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Cartas ao Editor

A reabilitação pulmonar diminui os níveis de miostatina plasmática em pacientes com DPOC?

Does pulmonary rehabilitation decrease plasma myostatin levels in patients with COPD?

Cintia Laura Pereira de Araujo1, Ivy Reichert Vital da Silva2, Pedro Dal Lago1

AO EDITOR,

A miostatina, membro da superfamília TGF-β, é um regulador negativo do desenvolvimento e crescimento da musculatura esquelética.(1) Os níveis musculares e circulantes de miostatina encontram-se aumentados em pacientes com DPOC.(2-4) A miostatina parece ser um marcador de capacidade reduzida de regeneração muscular.(2)

A reabilitação pulmonar (RP) é um tratamento bem estabelecido que aumenta a força muscular e a capacidade de exercício, reduzindo assim o impacto da DPOC. Sendo assim, aventamos a hipótese de que os níveis de miostatina diminuiriam após a RP em pacientes com DPOC. Na prática clínica, é mais fácil avaliar a miostatina plasmática do que a muscular, pois esta requer biópsia muscular. No entanto, o efeito da RP sobre os níveis de miostatina plasmática é desconhecido. Os mecanismos de depleção muscular e alterações musculares após a RP seriam melhor compreendidos com mais conhecimento do efeito que a RP exerce sobre os níveis de miostatina plasmática. Sendo assim, nosso objetivo foi investigar os efeitos da RP sobre os níveis de miostatina plasmática em pacientes com DPOC.

O estudo incluiu pacientes com DPOC confirmada por espirometria (estágios II a IV da Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease) que estavam clinicamente estáveis há pelos menos quatro semanas antes da realização do protocolo. Os critérios adicionais foram não fumar há ≥ 6 meses, apresentar carga tabágica ≥ 20 anos-maço e ter ≥ 40 anos de idade. Foram excluídos os pacientes em uso de corticosteroides orais, os que haviam participado de qualquer programa de exercícios no último ano, os que apresentavam outra doença pulmonar que não a DPOC e os que apresentavam qualquer distúrbio musculoesquelético ou neurológico que pudesse comprometer sua capacidade de realizar qualquer um dos exercícios de RP ou avaliações do estudo. Em uma amostra de pacientes sem caquexia, Vogiatzis et al.(5) relataram redução da expressão do RNAm da miostatina no músculo após treinamento de resistência (tamanho do efeito: 1,28; α bicaudal: 0,05). Sendo assim, seriam necessários 8 pacientes para alcançar um poder de 80%. Antevendo a desistência de pacientes e maior variabilidade nos níveis de miostatina plasmática, triplicamos o tamanho da amostra (N = 24). O tamanho da amostra foi calculado por meio do programa estatístico gratuito G*Power, versão 3.1.9.2.

Os níveis de miostatina plasmática, a capacidade de exercício - quantificada pelo teste de caminhada de seis minutos (TC6) e pela distância percorrida no TC6 (DTC6) (6) - e o impacto da RP sobre a DPOC - determinado com o COPD Assessment Test (CAT)(7) - foram avaliados no momento basal, após 24 sessões de RP e após 48 sessões de RP. Cada sessão de RP incluiu treinamento aeróbico, treinamento de força de membros inferiores, treinamento de resistência de membros superiores, educação e orientação nutricional. O treinamento aeróbico foi realizado em esteira por 30 min (inicialmente a 60% da velocidade média do TC6). A intensidade foi aumentada progressivamente de acordo com o nível de dispneia relatado pelo paciente (pontuação na escala de Borg CR10: 4-6). O treinamento de membros inferiores envolveu os músculos quadríceps e tríceps sural com pesos livres ou utilizando uma cadeira extensora (duas séries de 10-15 repetições). O treinamento de membros superiores foi realizado em eixos diagonais com pesos livres ou faixas elásticas. Cada diagonal foi realizada em duas séries de 2 min cada. As primeiras 24 sessões ocorreram três vezes por semana, e as últimas 24, duas vezes por semana. As amostras de sangue foram coletadas e centrifugadas, e o plasma foi então armazenado a −20°C até a análise. A miostatina plasmática total foi determinada por ELISA (kit de Imunoensaio de GDF-8/Miostatina Quantikine® [DGDF80]; R&D System Inc., Minneapolis, MN, EUA) de acordo com as instruções do fabricante. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, na cidade de Porto Alegre (RS), sob o número de referência 836.248.

