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Tradução e adaptação transcultural para a língua portuguesa usada no Brasil de Richards-Campbell Sleep Questionnaire e Sleep in the Intensive Care Unit Questionnaire

The Richards-Campbell Sleep Questionnaire and Sleep in the Intensive Care Unit Questionnaire: translation to Portuguese and cross-cultural adaptation for use in Brazil

Samia Khalil Biazim1, Daniela Almeida Souza2, Hipólito Carraro Junior3, Kathy Richards4, Silvia Valderramas5

ABSTRACT

Objective: To translate the Richards-Campbell Sleep Questionnaire (RCSQ) and Sleep in the Intensive Care Unit Questionnaire (SICUQ) to Portuguese, making the appropriate cross-cultural adaptations for their use in Brazil, as well as to determine the interobserver reliability of the instruments. Methods: In this study, we evaluated medical and surgical patients admitted to the adult ICU of the Federal University of Paraná Hospital de Clínicas, in the city of Curitiba, Brazil, between June of 2017 and January of 2018. The translation and cross-cultural adaptation of the questionnaires involved the following steps: translation, synthesis, back-translation, revision by an expert panel, approval of the back-translation by the original authors, pretesting, and creation of the final versions. Two researchers applied the Portuguese-language versions in the evaluation of critically ill patients. Interobserver reliability was assessed by calculating the intraclass correlation coefficient (ICC) and 95% CI. Results: The sample comprised 50 patients, of whom 27 (54%) were women. The mean age was 47.7 ± 17.5 years. The main reason for ICU admission, in 10 patients (20%), was cancer. The interobserver reliability of the questionnaires ranged from good to excellent. For the RCSQ, the ICC was 0.84 (95% CI: 0.71-0.90). For SICUQ domains 1-5 (sleep quality and daytime sleepiness), the ICC was 0.75 (95% CI: 0.55-0.86), whereas it was 0.86 (95% CI: 0.76-0.92) for SICUQ domains 6 and 7 (causes of sleep disruption). Conclusions: The cross-culturally adapted, Portuguese-language versions of the RCSQ and SICUQ appear to have good interobserver reliability.

Keywords: Sleep; Intensive care units; Sleep deprivation; Surveys and questionnaires; Translations; Cross-cultural comparison.

RESUMO

Objetivo: Traduzir e adaptar transculturalmente o Richards-Campbell Sleep Questionnaire, designado Questionário de Sono Richards-Campbell (QSRC), e Sleep in the Intensive Care Unit Questionnaire, designado Questionário de Sono em UTI (QS-UTI), para a língua portuguesa do Brasil e determinar a confiabilidade interobservador dos instrumentos. Métodos: O estudo incluiu pacientes clínicos e cirúrgicos da UTI Adulto do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, localizado em Curitiba (PR) entre junho de 2017 e janeiro de 2018. A tradução e a adaptação transcultural seguiram as seguintes etapas: tradução, síntese das versões, tradução reversa, revisão pelo comitê de especialistas, aprovação dos autores originais, pré-teste e versão final dos questionários. As versões na língua portuguesa foram utilizadas por dois pesquisadores na avaliação dos pacientes críticos. A confiabilidade interobservador foi avaliada pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI) e IC95%. Resultados: A amostra foi composta por 50 pacientes, sendo a maioria mulheres (n = 27; 54%). A média de idade foi de 47,7 ± 17,5 anos. O principal motivo de internação foram doenças oncológicas (n = 10; 20%). Os questionários demonstraram de boa a alta confiabilidade interobservador. Para o QSRC, observou-se um CCI = 0,84 (IC95%: 0,71-0,90); para o QS-UTI, observou-se, para os domínios de 1 a 5, um CCI = 0,75 (IC95%: 0,55-0,86) e, para os domínios 6 e 7, um CCI = 0,86 (IC95%: 0,76-0,92). Conclusões: Os resultados de confiabilidade interobservador permitem que as versões traduzidas e adaptadas transculturalmente para o português do Brasil dos questionários QSRC e do QS-UTI sejam utilizadas como importantes ferramentas de avaliação do sono nas UTIs de adultos no Brasil.

