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Artigo Original

Ventilação mecânica protetora em pacientes com fator de risco para SDRA: estudo de coorte prospectiva

Protective mechanical ventilation in patients with risk factors for ARDS: prospective cohort study

Cristiane Bastos-Netto1a, Maycon Moura Reboredo1,2a, Rodrigo Souza Vieira1a, Lídia Maria Carneiro da Fonseca1,2a, Erich Vidal Carvalho1,2a, Marcelo Alcantara Holanda3,4a, Bruno Valle Pinheiro1,2a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200360

ABSTRACT

Objective: To evaluate the association that protective mechanical ventilation (MV), based on VT and maximum distending pressure (MDP), has with mortality in patients at risk for ARDS. Methods: This was a prospective cohort study conducted in an ICU and including 116 patients on MV who had at least one risk factor for the development of ARDS. Ventilatory parameters were collected twice a day for seven days, and patients were divided into two groups (protective MV and nonprotective MV) based on the MDP (difference between maximum airway pressure and PEEP) or VT. The outcome measures were 28-day mortality, ICU mortality, and in-hospital mortality. The risk factors associated with the adoption of nonprotective MV were also assessed. Results: Nonprotective MV based on VT and MDP was applied in 49 (42.2%) and 38 (32.8%) of the patients, respectively. Multivariate Cox regression showed that protective MV based on MDP was associated with lower in-hospital mortality (hazard ratio = 0.37; 95% CI: 0.19-0.73) and lower ICU mortality (hazard ratio = 0.40; 95% CI: 0.19-0.85), after adjustment for age, Simplified Acute Physiology Score 3, and vasopressor use, as well as the baseline values for PaO2/FiO2 ratio, PEEP, pH, and PaCO2. These associations were not observed when nonprotective MV was based on the VT. Conclusions: The MDP seems to be a useful tool, better than VT, for adjusting MV in patients at risk for ARDS.

Keywords: Respiration, artificial; Tidal volume; Respiratory distress syndrome, adult.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a associação da ventilação mecânica (VM) protetora, com base no VT e na pressão de distensão máxima (PDM), com a mortalidade em pacientes com fator de risco para SDRA. Métodos: Este estudo de coorte prospectivo foi conduzido em uma UTI e incluiu 116 pacientes em VM que apresentavam pelo menos um fator de risco para o desenvolvimento de SDRA. Os parâmetros ventilatórios foram coletados duas vezes ao dia durante sete dias, e os pacientes foram divididos em dois grupos (VM protetora e VM não protetora) com base na PDM (diferença entre pressão máxima de vias aéreas e PEEP) ou no VT. Os desfechos foram mortalidade em 28 dias, mortalidade na UTI e mortalidade hospitalar. Os fatores de risco associados com a adoção da VM não protetora também foram avaliados. Resultados: A VM não protetora com base no VT e na PDM ocorreu em 49 (42,2%) e em 38 (32,8%) dos pacientes, respectivamente. A regressão multivariada de Cox mostrou que a VM protetora com base na PDM associou-se a menor mortalidade hospitalar (hazard ratio = 0,37; IC95%: 0,19-0,73) e em UTI (hazard ratio = 0,40; IC95%, 0,19-0,85), após ajuste para idade, Simplified Acute Physiology Score 3, uso de vasopressor e valores basais de PaO2/FiO2, PEEP, pH e PaCO2. Essas associações não foram observadas quando a VM não protetora foi baseada no VT. Conclusões: A PDM parece ser uma ferramenta útil, melhor do que o VT, para o ajuste da VM em pacientes sob risco para SDRA.

Palavras-chave: Respiração artificial; Volume de ventilação pulmonar; Síndrome do desconforto respiratório do adulto.

