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Cartas ao Editor

É necessário realizar busca ativa de sintomáticos respiratórios independentemente dos cenários epidemiológicos locais?

Should active case finding be conducted among patients with respiratory symptoms independently of local epidemiological settings?

Betina Mendez Alcântara Gabardo1,2,a, Eliane Mara Cesário Pereira Maluf1,2,b, Marianna Borba Ferreira de Freitas3,c, Bruno Alcântara Gabardo4,d

DOI: 10.1590/1806-3713/e20190171

AO EDITOR,

A investigação do sintomático respiratório (SR), pessoa com tosse e expectoração por três semanas ou mais, por meio de duas baciloscopias de escarro é orientada pela Organização Mundial da Saúde - desde a estratégia directly observed treatment short course (tratamento diretamente observado de curta duração) - como atividade primordial para o diagnóstico precoce da tuberculose.

O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) estima prevalências de 1% e 5%, respectivamente, de SR na população geral e nos consultantes com idade ≥ 15 anos que buscam atendimento em Unidades de Saúde (US); 4% desses são casos de tuberculose pulmonar ativa. A Organização Mundial da Saúde, ao avaliar pesquisas realizadas em regiões em desenvolvimento, estima uma prevalência de 5% de SR na demanda dos serviços de saúde.(1) Essas taxas referem-se a diferentes panoramas epidemiológicos, e, portanto, há a possibilidade de variações conforme as características do serviço de saúde e da população local.

Muitas pesquisas dedicaram-se à estimativa de SR em apenas um dos cenários: comunidade ou US. Em Vitória(2) e no Rio de Janeiro,(3) taxas de SR em US foram de 4,0% e 10,7%, respectivamente. Já no Distrito Federal,(4) a prevalência de SR na comunidade variou de 4,8% a 5,7%. Estudos simultâneos, na comunidade e entre os consultantes de US são escassos na literatura.

O objetivo do presente estudo foi conhecer a prevalência de SR e tuberculose em Paranaguá, município com elevada incidência (99/100.000 habitantes) desse agravo. Efetuou-se um estudo descritivo com a realização de dois inquéritos: um populacional e um sobre a demanda em US entre setembro e novembro de 2010, ano em que as incidências de tuberculose no Paraná e no Brasil, foram de, respectivamente, 23/100.000 habitantes e 37/100.000 habitantes.

Para a amostra ser representativa da comunidade e da população atendida em US, realizou-se uma amostragem por conglomerados (indicada para estudos populacionais),(5) ponderada pelo tamanho da população e número de consultas no ano anterior; assim, bairros mais populosos e US com maior número de consultas tiveram maior número de conglomerados. No inquérito populacional (domicílios), excluíram-se moradores dos setores censitários especiais/aglomerados subnormais,(6) cujas prevalências são sabidamente elevadas. Nas US, o inquérito foi constituído pelos consultantes que buscaram atendimento nas US básicas e na Estratégia Saúde da Família, independentemente do motivo da procura. Em ambos, a idade mínima foi de 10 anos e aplicou-se um questionário sobre dados sociodemográficos, tempo de tosse, assim como sinais e sintomas relacionados à tuberculose.

A fórmula para cálculo do tamanho amostral foi a de amostra aleatória simples - n = Nz2p(1 − p)/[d2(N − 1) + z2p(1 − p)] - multiplicada pelo efeito do desenho (ED = 2) para corrigir a diferença no tamanho amostral (correlação introduzida por conglomerados).(2,5)

A amostra comunitária foi constituída por 1.020 moradores sorteados em 30 conglomerados, envolvendo os 17 bairros mais populosos, com aproximadamente 30 pessoas em cada conglomerado (p = prevalência de SR = 1%). A amostra estimada para os consultantes nas US foi de 757 consultantes sorteados em 25 conglomerados das nove US em funcionamento (p = 5% do total de consultas). Para ambas as amostras, z2 = 1,96 e d = 2%.

Indivíduos com tosse produtiva, independentemente do tempo desse sintoma, foram classificados como indivíduos com tosse; se a tosse perdurasse 21 dias ou mais, foram identificados como SR. Definiu-se como tuberculose pulmonar confirmada bacteriologicamente os casos com qualquer tipo de exame bacteriológico positivo e tuberculose pulmonar não confirmada bacteriologicamente aqueles casos cujo diagnóstico foi estabelecido por critérios clinicorradiológicos.

Para todos os indivíduos com tosse foi recomendada a coleta de escarro para a realização de duas baciloscopias e cultura para BAAR. O frasco para a coleta de escarro era entregue imediatamente, tanto na US como no domicílio. Efetuou-se a dupla digitação dos dados dos questionários, e foi utilizado o programa Epi data para validar as variáveis. Dois anos depois do período do estudo, realizou-se a busca dos indivíduos com tosse e dos SR que não realizaram os exames durante o estudo, para excluir a possibilidade de que houvesse casos de tuberculose entre os não investigados (Tabela 1). O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparar a diferença entre proporções e verificar se essas diferiam significativamente; em frequências menores que 5, utilizou-se o teste exato de Fisher. O nível de significância adotado foi de 5%, e os testes estatísticos foram efetuados pelo pacote estatístico Stata versão 13.0 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA). A taxa de realização de exames foi baixa tanto na comunidade quanto nas US (Tabela 1). Apesar da entrega imediata do frasco para a coleta do escarro, a maioria dos indivíduos preferiu realizar a coleta posteriormente e não retornou o material na US.
 