Palavras-chave: Sono; Unidades de terapia intensiva; Privação do sono; Inquéritos e questionários; Traduções; Comparação transcultural.

INTRODUÇÃO

O sono é considerado um importante restaurador de doenças e lesões. A interrupção do sono está associada à disfunção do sistema imunológico, diminuição da resistência a infecções, alterações no equilíbrio do nitrogênio, prejuízo na cicatrização de feridas e consequências cardiorrespiratórias e neurológicas negativas.(1) Em pacientes hospitalizados, aspectos como dor, ansiedade, efeitos de medicamentos, estímulos ambientais e intervenções médicas e de cuidados, além da própria doença aguda, contribuem para afetar a quantidade e qualidade do sono.(2,3)

Na UTI são encontradas alterações significativas na arquitetura do sono. Os pacientes apresentam sono fortemente fragmentado e distúrbios do ritmo circadiano com latências de sono prolongadas, despertares frequentes e reduzida eficiência noturna do sono.(4,5) Os distúrbios do sono são considerados uma complicação frequentemente negligenciada, com prevalência em mais de 50% dos pacientes criticamente doentes, especialmente aqueles muito graves e sépticos.(6-11)

Para uma investigação adequada dos distúrbios do sono, podem-se utilizar a avaliação clínica, métodos objetivos e métodos subjetivos. Dentre os métodos objetivos, a polissonografia é o exame padrão ouro de monitoramento do sono e pode fornecer informações sobre os estágios e ciclos do sono dos pacientes.(12) No entanto, para a realização desse exame, é necessário um local com estrutura física adequada e recursos humanos com treinamento específico, o que exige um investimento financeiro muitas vezes elevado, dificultando sua disponibilidade no âmbito hospitalar, principalmente nas UTIs.(5,13,14)

Entre os métodos subjetivos de avaliação do sono na UTI, existem questionários usados tanto na rotina clínica quanto em protocolos de pesquisa. Esses questionários são utilizados para fins diagnósticos e de avaliação da resposta ao tratamento, assim como em estudos epidemiológicos e ensaios clínicos. São, na maioria dos casos, os únicos meios possíveis na prática clínica para se avaliar o sono diariamente à beira do leito devido a seu baixo custo, praticidade e rapidez.(9,15,16) Dos questionários mais utilizados no ambiente de UTIs que avaliam a qualidade do sono, o Richards-Campbell Sleep Questionnaire, denominado Questionário de Sono Richards-Campbell (QSRC), e o Sleep in the Intensive Care Unit Questionnaire, denominado Questionário de Sono em UTI (QS-UTI), mostram vantagens quanto a sua aplicabilidade e conteúdo.(17,18)

Esses instrumentos, porém, foram formulados em língua inglesa e direcionados para suas respectivas populações. A fim de que possam ser aplicados no Brasil, o processo de tradução e adaptação transcultural para a língua portuguesa é necessário, visto que a língua original apresenta suas próprias características. Esse processo não se resume em uma comum tradução de conteúdo e deve ser realizado de forma criteriosa, seguindo metodologias recomendadas pela literatura.(19-21)

Desse modo, o objetivo do presente estudo foi realizar a tradução e a adaptação transcultural dos instrumentos QSRC e QS-UTI para a língua portuguesa usada no Brasil e verificar a confiabilidade interobservador dos questionários.

MÉTODOS

O estudo obteve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR), localizado na cidade de Curitiba (PR), conforme o parecer no. 2.342.453. O desenvolvimento do estudo ocorreu na UTI Adulto do HC/UFPR, que apresenta 14 leitos ativos com quartos privativos, entre junho de 2017 e janeiro de 2018.