INTRODUÇÃO



Embora seja medida de suporte essencial no tratamento de formas graves de insuficiência respiratória,(1,2) a ventilação mecânica (VM) pode causar lesão pulmonar caracterizada por infiltrado inflamatório, membrana hialina e edema alveolar e intersticial, sendo denominada ventilator-induced lung injury (VILI, lesão pulmonar induzida pela VM).(3)



Pulmões previamente lesados, como ocorre na SDRA, são mais susceptíveis à VILI,(4) e, nesses casos, ajustes ventilatórios protetores, como a redução do VT para ≤ 6 mL/kg de peso predito e da pressão de platô para ≤ 30 cmH2O, associam-se a menor mortalidade.(5-7) Mais recentemente, Amato et al.(8) demonstraram que a pressão de distensão (PD, que é a pressão de platô menos a PEEP) correlacionou-se melhor com a mortalidade do que o VT, a pressão de platô ou a PEEP. Essa correlação foi confirmada pelo estudo de Bellani et al.,(9) e a manutenção da PD < 14-15 cmH2O tem sido recomendada também como estratégia ventilatória protetora na SDRA.(10)



Embora estudos experimentais tenham demonstrado que a VILI pode ocorrer em pulmões previamente normais,(11,12) o impacto da VM protetora na evolução de pacientes sem SDRA é controverso. Em um ensaio clínico randomizado conduzido em pacientes sem SDRA, Determann et al.(13) demonstraram que baixos VT resultaram em menor ocorrência de VILI. Por outro lado, investigadores de um grupo de pesquisa, também em um ensaio clínico randomizado conduzido em pacientes sem SDRA, não encontraram diferenças entre os grupos ventilados com menores ou maiores VT em relação a mortalidade e duração da VM.(14)



Estudos observacionais também avaliaram o impacto da PD na mortalidade de pacientes sem SDRA, mas seus resultados foram conflitantes. Enquanto o estudo de Simonis et al. mostrou associação entre maior PD e mortalidade na UTI,(15) Schimidt et al. não observaram associação entre PD e mortalidade hospitalar em pacientes sem SDRA.(16) Nesses dois estudos, entre os pacientes ventilados em pressão controlada, assumiu-se a pressão máxima nas vias aéreas como aquela equivalente à pressão de platô e ela foi utilizada para o cálculo da PD, o que é uma limitação. A pressão máxima de vias aéreas é necessariamente maior que a pressão de platô e sugerimos chamar de PD máxima (PDM) a diferença entre a pressão máxima de vias aéreas e a PEEP.



Uma possível explicação para esses resultados conflitantes é que, entre os pacientes em VM e sem SDRA, existem variadas condições clínicas que indicaram a necessidade do suporte ventilatório, e o potencial para VILI pode ser diferente entre elas. Como a VILI, em última análise, determina uma lesão pulmonar de natureza inflamatória semelhante àquela presente na SDRA, é de se esperar que, entre os pacientes sem SDRA, ela tenha maior potencial de ocorrer entre aqueles com um ou mais fatores de risco para a síndrome. (17) Nesse sentido, conduzimos o presente estudo de coorte prospectiva com o objetivo primário de avaliar a associação entre a VM protetora, com base no VT e na PDM, e a mortalidade em pacientes com fator de risco para SDRA. Também objetivamos identificar fatores de associação para o ajuste de parâmetros ventilatórios considerados não protetores nesses pacientes.



MÉTODOS



Este estudo de coorte prospectivo foi conduzido na UTI do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, localizado em Juiz de Fora (MG), entre maio de 2016 e março de 2018. Trata-se de uma UTI clínico-cirúrgica com nove leitos. O estudo seguiu os princípios da Declaração de Helsinki e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (Parecer no. 2.494.061). O termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido junto a um parente próximo do paciente.



Coorte do estudo



Foram incluídos indivíduos com idade ≥18 anos, admitidos na UTI, que receberam VM e que apresentavam pelo menos um dos seguintes fatores de risco para o desenvolvimento de SDRA: pneumonia, sepse, choque, aspiração de conteúdo gástrico, pancreatite, transfusão de componentes do sangue, trauma, contusão pulmonar e lesão pulmonar por inalação ou quase afogamento. Os critérios de exclusão foram pacientes com diagnóstico de SDRA segundo os critérios de Berlim(18) dentro dos dois primeiros dias de intubação traqueal, pacientes transferidos de outro hospital já em VM, duração da VM < 48 h e decisão da equipe assistente de instituir cuidados paliativos.



