, arritmias, hipertensão, doenças isquêmicas do coração, diabetes, doenças autoimunes e obesidade.(8,68)



Indivíduos com piores condições socioeconômicas apresentam maior vulnerabilidade, uma vez que tendem a ser expostos por maior tempo no trajeto para o trabalho e a viver mais próximos a áreas industriais. Adicionalmente, vivem em residências com grande aglomeração, sem áreas verdes apropriadas, e consomem dietas mais pobres em frutas e vegetais, ricos em antioxidantes.(8,68)



Gestantes



A exposição a poluentes do ar durante a gestação pode comprometer o desenvolvimento fetal e ser causa de restrição de crescimento intrauterino, prematuridade, baixo peso ao nascer, anomalias congênitas e óbito intrauterino e perinatal.(8,69)



A intensa proliferação celular, a imaturidade fisiológica, o acelerado desenvolvimento de órgãos e as mudanças no metabolismo aumentam a suscetibilidade do feto à inalação dos poluentes aéreos pela mãe, e esta, por sua vez, pode ter seu sistema respiratório comprometido pela ação dos poluentes e, com isso, afetar o transporte de oxigênio e de nutrientes através da placenta. A exposição a altas concentrações de MP está associada a inflamação placentária, invasão anormal trofoblástica e diminuição da angiogênese placentária, impactando o desenvolvimento fetal.(69)



Crianças



No mundo, 93% das crianças vivem em ambientes nos quais as concentrações dos poluentes aéreos estão acima das preconizadas pela OMS.(70) Essa organização estima que uma em cada quatro mortes de crianças abaixo de 5 anos esteja relacionada direta ou indiretamente a riscos ambientais.(70) Análises globais para 2015 estimaram em 727 mil o número de óbitos por infecções respiratórias em crianças com até 5 anos de idade decorrentes da exposição à poluição do ar ambiental.(71) As crianças apresentam maior ventilação minuto, metabolismo basal acelerado e maior atividade física, além de permanecerem por mais tempo em ambientes externos.



O sistema imunológico ainda não totalmente desenvolvido aumenta a suscetibilidade às infecções respiratórias.(8,70) No útero, os fetos podem ser afetados pelos poluentes inalados pela mãe, o que pode ter consequências na saúde durante a vida adulta, como maior risco de asma.(8,70,72)



Idosos



A população idosa está em crescimento devido ao aumento da expectativa de vida e à constante queda na taxa de natalidade. Em 2013, a proporção de idosos com 80 anos ou mais era de 14% da população mundial.



Os idosos são suscetíveis aos efeitos adversos da exposição aos poluentes atmosféricos por apresentarem um sistema imunológico menos eficiente (imunossenescência) e progressivo declínio na função pulmonar, que pode levar a limitação aos exercícios físicos. Wu et al.,(73) em um estudo realizado em Pequim, China, observaram um maior aumento de internações hospitalares por pneumonias associadas à poluição do ar em idosos quando comparados com grupos mais jovens. Um estudo de coorte realizado nos EUA(74) com dados do Medicare mostrou que, entre 2000 e 2012, exposições agudas a MP fino e ozônio nas estações mais quentes do ano (primavera e verão) estavam associadas a um aumento do risco de morte por todas as causas entre os idosos. O mesmo efeito foi observado mesmo em dias com concentrações abaixo dos limites de qualidade do ar adotado pela Agência de Proteção Ambiental.



Suscetibilidade genética



A produção de radicais livres e a indução da resposta inflamatória pelos poluentes no sistema respiratório pode ser neutralizada por substâncias antioxidantes presentes na camada fluida de revestimento do epitélio respiratório - glutationa S-transferase (GST), superóxido dismutase, catalase, tocoferol, ácido ascórbico e ácido úrico - capazes de reduzir a ocorrência de estresse oxidativo e que representam a primeira linha de defesa contra os efeitos adversos dos poluentes. Polimorfismos de genes responsáveis pelo controle do estresse oxidativo (NQO1, GSTM1 e GSTP1) e de genes inflamatórios (TNF) modificam a presença e intensidade dos sintomas respiratórios e alteram a função pulmonar e o risco de desenvolvimento de asma em resposta aos poluentes.(75)



