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Cartas ao Editor

Pensando dentro da caixa: cuidados com o nebulizador, armazenamento seguro e risco de infecção na fibrose cística

Thinking inside the box: nebulizer care, safe storage, and risk of infection in cystic fibrosis

Lauren Alexander1,2, Jane Carson1,2, John McCaughan1,3, John Edmund Moore1,4, Beverley Cherie Millar1,4

AO EDITOR,

Recomenda-se aos pacientes com fibrose cística (FC) que lavem e desinfetem seus nebulizadores regularmente, idealmente após cada uso,(1) tanto para garantir a manutenção adequada dos dispositivos (para que a liberação de medicamentos seja ideal) como para minimizar os riscos de infecção. No entanto, as práticas de higiene de nebulizadores variam dependendo do paciente - pediátrico(2,3) ou adulto - e do ambiente - doméstico(2) ou hospitalar.(4) Recentemente, Riquena et al.(5) demonstraram a contaminação de 71,6% dos nebulizadores usados por pacientes com FC cronicamente colonizados por Pseudomonas aeruginosa. Os nebulizadores estavam contaminados por organismos clinicamente significativos, incluindo Stenotrophomonas maltophilia (11,9%), P. aeruginosa não mucoide (4,8%), Staphylococcus aureus (4,8%) e complexo Burkholderia cepacia (2,4%), bem como por leveduras e fungos filamentosos. De modo geral, essa contaminação foi exacerbada pelo uso de água da torneira e pela secagem dos nebulizadores ao ar livre, além da higienização ruim dos nebulizadores por parte dos pacientes.

Recentemente, os centros de FC do Reino Unido chamaram a atenção para a prática comum de lavar e armazenar dispositivos limpos em caixas plásticas lacradas.(4) Como não há evidências na literatura a respeito dos microrganismos encontrados nas caixas de armazenamento de nebulizadores, examinamos a microbiologia de caixas desse tipo usadas por pacientes durante internações hospitalares. Nosso objetivo foi contribuir com recomendações de práticas seguras de armazenamento de nebulizadores após a limpeza/desinfecção.

Coletamos 24 caixas plásticas descartáveis de armazenamento (dimensões aproximadas: 152 mm de comprimento × 98 mm de largura × 68 mm de profundidade) usadas durante a internação hospitalar de 15 pacientes pediátricos e uma caixa controle nova/jamais usada. Todas as análises microbiológicas foram realizadas às cegas. Culturas microbiológicas foram realizadas assepticamente em cada caixa por meio da adição de 18 mL de salina peptonada a 0,1% (p/v) (CM0733; Oxoid Ltd., Basingstoke, Reino Unido) e da agitação do diluente durante 10 min. O líquido resultante foi cultivado aerobicamente em ágar Columbia (CM0331; Oxoid Ltd.) suplementado com sangue desfibrinado de cavalo a 5% (v/v) (SR0050; Oxoid Ltd.) a 37°C/48 h, bem como em caldo de enriquecimento não seletivo (Mueller-Hinton Broth; CM0405; Oxoid Ltd.) a 37°C/48 h e em ágar Sabouraud dextrose com cloranfenicol (PO0161; Oxoid Ltd.) a 25°C/5 dias, para a detecção de leveduras/fungos. As colônias bacterianas resultantes foram identificadas por meio de espectrometria de massa (matrix-assisted laser desorption ionization time-of-flight mass spectrometry), e as colônias fúngicas foram identificadas por meio de sequenciamento de espaçadores internos transcritos/PCR/DNA. A análise microbiológica das caixas foi em seguida comparada à microbiologia contemporânea do escarro dos respectivos pacientes.

Em 80% dos pacientes, pelo menos uma das caixas de armazenamento apresentou resultado positivo para bactérias (Tabela 1). No geral, 20 caixas (83%) apresentaram resultado positivo para bactérias; entretanto, a maioria (65%) apresentou taxa de contaminação < 103 UFC/caixa, ao passo que 15% das caixas positivas apresentaram taxa de contaminação de 103-104 UFC/caixa; o restante (20%) apresentou taxa de contaminação de 104-105 UFC/caixa. A caixa mais contaminada apresentou taxa de contaminação de 5,4 × 104 UFC/caixa. A diversidade bacteriana revelou um predomínio de flora Gram-positiva, com 15 gêneros e 22 espécies. Micrococcus luteus e Dermacoccus nishinomiyaensis foram as espécies mais comumente isoladas; estafilococos coagulase-negativos e estreptococos (orais) do grupo viridans apresentaram a maior diversidade de espécies em seus respectivos gêneros. As bactérias Gram-negativas foram a minoria (8,3% das espécies bacterianas isoladas): Stenotrophomonas maltophilia e Neisseria flava/perflava/subflava. Fungos foram isolados em 4 (26,7%) de 15 caixas e incluíram Penicillium sp., Penicillium expansum, Cladosporium sp. e Candida albicans.