O QSRC(17) é utilizado para avaliar a qualidade do sono em pacientes elegíveis na UTI. Foi validado contra registros de polissonografia, obtendo uma excelente consistência interna e correlação moderada. Consiste em um questionário autoaplicável de cinco itens, usados para avaliar a profundidade do sono percebida, a latência do sono (tempo para dormir) e despertares, assim como a eficiência e a qualidade do sono. Adaptado em estudos posteriores,(22-24) o questionário incluiu um sexto item: avaliação do barulho noturno percebido. Cada item do QSRC tem sua resposta registrada pelo paciente em uma escala visual analógica de 0 mm a 100 mm, e os escores mais altos representam melhor sono. O escore médio dos cinco itens é conhecido como escore total e representa a percepção global do sono.

O QS-UTI,(18) além de avaliar a qualidade do sono em pacientes críticos, coleta dados sobre uma variedade de fatores ambientais e da rotina de cuidados, conhecidos por interromper o sono. Primeiramente, os pacientes avaliam a qualidade global do sono em casa nas semanas anteriores a sua admissão na UTI, em uma escala de 1 a 10 (1 = ruim; 10 = excelente) e a qualidade global do sono durante a permanência na UTI, assim como a qualidade do sono no primeiro dia, na metade e no final da permanência na UTI. Os pacientes também determinam o nível global de sonolência diurna durante a permanência na UTI utilizando uma escala de 1 a 10 (1 = incapaz de ficar acordado; 10 = totalmente alerta e acordado), assim como o nível global de sonolência diurna no primeiro dia, na metade e no final da permanência na UTI. O efeito dos estímulos ambientais sobre a interrupção do sono é observado também em uma escala de 1 a 10 (1 = sem interrupção; 10 = interrupção significativa) e inclui barulho, luminosidade, cuidados da enfermagem (banhos), exames (radiografias de tórax), avaliação dos sinais vitais, coletas de sangue e administração de medicamentos. Assim como em outro estudo,(25) acrescentou-se o item "dor" entre os estímulos ambientais avaliados. Por fim, os pacientes avaliam o efeito dos diferentes barulhos presentes na UTI sobre a interrupção do sono usando uma escala de 1 a 10 (1 = sem interrupção; 10 = interrupção significativa). Os barulhos avaliados incluem os alarmes do monitor cardíaco, sons e alarmes do ventilador mecânico, sons da oximetria de pulso, conversas entre os membros da equipe, alarmes de bombas de infusão, sons de nebulizações e vácuos, sons de televisão e sons dos telefones dos médicos e da UTI.

O presente estudo metodológico foi autorizado pelos idealizadores dos instrumentos QSRC e QS-UTI: Dra. Kathy Richards e Dr. Neil Freedman, respectivamente. (17,18) Ambos foram desenvolvidos nos EUA na língua inglesa.(17,18) Apenas o QSRC apresenta tradução e validação em língua alemã, chinesa e iraniana, também chamada de farsi.(26-28)

O processo de tradução e adaptação transcultural seguiu os critérios metodológicos recomendados por literatura especializada,(21,29-31) composto pelas seguintes etapas: 1) tradução e concordância: após a autorização dos autores originais, os questionários foram traduzidos para a língua portuguesa usada no Brasil por dois tradutores independentes (T1 e T2), nativos na língua portuguesa e fluentes na língua inglesa; um dos tradutores tinha conhecimento dos questionários e do objetivo do presente estudo; o outro não estava familiarizado com os questionários; 2) síntese das traduções: os dois tradutores, juntamente com o grupo de pesquisa, analisaram detalhadamente as versões independentemente traduzidas e utilizaram uma abordagem de consenso para resolver eventuais discrepâncias existentes, produzindo uma versão consensual; 3) tradução reversa: a versão consensual na língua portuguesa foi reversamente traduzida para o idioma original por dois tradutores independentes, nativos na língua inglesa e fluentes na língua portuguesa, sendo que ambos desconheciam as versões originais dos questionários; 4) revisão pelo comitê de especialistas: um comitê multiprofissional, composto por um especialista em pesquisas metodológicas, médicos, fisioterapeutas e todos os tradutores envolvidos no processo, realizou a comparação entre os questionários originais e as traduções reversas. Seu papel foi identificar possíveis divergências e realizar os ajustes necessários, formulando as versões finais das traduções reversas dos questionários; 5) aprovação dos autores originais: as versões finais reversamente traduzidas para o inglês foram enviadas aos autores originais para suas avaliações e comentários. O comitê de especialistas analisou as considerações dos autores originais, sendo integradas suas sugestões e criadas as versões pré-teste em português; 6) pré-teste na população-alvo e versão final dos questionários: com as versões pré-teste dos questionários foi realizado um treinamento padronizado com dois avaliadores (AV1 e AV2), fisioterapeutas especialistas e atuantes em UTI, a respeito do uso e pontuação dos mesmos. Posteriormente, executou-se um estudo piloto com 11 pacientes, no qual os avaliadores aplicaram os questionários conforme a metodologia descrita nos artigos originais.(17,18) O objetivo dessa etapa foi apontar dificuldades durante o uso dos questionários e estabelecer as versões finais (Figura 1).



