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Comunicação Breve

Análise e comparação dos desfechos do tratamento de tuberculose na população em situação de rua e na população geral do Brasil

Analysis and comparison of tuberculosis treatment outcomes in the homeless population and in the general population of Brazil

Andresa Cristine Estrella dos Santos1a, Camila Brunfentrinker1a, Larissa da Silva Pena2a, Suélen dos Santos Saraiva3a, Antonio Fernando Boing4a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200178

ABSTRACT

Tuberculosis remains a major public health problem deeply influenced by inequality. The present study used data from the Brazilian Tuberculosis Case Registry Database in order to compare the rates of tuberculosis treatment success, loss to follow-up, and tuberculosis mortality between the homeless population and the general population of Brazil. The likelihood of tuberculosis treatment success was reduced by approximately 50% in the homeless population. In addition, the rate of loss to follow-up was 2.9 times higher in the homeless population than in the general population, and the rate of tuberculosis mortality was 2.5 times higher in the former.

Keywords: Tuberculosis; Homeless persons; Health information systems; Health policy.

RESUMO

A tuberculose ainda é um importante problema de saúde pública profundamente marcada pela desigualdade. O presente estudo utilizou notificações de casos de tuberculose do Sistema de Informação de Agravos de Notificação para comparar dados sobre sucesso no tratamento, perda de seguimento e óbitos por tuberculose entre a população em situação de rua no Brasil comparando-a com a população geral. Verificou-se que a população em situação de rua apresentou uma probabilidade aproximadamente 50% menor de obter sucesso no tratamento da tuberculose. Além disso, a perda de seguimento e os óbitos foram 2,9 e 2,5 vezes maiores na população em situação de rua quando comparada à população geral.

Palavras-chave: Tuberculose; Pessoas em situação de rua; Sistemas de informação em saúde; Política de saúde.

A tuberculose ainda é, no século XXI, um importante problema de saúde pública no mundo, apesar de ser uma doença tratável e curável. Em 2015, houve 10,4 milhões de novos casos e 1,4 milhão de óbitos(1) pela doença, posicionando-a entre as principais causas de morte no mundo.(2) No Brasil, o enfrentamento da tuberculose está previsto em diversos planos de ação governamentais(3-5) e nas iniciativas nacionais para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.(6) Apesar de ter apresentado melhora nos indicadores, o Brasil ainda ocupava o 20º lugar entre os países com maior carga da doença e o 19º lugar quanto à coinfecção HIV/tuberculose no mundo em 2015, o que o fez permanecer na lista de nações de ações prioritárias da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o quadriênio 2016-2020.(3)







O controle da tuberculose no Brasil encontra obstáculos diante da dificuldade histórica em difundir informações sobre a doença de forma mais eficiente, das crises econômicas com impactos negativos nos índices de pobreza, da má distribuição de riquezas, do precário processo de urbanização, do aumento da infecção por HIV, de insatisfatórios níveis de nutrição, de condições sanitárias precárias e do aumento das populações em vulnerabilidade.(7-9) Nesse último grupo destacam-se as pessoas em situação de rua, um grupo de risco especial para a tuberculose por sofrer extrema exclusão social, acesso precário aos serviços de saúde e diversas situações de violência e discriminação, além de possuir vínculos familiares fragilizados ou inexistentes.(7,10,11)







Estudos têm demonstrado(7-9) que essa população apresenta maiores chances de contrair tuberculose, além de apresentar taxas de comorbidades mais altas que as da população geral. No entanto, não há estudos que incorporem um conjunto mais diverso de indicadores relacionados à tuberculose e tampouco uma vasta cobertura territorial. Assim, justifica-se a necessidade de se estudar, no contexto nacional, os desfechos do tratamento dos casos confirmados de tuberculose da população em situação de rua e compará-los com os desfechos do tratamento da população geral. Tais informações permitirão melhor compreensão desse problema sanitário e contribuição no delineamento de políticas de saúde equânimes e efetivas. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi comparar as taxas de sucesso no tratamento, perda de seguimento de tratamento e óbito(4) por tuberculose entre a população em situação de rua e a população geral no Brasil e em suas regiões no ano de 2018.