Todos os pacientes foram ventilados com o ventilador Servo-S (Maquet, Solna, Suécia), inicialmente na modalidade pressão-controlada. Quando a equipe assistente considerava que o paciente encontrava-se acordado e estável, a modalidade ventilatória poderia ser modificada para pressão de suporte.



Variáveis



Características clínicas basais e demográficas foram obtidas no dia da admissão na UTI para o cálculo dos escores Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3) e SOFA, assim como foram registrados os diagnósticos de internação e as comorbidades. O dia da intubação traqueal foi considerado como dia zero, sendo registrados a causa da intubação, os fatores de risco para SDRA, os escores SAPS 3 e SOFA, o peso corporal predito - homens: peso = 50,0 + 0,91 × (altura em cm − 152,4); mulheres: peso = 45,5 + 0,91 × (altura em cm − 152,4) - o IMC, os parâmetros ventilatórios e a gasometria arterial.



Diariamente, entre os dias 1 e 7 de VM, às 8:00 e às 20:00 h, foram coletados os parâmetros ventilatórios e se houve o uso de vasopressores, corticosteroides e bloqueadores neuromusculares enquanto os pacientes permanecessem em VM. Registrou-se ainda a ocorrência ou não de óbito em 28 dias, óbito na UTI ou óbito hospitalar.



A variável de exposição foi o uso ou não de VM protetora com base no VT ao longo dos primeiros 7 dias. Considerou-se que ela foi ofertada quando o VT por peso predito foi inferior a 8 mL/kg em pelo menos 80% das 14 medidas realizadas nos primeiros 7 dias de VM. Uma segunda variável de exposição também foi criada, para caracterizar se VM protetora, com base na PDM (diferença entre a pressão máxima de vias aéreas e a PEEP), foi ofertada ao longo dos primeiros 7 dias. Considerou-se que a VM foi protetora quando a PDM foi inferior a 15 cmH2O em pelo menos 80% das 14 medidas realizadas nos primeiros 7 dias de VM. Avaliamos também como VM protetora aquela que preenchia tanto o critério baseado no VT quanto o critério baseado na PDM.



Desfechos



Os desfechos foram mortalidade em 28 dias, mortalidade hospitalar e mortalidade na UTI.



Análise estatística



Os resultados foram apresentados como média e desvio-padrão, mediana e intervalo interquartil ou proporções, conforme apropriado. Em relação às variáveis contínuas, os grupos VM protetora e VM não protetora foram comparados pelo teste t de Student ou pelo teste de Wilcoxon, conforme as variáveis apresentassem distribuição normal ou não (teste de Shapiro-Wilk). Para as variáveis categóricas, os grupos foram comparados pelo teste do qui-quadrado.



A regressão multivariada de Cox foi usada para estimar o hazard ratio (HR, razão de risco) para mortalidade em 28 dias, mortalidade na UTI e mortalidade hospitalar, em função de a VM protetora ter ocorrido ou não. A HR foi ajustada para idade, SAPS 3, uso de vasopressor, relação PaO2/FiO2, PEEP, complacência do sistema respiratório (Csr), pH e PaCO2.



Para analisar os fatores associados de forma independente ao ajuste de VM não protetora, foi realizada uma regressão logística multivariada, na qual incluímos as variáveis com p < 0,2 na análise univariada. Coeficientes foram computados pelo método da máxima verossimilhança.



Consideraram-se valores de p < 0,05 como estatisticamente significantes. Todas as análises foram realizadas com o pacote estatístico Stata, versão 15.1 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA).