A coleta de dados foi realizada pelos avaliadores de forma cega e independente. O tempo de aplicação dos questionários, entre um avaliador e outro, ocorreu em torno de 30 min, sendo que a função de avaliador e observador era trocada a cada 5 pacientes. Cada avaliador foi responsável por metade das avaliações. Na tentativa de evitar vieses, as fichas das pontuações eram separadas sem comunicação entre os avaliadores. Foram coletadas informações sobre idade, sexo, motivo da internação, tempo de internação, uso de ventilação mecânica, uso de drogas vasoativas, escores de Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II,(29) entre outros.

Os participantes integraram uma amostra de conveniência, composta por pacientes clínicos e cirúrgicos. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade ≥ 18 anos, que permaneceram ≥ 72 h na UTI do HC/UFPR, ventilados mecanicamente ou não, e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos os pacientes com triagem positiva para delirium de acordo com Confusion Assessment Method for Intensive Care Unit;(30); Escala de Coma Glasgow < 15 ou < 11T (em uso de tubo orotraqueal ou traqueostomia)(31); Richmond Agitation-Sedation Scale < 0 (em uso de sedativos) ou > 0 (sem uso de sedativos)(32); ou pacientes incapazes de compreender a língua portuguesa, escrever ou pontuar as respostas. A triagem dos pacientes elegíveis e a coleta de dados foram realizadas pelo AV1 uma hora antes da aplicação dos questionários, aproximadamente às 9 da manhã.

Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico IBM SPSS Statistics versão 22.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). A normalidade e a homogeneidade dos dados foram avaliadas pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. As características clínicas e demográficas dos pacientes foram apresentadas em frequência, média e desvio-padrão, ou mediana e intervalo interquartil. A confiabilidade e reprodutibilidade interobservador foram avaliadas pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI) e seu respectivo IC95%, por meio de médias dos escores totais do QSRC, assim como dos domínios 1-5, 6 e 7 do QS-UTI. Em relação à confiabilidade avaliada pelo CCI, considerou-se o seguinte: CCI < 0, ausência de confiabilidade; CCI = 0,00-0,20, pequena confiabilidade; CCI = 0,21-0,40, fraca confiabilidade; CCI = 0,41-0,60, moderada confiabilidade; CCI = 0,61-0,80, boa confiabilidade; e CCI = 0,81-1,00, alta confiabilidade.(33) O nível de significância estatística foi de p < 0,05.

O tamanho amostral seguiu a metodologia proposta por Terwee et al.,(34) que recomendam de 4 a 10 pacientes para cada item dos instrumentos em uma amostra de pelo menos 50 pacientes.

