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Cartas ao Editor

Resumo dos anais de uma reunião sobre o tratamento da infecção latente por Mycobacterium tuberculosis em populações-alvo no Brasil

A summary of the proceedings of a meeting on the treatment of latent tuberculosis infection in target populations in Brazil

Valeria Rolla1, Anete Trajman2,3, Masae Kawamura4, Solange Cavalcante1,5, Elizabeth Soares5, Filipe de Barros Perini6, Anna Cristina Calçada Carvalho7, Julio Croda8,9, Jose Roberto Lapa e Silva3, LTBI Brazilian discussion group

AO EDITOR:

Uma visão geral do diagnóstico e tratamento da infecção latente por Mycobacterium tuberculosis (ILTB) foi produzida durante uma reunião de especialistas em tuberculose na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, em 18 de julho de 2018. Os especialistas discutiram as ferramentas para o diagnóstico da ILTB e as políticas em evolução sobre o método preferido de testagem, seja o interferon-gamma release assay (IGRA, teste de liberação de interferon-gama), seja o teste tuberculínico (TT), sendo esse último o método padrão para o diagnóstico de ILTB no Brasil. Diretrizes brasileiras atuais recomendam o tratamento de todos os contatos de casos de tuberculose pulmonar nos quais a ILTB seja detectada com base em um TT ou IGRA positivo, independentemente da idade, após a exclusão de tuberculose ativa.(1) Embora os IGRAs estejam disponíveis comercialmente no Brasil, eles não foram incorporados ao Sistema Único de Saúde.

Em 2015 e 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu políticas sobre o gerenciamento de ILTB que deixaram de proibir o uso de IGRAs para o diagnóstico de ILTB em países de baixa e média renda para afirmar que os IGRAs são intercambiáveis com TTs para o diagnóstico de ILTB.(2)

As proteínas da tuberculina se sobrepõem às proteínas presentes na vacina BCG, resultando em TTs com baixa especificidade, estimada em 59% entre as pessoas vacinadas com BCG.(3) O QuantiFERON-TB Gold Plus (QFT-Plus), um IGRA de quarta geração, tem um tubo adicional de células T CD8+, com melhorias na fabricação e opções flexíveis de coleta de sangue. Dados recentes mostram uma sensibilidade aprimorada do QFT-Plus na tuberculose ativa comprovada por cultura quando comparada à versão anterior, conhecida como ensaio QuantiFERON-TB Gold-in-Tube.(4) Estudos demonstraram uma correlação das respostas CD8 com tuberculose ativa e exposição recente ao patógeno.

Na reunião de especialistas em tuberculose, foram discutidos os prós e contras do uso de IGRAs. As vantagens dos ensaios QFT sobre os TTs incluem maior especificidade, o que reduz o número de pessoas erroneamente diagnosticadas com ILTB e, consequentemente, o número necessário para tratar. Além disso, os IGRAs não precisam de uma segunda visita do paciente ao serviço para se obter resultados. Ainda, diferentemente dos TTs, os testes QFT não induzem um efeito booster se um indivíduo for testado novamente. Adicionalmente, o resultado do QFT é objetivo e não é afetado pela vacinação prévia com BCG. Finalmente, o controle de qualidade dos resultados dos testes é mais facilmente alcançado com os ensaios QFT.(3) No entanto, a desvantagem dos IGRAs é seu preço mais alto, menor custo-efetividade no Brasil em comparação com os TTs(5) e a necessidade de uma rede de laboratórios para executar os testes no setor público.

Apesar das vantagens oferecidas pelos testes QFT, houve consenso entre os participantes de que QFT e TT são testes razoavelmente bons para a detecção de ILTB, apesar de suas limitações. Embora a especificidade do TT seja menor em populações vacinadas com BCG,(6) especialmente entre indivíduos revacinados após o primeiro ano de vida, a vacinação com BCG pode ter um impacto menor no Brasil, pois quase todas as crianças no país são vacinadas apenas uma vez, no primeiro mês de vida. Portanto, um TT positivo (ou IGRA) em um contato com um paciente com tuberculose pulmonar ou em pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) deve ser considerado como alta probabilidade de ILTB e deve ser tratado como tal, quando aplicável. O valor preditivo superior dos IGRAs é controverso, e meta-análises apresentaram resultados conflitantes. Em crianças, os TTs também têm sido úteis para diagnosticar tuberculose ativa como parte de um sistema de pontuação. Acima de tudo, o benefício derivado do tratamento de ILTB em PVHA com base em um TT positivo foi demonstrado em vários estudos. (7) No entanto, existem poucos dados sobre o uso de IGRAs na predição de pacientes que se beneficiarão do tratamento para ILTB.

A OMS recomenda que o tratamento para ILTB seja oferecido a indivíduos em alguns grupos de alto risco, como crianças menores de 5 anos e PVHA, sem testagem ou independentemente do resultado do teste, a fim de se evitar oportunidades perdidas.(2) Os principais obstáculos do sistema de saúde, as barreiras políticas e os desafios para o uso mais amplo do tratamento da ILTB incluem a falta de recomendações robustas, a escassez de testes diagnósticos e medicamentos, a necessidade de um sistema de vigilância/notificação mais robusto e o financiamento insuficiente.