Os dados são apresentados como médias ± desvios-padrão. As correlações foram analisadas com o teste de Spearman. Equações de estimativas generalizadas, considerando modelo Gamma, e o teste post hoc de Bonferroni foram utilizados para a comparação dos três momentos (momento basal, após 24 sessões de RP e após 48 sessões de RP) em termos de níveis de miostatina plasmática, DTC6 e pontuações no CAT. A significância estatística adotada foi de p < 0,05. Os dados foram analisados por meio do programa IBM SPSS Statistics, versão 20.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA).

No momento basal, os níveis de miostatina plasmática não apresentaram correlação com idade (r = −0,294; p = 0,184), índice de massa corporal (r = 0,272; p = 0,221), VEF1 (r = −0,037; p = 0,869), pontuação no CAT (r = 0,207; p = 0,367) ou DTC6 (r = −0,059; p = 0,793). Dos 24 pacientes incluídos no estudo, 22 (13 homens) completaram 24 sessões de RP. Entre esses 22 pacientes, a média de idade foi de 64,8 ± 7,9 anos, a média da relação VEF1/CVF foi de 0,48 ± 0,1, a média do VEF1 foi de 34,4 ± 13,8% do valor previsto, e a média do índice de massa corporal foi de 27,2 ± 5,1 kg/m2. Apenas 16 dos 24 pacientes completaram todas as 48 sessões de RP.

Embora a capacidade de exercício e o impacto da DPOC tenham melhorado após as primeiras 24 sessões, não houve melhora adicional após a conclusão de todas as 48 sessões de RP (Figuras 1A e 1B). Além disso, não foram encontradas alterações significativas nos níveis de miostatina plasmática após 24 ou 48 sessões de RP (Figura 1C).



Sabe-se que a expressão do RNAm de miostatina no quadríceps correlaciona-se inversamente com a força do quadríceps, a DTC6, a atividade física e a resistência do quadríceps.(3) No entanto, no presente estudo, os níveis de miostatina plasmática não se correlacionaram com a DTC6 ou com a pontuação no CAT. A miostatina plasmática se correlaciona positivamente com a expressão de RNAm de miostatina muscular em controles saudáveis mas não em pacientes com diabetes tipo 2.(8) Ainda não se sabe se a miostatina plasmática reflete a expressão de RNAm de miostatina muscular em pacientes com DPOC.

Estudos anteriores investigaram o efeito do treinamento físico sobre a miostatina muscular em pacientes com DPOC.(5,9,10) Lewis et al.(9) não encontraram alterações na abundância de RNAm de miostatina muscular após treinamento de resistência, administração de testosterona ou uma combinação desses. Troosters et al.(10) observaram que, entre os pacientes hospitalizados com exacerbação da DPOC, os níveis de expressão de RNAm de miostatina eram menores naqueles que foram submetidos a treinamento resistido de quadríceps do que naqueles que não o foram. Por outro lado, Vogiatzis et al.(5) constataram que a miostatina muscular se encontrava reduzida em nível de RNAm e proteína após treinamento em cicloergômetro de alta intensidade, embora apenas nos pacientes sem caquexia. Os autores constataram que a área de secção transversa média das fibras musculares aumentou nos pacientes com e sem caquexia, embora o aumento tenha sido significativamente menor nos pacientes caquéticos. Além disso, os pacientes de ambos os grupos apresentaram diminuição da proporção de fibras do tipo IIB e aumento da relação capilar/fibra, sem diferenças significativas entre os dois grupos.

Embora não haja consenso quanto ao efeito que o treinamento físico exerce sobre a miostatina muscular, sabe-se menos ainda sobre seu efeito sobre a miostatina plasmática. Um estudo relatou que os níveis de miostatina plasmática diminuíram aproximadamente 20% após 10 semanas de treinamento resistido de alta intensidade em homens saudáveis.(11) Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a investigar o efeito do treinamento físico sobre a miostatina circulante em pacientes com DPOC. Em contraste com estudos anteriores, nosso estudo avaliou o impacto da RP que combina exercício resistido e aeróbico.

Uma ressalva crucial na quantificação da miostatina é que os métodos atuais não conseguem distinguir entre suas formas ativa e inativa. Na verdade, a abundância de miostatina talvez não reflita necessariamente atividade de miostatina. É preciso determinar se a relação proporcional entre as duas formas pode se alterar após o treinamento físico. Além disso, a abundância de inibidores endógenos da miostatina ou o grau de interação entre eles e a miostatina talvez seja afetado pelo treinamento físico.