RESULTADOS



Durante o período de estudo, 258 pacientes foram admitidos na UTI, dos quais 148 preencheram os critérios de inclusão. Após a exclusão de 32 pacientes, 116 constituíram a coorte de estudo. A principal causa de exclusão foi a opção por cuidados paliativos pela equipe assistente. A VM foi não protetora em 49 pacientes com base no VT (prevalência de 42,2%; IC95%: 33,5-51,1%) e em 38 pacientes com base na PDM (prevalência de 32,8%; IC95%: 24,7-41,9%; Figura 1).



 








As principais características dos pacientes no início do estudo estão listadas na Tabela 1. A média de idade foi de 59,3 ± 17,7 anos, e o SAPS 3 na admissão na UTI foi de 49,9 ± 15,8. Os principais fatores de risco para SDRA foram choque, em 71 pacientes (61,2%); sepse, em 68 (58,6%); e pneumonia, em 27 (23,3%); sendo que 66 pacientes (56,9%) apresentaram mais de um fator de risco. A Tabela 2 mostra a evolução dos pacientes submetidos à ventilação protetora e não protetora com base nos dois critérios estudados (VT e PDM).



 








 



 








Os pacientes que receberam VM protetora com base no VT, em comparação com os que receberam VM não protetora, apresentavam, na avaliação basal, menores escores de gravidade (SAPS 3), maior peso predito, maior valor de pH e menor FiO2 (Tabela 1). A VM protetora com base no VT não se associou a menor mortalidade hospitalar, mortalidade na UTI ou mortalidade em 28 dias (Tabelas 3 e 4). Como não foi feito inicialmente o cálculo amostral, calculamos posteriormente o poder do estudo para identificar uma possível associação entre essa estratégia protetora e mortalidade na UTI. Com base no número de pacientes incluídos (N = 116) e nos resultados encontrados (HR = 0,72) e considerando-se como significante um valor de p < 0,05, o poder do estudo para essa associação foi de 39%. As seguintes variáveis associaram-se de forma independente ao ajuste da VM de forma não protetora com base no VT: SAPS 3 na admissão, peso predito e relação PaO2/FiO2 (Tabela 5).



 








 



 








 








Com base na PDM, os pacientes que receberam VM protetora apresentavam maior Csr, melhores trocas gasosas (maior relação PaO2/FiO2 e menor PaCO2), maiores valores de pH e necessidade de menores FiO2 e PEEP (Tabela 1). Após ajustes para covariáveis, a VM protetora com base na PDM associou-se a menor mortalidade hospitalar, mortalidade em UTI e mortalidade em 28 dias (Tabelas 3 e 4). Com base no número de pacientes incluídos (N =116) e nos resultados encontrados (HR = 0,68) e considerando-se como significante um valor de p < 0,05, o poder do estudo para essa associação foi de 43%. Pneumonia como causa da VM, Csr, relação PaO2/FiO2 e pH foram as variáveis associadas de forma independente ao ajuste da VM de forma não protetora com base na PDM (Tabela 5).



Quando a VM protetora foi definida com base nos dois critérios, VT e PDM, ela associou-se de forma estatisticamente significante com a mortalidade em 28 dias, mas não com a mortalidade hospitalar ou mortalidade na UTI (Tabelas 3 e 4).



DISCUSSÃO



No presente estudo, observamos que, em pacientes em sob risco de SDRA, a VM protetora caracterizada por VT < 8 mL/kg de peso predito em mais de 80% das medidas realizadas nos primeiros 7 dias de suporte ventilatório não se associou a menor mortalidade. Entretanto, quando a VM protetora foi definida com base na PDM < 15 cmH2O, ela associou-se a menor mortalidade hospitalar, mortalidade na UTI e mortalidade em 28 dias.