Na reunião, dados sobre co-infecção tuberculose/HIV foram apresentados por um representante do Ministério da Saúde do Brasil, que afirmou que a tuberculose continua sendo a principal causa de morte por um agente infeccioso entre PVHA no Brasil. Dos aproximadamente 70.000 novos casos de tuberculose notificados anualmente, aproximadamente 9,5% ocorrem em PVHA. Apesar do aumento na proporção de novos casos de tuberculose testados para infecção por HIV nos últimos anos (76,3% em 2016), uma testagem abrangente para HIV ainda é um desafio. Diretrizes brasileiras publicadas em junho de 2018(1) recomendam que todos os pacientes com HIV com uma contagem de células CD4+ < 350 células/mm3 sejam tratados para ILTB, assumindo-se que a tuberculose ativa tenha sido excluída, sem a necessidade de um TT ou IGRA.

Pessoas privadas de liberdade são candidatas plausíveis à triagem de tuberculose porque são "amplificadores institucionais" da tuberculose. As evidências genotípicas dão suporte à ligação da transmissão entre casos de tuberculose nas prisões e a população em geral.(8)

A seguir, é apresentado um resumo dos principais pontos discutidos na reunião de especialistas em tuberculose no Rio de Janeiro:

1. Uma rede de contatos próximos de cada caso de tuberculose pulmonar deve ser registrada para que os contatos possam ser rastreados e tratados para ILTB.
2. Cada instituição de saúde deve usar dados locais para identificar grupos de risco como alvos e criar uma cascata de diagnóstico e tratamento de ILTB.
3. Todas as iniciativas de novas políticas e variáveis para cada etapa da cascata de diagnóstico e tratamen-to de ILTB devem ser monitoradas para avaliar o desempenho e o progresso do programa.
4. Os resultados dos testes, incluindo TTs e radiografias de tórax, não devem criar uma barreira ao acesso à terapia preventiva para as populações mais vulneráveis, como as PVHA e crianças com menos de 5 anos de idade.
5. A contagem de células CD4+ não deve criar uma barreira para o acesso ao tratamento de ILTB para as PVHA.
6. Os ensaios de QFT podem desempenhar um papel importante no caso de escassez contínua de TTs como uma alternativa aos TTs em alguns contextos e para populações-alvo, como as PVHA. Há uma necessi-dade de uma rede de laboratórios para promover a incorporação futura de ensaios QFT na rotina dos serviços públicos de saúde e uma atualização das análises de custo-efetividade, bem como análises eco-nômicas em relação a outras populações-alvo.
7. As crianças se beneficiarão de esquemas de curta duração com rifampicina para ILTB. Um curso de qua-tro meses de rifampicina é mais seguro do que o tratamento apenas com isoniazida ou com qualquer ou-tro esquema(9,10) e foi incluído como uma opção nas diretrizes nacionais brasileiras.
8. Oferecer à população privada de liberdade tratamento para ILTB no momento de sua libertação da prisão poderia ser uma abordagem prioritária de inovação para reduzir o impacto da transmissão da tuberculo-se na comunidade.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil. 2nd ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.
2. Latent tuberculosis infection: updated and consolidated guidelines for programmatic management. Geneva: World Health Organization; 2018. PMID: 30277688
3. Trajman A, Steffen RE, Menzies D. Interferon-Gamma Release Assays versus Tuberculin Skin Testing for the Diagnosis of Latent Tuberculosis Infection: An Overview of the Evidence. Pulm Med. 2013;2013:601737. https://doi.org/10.1155/2013/601737
4. Sotgiu G, Saderi L, Petruccioli E, Aliberti S, Piana A, Petrone L, et al. QuantiFERON TB Gold Plus for the diagnosis of tuberculosis: a systematic review and meta-analysis. J Infect. 2019;79(5):444-453. https://doi.org/10.1016/j.jinf.2019.08.018
5. Steffen RE, Caetano R, Pinto M, Chaves D, Ferrari R, Bastos M, et al. Cost-effectiveness of Quantiferon®-TB Gold-in-Tube versus tuberculin skin testing for contact screening and treatment of latent tuberculosis infection in Brazil. PLoS One. 2013;8(4):e59546.https://doi.org/10.1371/journal.pone.0059546
6. Zwerling A, Behr MA, Verma A, Brewer TF, Menzies D, Pai M. The BCG World Atlas: a database of global BCG vaccination policies and practices. PLoS Med. 2011;8(3):e1001012. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1001012
7. Akolo C, Adetifa I, Shepperd S, Volmink J. Treatment of latent tuberculosis infection in HIV infected persons. Cochrane Database Syst Rev. 2010;2010(1):CD000171. https://doi.org/10.1002/14651858.CD000171.pub3
8. Mabud TS, de Lourdes Delgado Alves M, Ko AI, Basu S, Walter KS, Cohen T, et al. Evaluating strategies for control of tuberculosis in prisons and prevention of spillover into communities: An observational and modeling study from Brazil [published correction appears in PLoS Med. 2019 Mar 1;16(3):e1002764]. PLoS Med. 2019;16(1):e1002737. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1002737
9. Diallo T, Adjobimey M, Ruslami R, Trajman A, Sow O, Obeng Baah J, et al. Safety and Side Effects of Rifampin versus Isoniazid in Children. N Engl J Med. 2018;379(5):454-463. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1714284
10. Stagg HR, Zenner D, Harris RJ, Muñoz L, Lipman MC, Abubakar I. Treatment of latent tuberculosis infection: a network meta-analysis. Ann Intern Med. 2014;161(6):419-428. https://doi.org/10.7326/M14-1019

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