RESULTADOS

Durante a primeira etapa foram desenvolvidas as versões T1 e T2 dos questionários na língua portuguesa. Na versão consensual, observaram-se poucas diferenças na tradução dos itens, sendo os diferentes termos considerados sinônimos. Foi priorizado o uso de termos e expressões familiares para a população brasileira. Para o QSRC, o item "ruído" foi substituído por "barulho"; no QS-UTI foram substituídos os itens "pobre" por "ruim", "estadia" por "permanência" e "disruptivo" por "interrupção", pois são termos usuais. As traduções reversas do português para a língua inglesa foram muito semelhantes às versões originais e necessitaram de poucas modificações pelos autores originais dos instrumentos.

Durante a reunião com os especialistas, houve um alto grau de concordância verbal e semântica em grande parte dos itens das versões pré-teste. Discutiu-se, com maior atenção, o item 2 do QSRC, onde o termo sleep latency, quando traduzido para o português, significa "latência do sono"; entretanto, optou-se por usar o termo "tempo para dormir", visto que poderia haver pacientes que não compreenderiam o termo "latência". Da mesma forma, o item 3 do QS-UTI foi analisado e foi encontrada uma discrepância nas interpretações do termo "no sleep", que traduzido para o português significa "não dorme"; contudo, por se tratar de um item que avalia a qualidade do sono, o comitê sugeriu sua substituição pelo termo "ruim", assim como foi determinado para os itens 1 e 2 do QS-UTI, que também se referem à qualidade do sono. Todos os itens estão resumidos nas Tabelas 1 e 2.







Na etapa pré-teste, os avaliadores não relataram dificuldades oriundas da aplicação ou dúvidas na compreensão dos pacientes sobre os itens; por isso, não foram realizadas alterações complementares às versões finais dos questionários. Os instrumentos foram de rápida aplicação, sendo que o QSRC demandou cerca de 2-3 min para a avaliação de cada paciente na UTI, e o QS-UTI demandou um tempo total de 4-5 min.

O estudo incluiu 50 pacientes que preencheram os critérios de inclusão. Pouco mais da metade dos indivíduos eram do sexo feminino (n = 27; 54%). A média de idade dos participantes foi de 47,7 ± 17,5 anos, com maior prevalência de internação por doenças oncológicas (n = 10; 20%). Somente 1 paciente (2%) estava sob uso de ventilação mecânica, 2 (4%) foram submetidos à traqueostomia, e 2 (4%) faziam uso de sedativos no momento da avaliação, mas sem apresentar desconformidades referentes aos critérios de elegibilidade através do Richmond Agitation-Sedation Scale(32) e Confusion Assessment Method for Intensive Care Unit.(30) As características demográficas e clínicas, assim como os escores dos questionários, estão demonstrados nas Tabelas 3 e 4, respectivamente.






Os escores do QSRC foram semelhantes entre AV1 e AV2. O teste de reprodutibilidade apresentou alta confiabilidade interobservador (CCI = 0,84; IC95%: 0,71-0,90; p < 0.001).

Os escores também foram semelhantes entre os avaliadores para o QS-UTI. O questionário mostrou boa confiabilidade interobservador para os domínios 1-5 (CCI = 0,75; IC95%: 0,55-0,86; p < 0.001) e alta confiabilidade interobservador para os domínios 6 e 7 (CCI = 0,86, IC95%: 0,76-0,92; p < 0.001).

DISCUSSÃO

Cresce o número de estudos referentes à avaliação do sono na UTI, em consequência da intensa preocupação com a qualidade da permanência dos pacientes nesse ambiente e das possíveis sequelas na saúde mental, cognitiva e física dos sobreviventes de uma doença crítica.(35) Nesse contexto, alguns questionários foram desenvolvidos para a avaliação específica do sono nessa população. Em comparação com a polissonografia, os questionários proporcionam, a curto e longo prazo, a possibilidade de se avaliar um maior número de pacientes, bem como tornar efetivas as intervenções para a promoção do sono.(5)

Pelo fato de não haver questionários traduzidos e adaptados transculturalmente de forma criteriosa para a língua portuguesa, o presente estudo facilita o acesso dos diversos profissionais da saúde, a nível nacional, de duas ferramentas que poderão potencialmente melhorar a qualidade assistencial ao paciente gravemente doente internado em UTI, além de possibilitar a comparação entre resultados de estudos realizados em diferentes países.(21)