Foi realizado um estudo transversal com dados obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde (MS). Foram utilizadas as notificações de casos novos de tuberculose (CID-10: A15-A16) de duas populações: população em situação de rua e população geral. Considerou-se caso confirmado de tuberculose aquele que apresentou confirmação clínico-laboratorial ou clínico-epidemiológica de acordo com a definição da Ficha de Notificação/Investigação de Tuberculose do SINAN. (12) Após a exclusão das notificações de populações especiais e daquelas que não possuíam informações sobre a situação de encerramento do caso, foram analisadas 54.608 notificações da população geral e 1.530 notificações de pessoas em situação de rua.







Os desfechos do presente estudo foram sucesso do tratamento, perda de seguimento e óbito por tuberculose. Todos os indicadores foram descritos para o Brasil e suas regiões. Também foram descritas as distribuições dos casos segundo sexo, escolaridade, raça, alcoolismo, tabagismo, AIDS e transtorno mental, conforme registros do SINAN.(12) Os microdados foram exportados para análise utilizando-se o pacote estatístico Stata, versão 14 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA). Para os três desfechos foram calculadas as diferenças relativas entre os grupos, aplicando-se o teste do qui-quadrado de Pearson. Por se tratar de dados públicos anonimizados não foi necessária a aprovação de um comitê de ética em pesquisa.







Observou-se que os casos de tuberculose pulmonar na população em situação de rua e na população geral corresponderam a 91,9% e 81,7% do total, respectivamente. A maior parte dos casos registrados na população em situação de rua e na população geral, respectivamente, ocorreu em homens (83,5% e 65,1%), com ensino fundamental completo (83,2% e 69,8%) e pardos (52,2% e 53,0%). As comorbidades na população em situação de rua, comparadas com as da população geral, foram significativamente distintas quanto a alcoolismo (58,4% vs. 16,8%), tabagismo (50,4% vs. 22,4%), AIDS (21,2% vs. 9,1%) e transtorno mental (7,3% vs. 2,3%).







Quando analisadas as situações de encerramento, observou-se que a população em situação de rua teve aproximadamente a metade da probabilidade de obter sucesso no tratamento quando comparada à da população geral no país. Já as taxas de perda de seguimento e óbito foram 2,9 e 2,5 vezes maiores na população em situação de rua, respectivamente (Tabela 1).







 
















Piores indicadores para a população em situação de rua foram observados em todas as regiões (Tabela 1). A maior proporção do desfecho sucesso no tratamento foi observado na população geral na região Sudeste (75,9%), enquanto a menor proporção foi registrada na região Sul para a população em situação de rua (33,5%). A respeito das notificações de perda de seguimento, a maior desigualdade relativa foi observada no Nordeste, e a maior taxa de perda de seguimento na população em situação de rua foi registrada na região Norte. Quanto aos óbitos, destacaram-se negativamente as regiões Centro-Oeste e Norte. Essas diferenças podem ser atribuídas a dificuldades no acesso aos serviços de saúde, falhas no rastreamento de contatos de pacientes com diagnóstico confirmado de tuberculose e infraestrutura precária.(13) Além disso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Norte e o Nordeste brasileiro são regiões com intensas desigualdades socioeconômicas.(14)







Os resultados observados permitem inferir que a população em situação de rua apresenta especial vulnerabilidade em relação à tuberculose. Esses dados corroboram um estudo realizado no estado de São Paulo que observou que 57,3% das pessoas em situação de rua não obtiveram sucesso no tratamento da tuberculose, principalmente por conta de perda de seguimento (39,0%) e óbitos (10,5%).(9)







O MS estima que aproximadamente 11% dos pacientes com tuberculose abandonam o tratamento antes do período recomendado, o que vai ao encontro dos achados do presente estudo.(3) Esse número representa mais que o dobro da média tolerável pela OMS (5%). (2) Considerando a população em situação de rua, esse cenário se agrava, apresentando uma proporção cerca de três vezes maior (33%) de perda de seguimento que o previsto pelo MS e sete vezes maior do que o aceitável pela OMS.