Entre os elementos antioxidantes presentes no epitélio respiratório, a família da GST é considerada uma das mais importantes, sendo representada por três classes principais de enzimas: GSTM1, GSTP1 e GSTT1.(76) Polimorfismos em genes que codificam as enzimas da família GST podem alterar a expressão ou a função das mesmas no tecido pulmonar, resultando em diferentes respostas à inflamação e ao estresse oxidativo e, consequentemente, em uma suscetibilidade maior aos efeitos adversos dos poluentes aéreos.(76) Um estudo realizado por Prado et al.(77) encontrou uma perda acentuada da função pulmonar em cortadores de cana expostos à poluição do ar que apresentavam deleção dos genes GSTM1 e GSTT1.



Estudos também têm revelado o efeito epigenético da exposição ao MP, que pode se sobrepor à suscetibilidade genética. A desregulação epigenética, particularmente alterações na metilação do DNA induzida pelo MP, tanto em glóbulos brancos quanto em células de vários tecidos, parece contribuir para os efeitos na saúde associados à poluição do ar.(23)



BRASIL: ESTUDOS RELEVANTES SOBRE OS EFEITOS DA POLUIÇÃO DO AR



Desde o final dos anos 1970 os efeitos dos poluentes do ar, tanto os de origem veicular e industrial quanto os decorrentes da queima de biomassa, passaram a ser estudados de maneira sistemática no Brasil.



Poluição do ar por queima de combustíveis fósseis



Nos últimos 30 anos foram identificados 170 artigos brasileiros publicados sobre o tema. A partir de 1975, o Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em São Paulo (SP), desenvolveu estudos experimentais e epidemiológicos para avaliar os efeitos adversos da exposição aos poluentes do ar. O primeiro estudo expôs ratos ao ar ambiente da cidade de São Paulo e ao da cidade de Atibaia, cidade no mesmo estado de São Paulo que cujo ar, na época, era considerado mais limpo. Após 6 meses de exposição, houve alteração das propriedades reológicas do muco, destruição de cílios e, consequentemente, maior colonização do epitélio respiratório por bactérias, que levaram à morte de 50% dos ratos expostos ao ar da cidade de São Paulo.(78) Paralelamente, utilizando modelos de estudos ecológicos de série de tempo, mostrou-se que o aumento diário na concentração de NOx estava associado ao aumento da mortalidade de crianças com até 5 anos por doenças respiratórias na cidade de São Paulo.(79) Outro estudo do grupo mostrou que, em autópsias de moradores de Guarulhos (SP), área altamente poluída na época do estudo, os pulmões apresentavam danos histopatológicos mais evidentes do que os de moradores das cidades de Ourinhos e Ribeirão Preto, também localizadas no estado de SP mas muito menos poluídas, mesmo após controle para tabagismo.(80)



Em outro estudo, ratos foram expostos a inalações com diferentes concentrações de MP fino e, mesmo naqueles expostos a baixas concentrações, verificou-se a ocorrência de estresse oxidativo, inflamação e dano tecidual pulmonar.(81)



Estudos ecológicos de séries de tempo mostraram associações entre aumento nos atendimentos em serviços de emergências de crianças com doenças respiratórias e aumento da poluição do ar(82); entre aumento das internações hospitalares por doenças respiratórias em crianças e adolescentes e aumento nas concentrações de MP10 e SO2(83); e de aumento de atendimentos de emergência por pneumonia e gripe(84) e por asma e DPOC(85,86) em adultos com o aumento da poluição do ar.



Um estudo realizado em trabalhadores expostos ao ar ambiente na cidade de São Paulo (SP) revelou que, entre aqueles expostos aos maiores níveis de poluição, havia uma redução da CVF quando comparados aos menos expostos.(50) No Quadro 1 podem ser visualizados estudos brasileiros relevantes que avaliaram o impacto respiratório da poluição urbana.