Embora esteja bem definido que a VM protetora reduza a mortalidade em pacientes com SDRA,(6,7) seus benefícios entre os pacientes sem essa síndrome ainda permanecem controversos. Uma meta-análise feita a partir de ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais conduzidos em UTIs ou durante cirurgias de grande porte demonstrou que a VM protetora com baixo VT associou-se a melhores desfechos clínicos em pacientes sem SDRA, incluindo menor mortalidade e menor ocorrência de infecção e lesão pulmonar.(19) Entretanto, um ensaio clínico com pacientes sem SDRA não encontrou diferenças em relação à mortalidade (na UTI, no hospital, em 28 dias ou em 90 dias), duração da VM ou duração da internação na UTI em pacientes randomizados para VM com baixos VT (4-6 mL/kg de peso predito) ou mais altos (10 mL/kg de peso predito).(14) Um estudo observacional(16) que analisou uma coorte de 935 pacientes sem SDRA também não encontrou correlações entre VT e mortalidade. Esses resultados, em linha com os nossos, colocam em xeque a limitação do VT como estratégia ventilatória em pacientes sem SDRA.



Uma possível explicação para o fato de que a limitação do VT não se associou a melhores desfechos em pacientes sem SDRA é que esses pacientes apresentam melhor Csr, o que pode fazer com que mesmo VT maiores não sejam lesivos. Nesse sentido, o uso da PD ou, como no nosso estudo, a PDM, como parâmetro para ajustar a VM protetora pode ser melhor. A PD é calculada pela divisão do VT pela complacência estática do sistema respiratório.(8) Portanto, objetivando-se um nível de PD como alvo para VM protetora, sempre que a complacência estiver reduzida, traduzindo maior acometimento pulmonar, o VT deve ser reduzido. Corroborando essa hipótese, em um ensaio clínico randomizado(14) que não mostrou diferenças entre a VM com VT baixos ou intermediários na evolução de pacientes sem SDRA, a PD em ambos os grupos encontrava-se em níveis considerados seguros em relação à ocorrência de VILI (11 cmH2O no grupo de baixo VT e 13 cmH2O no grupo de VT intermediário).



No nosso estudo, a VM protetora com base na PDM correlacionou-se com menor mortalidade, sugerindo que ela seja um parâmetro importante a ser considerado no ajuste da VM protetora em pacientes sem SDRA. Acrescentar o VT junto à PDM para se definir a VM como protetora não se mostrou necessário, visto que, baseando-se nos dois parâmetros, a associação da VM protetora com a mortalidade é pior do que quando ela se baseia apenas na PDM. Nossos resultados estão em linha com os de outros autores,(16,20) que também mostraram correlações entre a PDM e a evolução de pacientes sem SDRA. Um estudo que não mostrou correlação entre VT e mortalidade encontrou uma correlação positiva entre a PDM e a mortalidade na UTI.(16) Em outro estudo observacional, em uma coorte de 986 pacientes em VM por uma condição neurológica aguda, Tejerina et al. demonstraram que elevações na PDM correlacionaram-se com maior mortalidade, fato não observado com elevações do VT.(20)



Nossa opção pelo uso do termo PDM foi para caracterizá-la como diferente da PD, a qual foi inicialmente correlacionada com melhores desfechos na SDRA no estudo de Amato et al.(8) A PD é calculada pela diferença entre a pressão de platô, obtida ao final de uma pausa inspiratória, e a PEEP. Alguns autores utilizam a pressão de vias aéreas ao final da inspiração durante a VM pressão-controlada em substituição à pressão de platô para o cálculo da PD.(15,16,20) Apesar da proximidade ou mesmo coincidência das duas em alguns casos, sobretudo quando não há um componente resistivo de vias aéreas importante, elas não são necessariamente iguais. No entanto, a PDM será sempre igual ou maior que a PD e, por isso, sua monitorização como parâmetro de segurança para a ocorrência de VILI torna-se útil.