Independentemente da realidade social e de saúde das regiões no Brasil, a população em situação de rua apresenta piores desfechos relacionados à tuberculose em comparação com a população geral. A rua precisa ser entendida como um território de cuidado construído sob uma ótica estrutural singular, onde vivem sujeitos com autonomia. Para tanto, é necessário romper a ótica biomédica e estimular a criação de vínculos de confiança e respeito entre os sujeitos e as equipes de saúde.(15) Sabe-se que as equipes conhecidas como Consultórios na Rua são a frente de trabalho para o atendimento dessa população. Porém, apesar de um grande número de municípios se enquadrar nos quesitos(16) para a implantação desses consultórios, apenas 30% havia implantado essas equipes até o final de 2016.(17) Mesmo com o aumento do número dessas equipes entre 2016 e 2019 no território nacional,(18) o quadro ainda apresenta-se 40% abaixo do previsto. (16,17) Essa baixa aderência ao programa é influenciada por diversas causas, como indisponibilidade de profissionais para compor as equipes, falta de priorização das necessidades de saúde dessa população e baixo investimento pelo governo federal.(17)







As características de sobrevivência numa situação de rua, as condições de saúde mental, a dependência de substâncias lícitas ou ilícitas, a presença de outras comorbidades, a marginalização social e o baixo acesso aos serviços públicos dificultam o processo de cuidar essa população.(19) Assim, é importante ampliar as oportunidades de acesso desses indivíduos aos serviços de saúde, respeitando-se suas particularidades.(4) Apesar do esforço dos profissionais de saúde, a fragilidade na articulação entre os setores envolvidos na assistência dessa população torna-se, em alguns casos, um empecilho para a efetividade do atendimento(11) e para o cumprimento das metas pactuadas mundialmente. Da mesma forma, logicamente, são necessários crescimento econômico, redução das desigualdades socioeconômicas e políticas sociais eficientes e equânimes para que todas as pessoas tenham suas necessidades supridas, inclusive as de moradia.







Os sistemas de informação em saúde são ferramentas importantes para pesquisas de avaliação e vigilância. Porém, podem apresentar fragilidades quanto a consistência e completude de dados.(20) Há de se considerar a existência de subnotificação de casos de tuberculose no SINAN. Tais fragilidades podem ser potencializadas devido às peculiaridades da população em estudo. De qualquer maneira, os sistemas de informação oficiais de um país são a melhor fonte regular de dados que se tem disponível para todo o território nacional, e seu uso extensivo é uma importante estratégia para qualificar seus registros.







Por fim, vislumbra-se a necessidade de reformulações e de criação de novas ferramentas que consigam contemplar a complexidade da atenção e das necessidades da população em situação de rua. Além disso, faz-se necessário o fortalecimento de ações intersetoriais buscando o cuidado integral e equitativo dessa população com vistas a mudanças efetivas nesse modelo de atenção e, consequentemente, nos indicadores da tuberculose.







CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES







ACES, CB e LSP: elaboração do projeto, análise de dados, revisão e redação do manuscrito; SSS: elaboração do projeto, coleta de dados, análise de dados e redação do manuscrito; e AFB: orientação e supervisão de todas as etapas do estudo, assim como da revisão do manuscrito.







REFERÊNCIAS







1. World Health Organization. World health statistics 2017: monitoring health for the SDGs. Geneva: World Health Organization; 2017.







2. World Health Organization. Global Tuberculosis Report. Executive Summary. Geneva: World Health Organization; 2019.







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4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2020 Mar 1]. Guia de Vigilância em Saúde : 3rd ed. 2019. [Adobe Acrobat document, 741p.]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_saude_3ed.pdf







5. Brasil. Ministério da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2020 Mar 1]. Portaria No 399 de 22 de Fevereiro de 2006. [about 23 screens]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prtGM399_20060222.pdf







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