 








Poluição do ar por queima de biomassa



Nos últimos 20 anos estudos brasileiros vêm avaliando os impactos dos incêndios florestais (principalmente na Amazônia brasileira) e da queima da cana-de-açúcar durante a pré-colheita (principalmente no estado de São Paulo) na saúde da população exposta (Quadro 2).



 








Estudos realizados em áreas urbanas localizadas em regiões produtoras de cana-de-açúcar no estado de São Paulo mostraram que, durante o período da queima da cana-de-açúcar, ocorreram aumentos no número de terapia por inalação(87) e de atendimentos por pneumonias(88) nos serviços de emergência, além de aumento de hospitalizações de idosos e crianças por todas as doenças respiratórias,(89) especificamente por asma.(90) Na cidade de Monte Aprazível (SP), houve maior prevalência de rinites e diminuição da função pulmonar em crianças no período de queima da cana-de-açúcar.(91) Outro estudo revelou que, durante o trabalho de colheita manual da cana queimada, os trabalhadores apresentaram exacerbação de sintomas respiratórios, redução da função pulmonar, redução de atividade das enzimas antioxidantes e aumento dos marcadores de estresse oxidativo.(77) Em outro grupo de cortadores de cana-de-açúcar observou-se, durante os períodos de queima, comprometimento nas propriedades do muco e no clearance mucociliar nasal.(92)



As emissões provenientes das queimadas na região amazônica podem ser transportadas a longas distâncias e, além de afetar globalmente o clima,(93) podem impactar a saúde de crianças e de idosos.(94,95) Estudos realizados no estado de Mato Grosso mostraram que o aumento da exposição ao MP contribuiu para o aumento de internações de crianças menores de 5 anos por doenças respiratórias(96) e redução aguda do PFE.(97)



Em um estudo experimental em camundongos, instilou-se repetidamente na narina dos animais MP de diferentes origens, e demonstrou-se que as partículas de biomassa foram mais tóxicas do que às de origem do tráfego veicular.(98)



CONSIDERAÇÕES FINAIS



A poluição do ar ambiental atinge bilhões de indivíduos diariamente em todo mundo, com grande impacto na morbidade e mortalidade, além de contribuir com o aquecimento global.



A presença de doenças crônicas sistêmicas aumenta a suscetibilidade dos indivíduos aos efeitos adversos dos poluentes, que podem se manifestar desde as formas mais leves até o óbito, no caso de pacientes mais vulneráveis. Estudos recentes mostram que a exposição aos poluentes aéreos pode causar asma, DPOC e câncer de pulmão. A exposição das gestantes aos poluentes acarreta efeitos adversos graves ao feto que, se não forem letais, poderão comprometer a saúde das crianças, dos adolescentes, dos adultos e dos idosos. A realização de exercícios físicos regularmente pode contribuir para minimizar os efeitos da poluição.



As medidas mais eficazes para a redução do impacto da poluição à saúde humana são a redução das emissões. A ampliação do transporte público, o uso de combustíveis mais limpos nos veículos, nas indústrias e nos domicílios, bem como a mudança dos padrões de construção das edificações, que exigem grande consumo de energia, são medidas possíveis e necessárias para reduzir o aquecimento global e os efeitos diretos à saúde humana.(99) Estima-se que a redução dos níveis de emissões a padrões recomendados pela OMS e pelo Acordo de Paris possa causar uma diminuição de até 60% na mortalidade anual por poluentes. (11) Nesse contexto, os médicos devem estar aptos a informar e orientar a população a cultivar hábitos saudáveis em sua alimentação, a realizar exercícios físicos regulares e a controlar suas doenças crônicas. Devem também contribuir para reforçar as medidas necessárias para a redução das emissões em favor da recuperação ambiental. A recente pandemia pelo vírus SARS-CoV-2, que sucede as de SARS, em 2002, e de MERS, em 2012, mostra que não podemos ter um comportamento passivo em relação aos desequilíbrios ambientais provocados pelo modo de desenvolvimento e ocupação do planeta.



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