Nosso estudo apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, dada a falta de um grupo controle, não conseguimos investigar o comportamento da miostatina plasmática em pacientes com DPOC que não foram submetidos à RP. Em segundo lugar, informações sobre a expressão de RNAm muscular, a força muscular e o volume muscular enriqueceriam a interpretação dos dados. No entanto, informações sobre a resposta da miostatina plasmática ao exercício são novidades, enquanto a determinação da miostatina plasmática é mais fácil e menos invasiva do que as biópsias musculares na prática clínica.

Em resumo, embora a RP tenha melhorado a capacidade funcional e reduzido o impacto da DPOC nesta amostra de pacientes, os níveis de miostatina plasmática permaneceram estáveis. Há a necessidade de mais estudos que investiguem a relação entre miostatina muscular e plasmática, bem como suas interações com seus inibidores.

APOIO FINANCEIRO

Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; CHAMADA UNIVERSAL MCTI/CNPq no. 14/2014).

CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES

Araujo CLP - concepção da pesquisa, metodologia, análise formal, investigação, recursos, curadoria de dados, redação do texto original, administração do projeto, aquisição de financiamento e aprovação da versão final. Silva IRV - metodologia da pesquisa, análise formal, investigação, recursos, redação do texto original e aprovação da versão final. Dal Lago P - concepção da pesquisa, metodologia, curadoria de dados, investigação, recursos, redação do texto original, revisão, edição, supervisão, administração do projeto, aquisição de financiamento e aprovação da versão final.

REFERÊNCIAS

1. McPherron AC, Lawler AM, Lee SJ. Regulation of skeletal muscle mass in mice by a new TGF-beta superfamily member. Nature. 1997;387(6628):83-90. https://doi.org/10.1038/387083a0
2. Plant PJ, Brooks D, Faughnan M, Bayley T, Bain J, Singer L, et al. Cellular markers of muscle atrophy in chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Cell Mol Biol. 2010;42(4):461-471. https://doi.org/10.1165/rcmb.2008-0382OC
3. Man WD, Natanek SA, Riddoch-Contreras J, Lewis A, Marsh GS, Kemp PR, et al. Quadriceps myostatin expression in COPD. Eur Respir J. 2010;36(3):686-688. https://doi.org/10.1183/09031936.00032510
4. Ju CR, Chen RC. Serum myostatin levels and skeletal muscle wasting in chronic obstructive pulmonary disease. Respir Med. 2012;106(1):102-108. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2011.07.016
5. Vogiatzis I, Simoes DC, Stratakos G, Kourepini E, Terzis G, Manta P, et al. Effect of pulmonary rehabilitation on muscle remodelling in cachectic patients with COPD. Eur Respir J. 2010;36(2):301-310. https://doi.org/10.1183/09031936.00112909
6. Holland AE, Spruit MA, Troosters T, Puhan MA, Pepin V, Saey D, et al. An official European Respiratory Society/American Thoracic Society technical standard: field walking tests in chronic respiratory disease. Eur Respir J. 2014;44(6):1428-1446. https://doi.org/10.1183/09031936.00150314
7. Silva GP, Morano MT, Viana CM, Magalhães CB, Pereira ED. Portuguese-language version of the COPD Assessment Test: validation for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2013;39(4):402-408. https://doi.org/10.1590/S1806-37132013000400002
8. Brandt C, Nielsen AR, Fischer CP, Hansen J, Pedersen BK, Plomgaard P. Plasma and muscle myostatin in relation to type 2 diabetes. PLoS One. 2012;7(5):e37236. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0037236
9. Lewis MI, Fournier M, Storer TW, Bhasin S, Porszasz J, Ren SG, et al. Skeletal muscle adaptations to testosterone and resistance training in men with COPD. J Appl Physiol (1985). 2007;103(4):1299-1310. https://doi.org/10.1152/japplphysiol.00150.2007
10. Troosters T, Probst VS, Crul T, Pitta F, Gayan-Ramirez G, Decramer M, et al. Resistance training prevents deterioration in quadriceps muscle function during acute exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2010;181(10):1072-1077. https://doi.org/10.1164/rccm.200908-1203OC
11. Walker KS, Kambadur R, Sharma M, Smith HK. Resistance training alters plasma myo-statin but not IGF-1 in healthy men. Med Sci Sports Exerc. 2004;36(5):787-793. https://doi.org/10.1249/01.MSS.0000126384.04778.29

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