À exceção de Stenotrophomonas maltophilia, nenhum dos organismos identificados pertencia ao grupo dos que são considerados os principais patógenos da FC. Nenhuma das caixas apresentou crescimento de organismos contemporâneos aos encontrados no escarro dos pacientes (Tabela 1). A maioria dos organismos identificados era oriunda da pele, boca ou garganta/orofaringe. Diferentemente do estudo de Riquena et al.,(5) um estudo recente realizado nos EUA(3) demonstrou que nebulizadores usados por pacientes pediátricos com FC estavam contaminados; os contaminantes microbianos mais frequentemente observados foram estreptococos viridans, Micrococcus sp., estafilococos coagulase-negativos e Candida albicans . Nossos achados em relação às caixas de armazenamento concordam plenamente com os do estudo realizado nos EUA(3) no que tange à contaminação bacteriana. Além disso, nosso estudo demonstrou a presença de leveduras e fungos, como o fez o estudo realizado no Brasil.(5) Os fungos podem ter ocorrido em virtude de secagem inadequada das peças do nebulizador antes do armazenamento, o que enfatiza a importância da secagem completa antes do armazenamento.

Portanto, qual é a relevância da ampla contaminação das caixas de armazenamento por organismos orais e ambientais? Embora não se acredite que os organismos detectados sejam clinicamente significativos, eles podem abrigar determinantes genéticos de resistência a antibióticos e, se nebulizados, poderiam atuar como um reservatório para que esses determinantes fossem transferidos horizontalmente para patógenos estabelecidos da FC no pulmão, aumentando assim a carga de resistência antimicrobiana. São, portanto, necessários estudos para elucidar o potencial desses eventos de transferência horizontal de genes de organismos não patogênicos para organismos patogênicos.

A eficiência da limpeza e desinfecção do nebulizador afetará diretamente o estado de higiene das caixas usadas para seu armazenamento. Portanto, em conformidade com as evidências atuais, os pacientes devem lavar e desinfetar seus nebulizadores após cada uso, por meio de esterilização a vapor em um esterilizador de mamadeiras, e deixá-los no esterilizador até que seja necessário usá-los novamente.(6) Caso o armazenamento no esterilizador a vapor não seja prático, é preciso que, após a esterilização, o nebulizador seja completamente seco ao ar e colocado sobre papel absorvente em uma caixa de armazenamento limpa e específica para esse propósito, separada daquela usada para lavar o nebulizador.

CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES

Todos os autores contribuíram para o desenho, execução, análise e redação desta carta.

FONTES DE FINANCIAMENTO

Todos os autores são membros do Northern Ireland Working Group on Nebuliser Care and Hygiene in Cystic Fibrosis (Grupo de Trabalho da Irlanda do Norte sobre Cuidados e Higiene de Nebulizadores na Fibrose Cística), que recebeu um subsídio educacional médico irrestrito da Vertex Pharmaceuticals Incorporated (Subsídio n. ME-2015-104608). A Vertex Pharmaceuticals Incorporated não teve nenhuma participação no desenho do estudo; na coleta, análise e interpretação dos dados; na redação do artigo; na decisão de enviar o artigo para publicação.

REFERÊNCIAS

1. Saiman L, Siegel JD, LiPuma JJ, Brown RF, Bryson EA, Chambers MJ, et al. Infection prevention and control guideline for cystic fibrosis: 2013 update. Infect Control Hosp Epidemiol. 2014;35 Suppl 1:S1-S67. https://doi.org/10.1086/676882
2. MacFarlane M, Carson L, Crossan A, Bell J, Moore JE, Millar BC. Nebuliser cleaning and disinfection practice in the home among patients with cystic fibrosis. J Infect Prev. 2019. http://dx.doi.org/10.1177/1757177419855603 [Epub ahead of print]
3. Murray TS, O'Rourke TK Jr, Feinn R, Drapeau G, Collins MS. Nebulizer cleaning and disinfection practices in families with cystic fibrosis: The relationship between attitudes, practice and microbe colonization. J Cyst Fibros. 2019. pii: S1569-1993(19)30112-2. https://doi.org/10.1016/j.jcf.2019.05.008 [Epub ahead of print]
4. Bell J, Moore JE, Millar BC. Cleaning of inpatient nebulizer devices in cystic fibrosis patients: the urgent need for universal guidelines. J Hosp Infect. 2018;100(3):e64-e66. https://doi.org/10.1016/j.jhin.2018.06.025
5. Riquena B, Monte LFV, Lopes AJ, Silva-Filho LVRFD, Damaceno N, Aquino EDS, et al. Microbiological contamination of nebulizers used by cystic fibrosis patients: an underestimated problem. J Bras Pneumol. 2019;45(3):e20170351. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20170351
6. Hohenwarter K, Prammer W, Aichinger W, Reychler G. An evaluation of different steam disinfection proto-cols for cystic fibrosis nebulizers. J Cyst Fibros. 2016;15(1):78-84. https://doi.org/10.1016/j.jcf.2015.07.005

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