Pelo que revisamos na literatura, este é o primeiro estudo prospectivo que analisou os fatores de risco associados ao ajuste da VM não protetora em pacientes sob risco de SDRA. Os fatores associados ao ajuste da VM não protetora com base no VT foram os relacionados com maior gravidade do quadro (SAPS 3 e relação PaO2/FiO2) e menor peso predito. A associação de maior gravidade com a VM não protetora provavelmente deveu-se à priorização da estabilização gasométrica nesses pacientes, o que pode ter ocorrido em detrimento de uma VM mais protetora. Já a correlação com o menor peso predito provavelmente deveu-se a uma estimativa inadequada desse peso em pacientes mais baixos, visto que o cálculo é baseado na altura. Nesse sentido, vale a pena ressaltar que as mulheres são mais suscetíveis a ajustes inadequados do VT com base no peso predito, como identificado pela análise univariada. Os fatores associados ao ajuste de VM não protetora com base na PDM foram aqueles relacionados a uma pior condição pulmonar (pneumonia, menor Csr e menor relação PaO2/FiO2) ou a uma maior demanda ventilatória (menor pH). Esses resultados sugerem que talvez haja menor atenção à PDM no ajuste da VM protetora, permitindo sua elevação em condições de pior mecânica pulmonar ou de necessidade de compensação de acidose.



Nosso estudo tem alguns pontos fortes. Em primeiro lugar, nós monitoramos o VT e a PDM duas vezes ao dia durante os primeiros 7 dias de VM para caracterizar a VM como protetora ou não. Estudos observacionais anteriores que avaliaram as correlações de VT e PD com mortalidade em pacientes sem SDRA monitorizaram os parâmetros ventilatórios em apenas 1 dia, geralmente o primeiro da VM.(14,15,20) Essa avaliação pontual, sobretudo em relação à PD, pode ter caracterizado muito mais a gravidade da condição pulmonar inicial e seu impacto nos desfechos dos pacientes. Acreditamos que nossa avaliação ao longo de 7 dias traduz melhor a correlação entre a VM instituída e a ocorrência de VILI e seu impacto na mortalidade. Além disso, nós avaliamos a associação entre VM não protetora e mortalidade em um grupo específico de pacientes sem SDRA: aqueles com fator de risco para o desenvolvimento da síndrome. Esses pacientes, comparados com aqueles sem fator de risco para SDRA, apresentam piores desfechos, tais como a ocorrência de complicações pulmonares e maior mortalidade.(14,21) Sendo assim, eles representam, dentre os pacientes sem SDRA, um grupo em que uma estratégia ventilatória protetora é mais relevante.



Algumas limitações do estudo devem ser destacadas. Durante a medida da PDM, sobretudo em pacientes já ventilados em pressão de suporte, não foi considerada a possibilidade de o paciente apresentar esforços inspiratórios, o que determinaria maior pressão transpulmonar, a qual está associada à VILI. Essa limitação é inevitável quando não se monitora a pressão esofágica em pacientes com esforços inspiratórios. Nosso estudo foi observacional; portanto, não se pode afirmar que a correlação encontrada entre PDM e mortalidade seja de causalidade, ou seja, não se pode afirmar que a VM não protetora com base na PDM causou aumento na mortalidade. Mesmo com a análise multivariada para ajustes para potenciais fatores de confusão, maior PDM pode ter representado maior gravidade dos pacientes e daí sua associação com mortalidade. É possível que o número de pacientes estudados não tenha sido suficiente para detectar associações entre VT e mortalidade, visto que o poder do estudo para identificar essa associação foi de apenas 39%. Por outro lado, o fato de essa associação ter sido encontrada com a PDM (o poder do estudo para identificar essa associação foi de 43%) sugere que esta seja um melhor parâmetro a ser considerado no ajuste da VM protetora. O estudo foi unicêntrico; portanto, a extrapolação de seus resultados deve ser feita com cautela.



Concluímos que a PDM elevada ao longo dos primeiros 7 dias de VM associou-se a maior mortalidade, fato não observado com VT elevados. Sendo assim, a PDM é um parâmetro a ser considerado durante a VM de pacientes sob risco para SDRA. Identificamos ainda fatores de associação para ajustes de VM não protetora: menor relação PaO2/FiO2, menor Csr, pneumonia como causa da VM, maior escore de gravidade, acidose e menor peso predito. A presença de um ou mais desses fatores deve chamar a atenção para o ajuste da VM, evitando-se que parâmetros lesivos sejam empregados.



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