Na comunidade, entre 94 indivíduos com tosse, 28 eram SR (prevalência de 2,7%; IC95%: 1,8-3,9%), enquanto nas US, entre 67 indivíduos, 10 eram SR (prevalência de 1,3%; IC95%: 0,6-2,4%). A tuberculose foi identificada em 1 indivíduo com tosse de 5 dias e em 1 SR, o que corresponde a prevalência de 3% de tuberculose entre todos os indivíduos com tosse nas US.

A presente pesquisa de base populacional buscou preencher uma lacuna na literatura, ao ser conduzida na comunidade e nas US. A exclusão de assentamentos irregulares(6) buscou minimizar o viés de seleção mas pode ter colaborado na subestimativa de tuberculose, assim como a baixa realização de exames de escarro, sendo ambas limitações do estudo.

Ao se avaliar a prevalência de SR na comunidade, ela foi maior que a estimada pelo PNCT. Foram encontrados resultados semelhantes na Índia (2,7%),(7) Peru (3,3-3,8%)(8) e em algumas áreas do Distrito Federal (4,8-5,7%).(4) Essas regiões tinham em comum a alta endemicidade da tuberculose.

Não se encontraram casos de tuberculose no inquérito populacional, o que vai ao encontro de estudos que propõem que a investigação ativa de SR ocorra em grupos com maior risco de adoecimento e não na comunidade em geral. Vários autores apontam que a busca de SR no domicílio pode detectar casos de tuberculose, mas que essa não seria custo-efetiva, sendo indicada em moradores em situação de rua, drogaditos, população privada de liberdade, imigrantes, contatos de tuberculose, portadores de HIV/AIDS, moradores em áreas carentes, entre outros.(9,10)

A taxa de prevalência de SR nas US foi menor que a estimada pelo PNCT e em outros estudos.(1) Isso seria explicado pelo predomínio da clientela feminina, cujas características são o maior cuidado com a saúde e a procura por atendimento mais rapidamente quando apresentam tosse. A identificação de casos de tuberculose em indivíduos com menor tempo de tosse nas US reforça a importância da investigação da tosse independentemente do tempo referido desse sintoma.(3) Cabe a reflexão de que as taxas de SR e tuberculose são influenciadas pelas características da população, dos serviços de saúde, entre outros. Isso deve ser considerado ao se utilizar esses indicadores no planejamento e monitoramento das ações de controle de tuberculose em diferentes cenários.

REFERÊNCIAS

1. Ottmani SE, Scherpbier R, Chaulet P, Pio A, Van Beneden C, Raviglione M. Respiratory care in primary care services-a survey in 9 countries. Geneve: WHO; 2004.
2. Moreira CM, Zandonade E, Lacerda T, Maciel EL. Respiratory symptomatics among patients at primary health clinics in Vitória, Espírito Santo State, Brazil [Article in Portuguese]. Cad Saude Publica. 2010;26(8):1619-26. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000800015
3. Bastos LG, Fonseca LS, Mello FC, Ruffino-Netto A, Golub JE, Conde MB. Prevalence of pulmonary tuberculosis among respiratory symptomatic subjects in an out-patient primary health unit. Int J Tuberc Lung Dis. 2007;11(2):156-60.
4. Freitas FT, Yokota RT, de Castro AP, Andrade SS, Nascimento GL, de Moura NF, et al. Prevalence of respiratory symptoms in areas of the Federal District, Brazil [Article in Portuguese]. Rev Panam Salud Publica. 2011;29(6):451-6.
5. World Health Organization (WHO). Guidelines for surveillance of drug resistance in tuberculosis. 4th ed. Geneve: WHO; 2009.
6. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010: Aglomerados Subnormais--Informações Territoriais. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.
7. Charles N, Thomas B, Watson B, Sakthivel MR, Chandrasekeran V, Wares F. Care seeking behavior of chest symptomatics: a community based study done in South India after the implementation of the RNTCP. PLoS One. 2010;5(9). pii: e12379. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0012379
8. Gutiérrez C, Roque J, Romaní F, Zagaceta J. Prevalence of symptomatic respiratory cases in the Peruvian population aged 15 years and above: secondary analysis of the demographic and family health survey, 2013-2015 [Article in Spanish]. Rev Peru Med Exp Salud Publica. 2017;34(1):98-104. https://doi.org/10.17843/rpmesp.2017.341.2771
9. Zenner D, Sourthern J, Van Hest R, Devries G, Stagg HR, Antoine D, et al. Active case finding for tuberculosis among high-risk groups in low-incidence countries. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(5):573-82. https://doi.org/10.5588/ijtld.12.0920
10. Golub JE, Dowdy DW. Screening for active tuberculosis: methodological challenges in implementation and evaluation. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(7):856-65. https://doi.org/10.5588/ijtld.13.0059

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