Os instrumentos QSRC e QS-UTI foram metodicamente traduzidos e adaptados para a língua portuguesa usada no Brasil, objetivando preservar a confiabilidade dessas ferramentas de avaliação.(36) É notório que o uso da tradução literal em questionários da área da saúde não é suficiente, pois existem diferenças relevantes entre os contextos culturais, sociais e econômicos dos públicos-alvo do texto original e da tradução.(19) Para ressaltar a relevância das adaptações, Behling & Law(37) afirmam que esse procedimento deve ser meticuloso e deve contemplar aspectos técnicos, linguísticos e semânticos.

Achados do presente estudo mostraram um alto grau de confiabilidade interobservador no QSRC, com CCI de 0,84, corroborando o estudo de Chen et al.,(24) que também demonstrou alta confiabilidade desse questionário na versão chinesa, com CCI de 0,91. No questionário na língua iraniana, a confiabilidade foi considerada boa, com CCI de 0,71.(25)

No estudo precursor do QSRC,(17) a validação foi realizada contra a polissonografia em uma amostra de 70 pacientes críticos, obtendo-se uma correlação válida e confiável. Sabe-se que parte dos pacientes internados em UTI podem apresentar condições de delirium e altos níveis de uso de medicamentos sedativos; tais condições limitam a aplicabilidade do QSRC, diminuindo a amostra de potenciais pacientes em até metade da população esperada.(22) Esse fato pode parcialmente explicar o número reduzido de pacientes recrutados para o presente estudo.

Embora o QS-UTI não apresente validação contra a polissonografia nem estudos de reprodutibilidade, observa-se no estudo pioneiro(18) a avaliação de 203 pacientes e um relevante conteúdo que pontua individualmente os possíveis fatores contribuintes para a interrupção do sono. Nesse cenário, são apreciadas dimensões não encontradas no QSRC, tais como qualidade do sono em casa, sonolência diurna, fatores de interrupção do sono causados pelos cuidados da equipe e fatores de origem ambiental. Estudos utilizando esse questionário(24,37,38) demonstraram resultados positivos referentes à implementação de protocolos para a promoção do sono na UTI e na avaliação pós-UTI, confirmando sua utilidade na prática clínica.

Um problema a ser enfrentado é a falta de rigidez quanto ao uso de instrumentos de avaliação produzidos em outras localidades. Não ajustar as informações de forma metódica ao público-alvo pode prejudicar a qualidade das informações e, consequentemente, invalidar estudos sobre o tema abordado.(39,40)

Algumas limitações do presente estudo devem ser consideradas. O pequeno tamanho amostral denota uma dificuldade a ser encarada, uma vez que, para completar os questionários, os pacientes devem permanecer despertos e ser cognitivamente capazes de processar as perguntas. Esse perfil de pacientes pode não ter expressiva representatividade na população da UTI. Outra limitação consiste no fato de que esses instrumentos não são considerados padrão ouro para a avaliação do sono na UTI; entretanto, métodos como a polissonografia são muito complexos para ser utilizados e geram altos custos. Com a intenção de diminuir tais restrições práticas e financeiras, particularmente no ambiente crítico, os questionários tornaram-se uma solução para preencher a lacuna existente na literatura, permitindo a investigação e a implementação de intervenções para melhorar a qualidade do sono em pacientes críticos. Por fim, análises psicométricas, como testes de validação construtiva e de consistência interna desses questionários, são necessárias em estudos futuros.

Em resumo, conclui-se que as versões na língua portuguesa do QSRC e QS-UTI foram metodicamente traduzidas e adaptadas transculturalmente para uso no Brasil, seguindo rígidas metodologias, e apresentaram adequada confiabilidade entre os avaliadores, podendo assim ser utilizadas como importantes ferramentas de avaliação do sono nas UTIs de adultos no Brasil.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Dra. Kathy Richards e ao Dr. Neil Freedman a autorização para o uso de seus questionários.

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