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Comunicação Breve

Modelo experimental de perfusão pulmonar isolada em ratos: técnica e aplicações em estudos de preservação pulmonar

Experimental model of isolated lung perfusion in rats: technique and application in lung preservation studies

Paulo Manuel Pêgo-Fernandes, Eduardo de Campos Werebe, Paulo Francisco Guerreiro Cardoso, Rogério Pazetti, Karina Andrighetti de Oliveira, Paula Roberta Otaviano Soares, Fabio Biscegli Jatene

ABSTRACT

Small animal models are particularly suitable for lung preservation studies, because they are simple and cost-effective. This brief communication focuses on the technical description of an ex vivo lung perfusion model in rats by means of a commercially available apparatus, which was the first to be installed in a thoracic surgery research laboratory in Brazil. The model and its preparation, together with its applications for lung preservation studies, are described in detail. All technical details can also be seen in a video posted on the website of the Brazilian Journal of Pulmonology.

Keywords: Lung transplantation; Reperfusion injury; Rats; Models, animal.

RESUMO

Estudos de preservação pulmonar em modelos experimentais realizados em animais de pequeno porte são de realização mais simples e barata. Esta comunicação tem o enfoque de descrever tecnicamente um modelo de perfusão pulmonar ex vivo em ratos, com o uso de um equipamento disponível comercialmente que foi o primeiro a ser instalado em um laboratório de pesquisa em cirurgia torácica no Brasil. Descrevemos detalhadamente o modelo e sua preparação, assim como suas aplicações para estudos de preservação pulmonar. Os detalhes técnicos da preparação podem ser observados também em um vídeo postado no site do Jornal Brasileiro de Pneumologia.

Palavras-chave: Transplante de pulmão; Traumatismo por reperfusão; Ratos; Modelos animais.

O transplante pulmonar estabeleceu-se como forma de tratamento para doenças pulmonares terminais em pacientes selecionados. A preservação pulmonar para transplante possui uma importância fundamental por permitir que se mantenham os órgãos viáveis por tempos de isquemia mais longos e com resultados funcionais adequados após a reperfusão. Os estudos de preservação pulmonar requerem tempo para seu desenvolvimento, além de serem dispendiosos, mormente se realizados em modelos animais de maior porte (por ex., cão e porco). Assim sendo, torna-se desejável o estabelecimento de modelos experimentais em animais de pequeno porte, cuja realização seja mais simples e barata, servindo de triagem para os novos métodos que serão aplicáveis posteriormente em modelos mais complexos. O modelo de perfusão pulmonar ex vivo foi concebido para esse fim, utilizando inicialmente pulmões de coelhos, perfundidos com sangue venoso homólogo obtido por exsanguinação de animais da mesma espécie. Esse modelo permitiu a realização dos estudos para determinação da temperatura(1) e de soluções de preservação pulmonar(2,3) os quais estabeleceram muitos dos princípios que, até hoje, norteiam as práticas de preservação pulmonar em uso clínico. A desvantagem desse modelo residia na limitação da perfusão, em cerca de 10 min, uma vez que o sangue oxigenado pelo bloco pulmonar não mais retornava ao circuito. A preparação foi modificada para um sistema similar em ratos e aperfeiçoada posteriormente.(4-6) Embora essas preparações fossem estáveis por períodos de até cinco h de perfusão, eram de difícil execução e controle por utilizarem um animal colocado em paralelo ao circuito de perfusão para efetuar a desoxigenação do sangue. Mais tarde, substituiu-se o animal por um oxigenador de membrana para a desoxigenação sanguínea.(7) Isso simplificou sobremaneira o sistema, tornando-o mais estável, permitindo, assim, perfusões prolongadas com a avaliação de parâmetros hemodinâmicos e de mecânica ventilatória.(8)

O sistema de perfusão ex vivo atual permite a aquisição de dados em tempo real com capacidade de armazenamento em computador, sendo comercializado com o nome de IL-2 - Isolated Perfused Rat or Guinea Pig Lung System (Harvard Apparatus, Holliston, MA, EUA; Hugo Sachs Elektronik, Hugstetten, Alemanha; Figura 1). Sua ampla gama de utilização inclui estudos de preservação pulmonar para transplante; estudos de mecânica ventilatória e de trocas gasosas em modelos de injúria pulmonar aguda; avaliação funcional em modelos de doença obstrutiva e vascular induzidas (por ex., enfisema e hipertensão pulmonar); efeitos pulmonares remotos em doenças metabólicas e endócrinas (por ex., diabetes); metabolismo pulmonar de drogas; absorção e efeitos de drogas e agentes inaláveis (através de interposição de um engenhoso nebulizador provido pelo fabricante); transporte de gases; alternativas de ventilação mecânica (por ex., ventilação líquida com perfluorocarbonos); entre outros.



O objetivo desta comunicação foi o de apresentar esse sistema de perfusão pulmonar ex vivo, inédito no Brasil, que atualmente é utilizado em nosso laboratório nos estudos de preservação pulmonar. Descrevemos detalhadamente a preparação e as etapas de seu manuseio, no sentido de facilitar sua implantação e utilização por outros laboratórios de pesquisa que tencionem empregá-lo no futuro. Os detalhes técnicos da preparação podem ser observados em um vídeo postado no site do Jornal Brasileiro de Pneumologia ´

http://www.jornaldepneumologia.com.br/portugues/modelo_perfusao.asp

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Para extração do bloco cardiopulmonar do doador, ratos Wistar machos de 250-300 g são anestesiados com tiopental sódico (50 mg/kg, i.p.), pesados e colocados na prancha de preparação. Procede-se a uma laparotomia com ressecção do esterno, exposição da traqueia cervical, confecção da traqueostomia e início da ventilação mecânica (ar ambiente; FR = 70 ciclos/min; e pressão expiratória final positiva = 1 cmH2O). A veia cava inferior é exposta no retroperitônio, e por ela administra-se heparina (1.500 UI). O diafragma é aberto radialmente com extrema cautela para não se lesar o pulmão, extremamente delicado e frágil nesses animais. Com a cavidade pleural aberta, secciona-se o ligamento pulmonar inferior expondo-se a veia cava inferior supradiafragmática. O coração é exposto, procede-se a uma ventriculotomia direita adjacente à artéria pulmonar, seccionam-se a veia cava inferior previamente exposta e o ventrículo esquerdo longitudinalmente na ponta. Inicia-se então a lavagem pulmonar anterógrada através de uma cânula introduzida na artéria pulmonar pela ventriculotomia. A solução preservadora hipotérmica é administrada por gravidade a partir de um reservatório posicionado 10 cm acima do coração, com drenagem espontânea do efluente pela ventriculotomia esquerda. Durante a lavagem, os pulmões são induzidos a hiperventilar para que se evitem áreas de atelectasia, promovendo-se assim uma distribuição equânime da solução pelo parênquima. Ao término da lavagem, a traqueia é ligada com um fio abaixo da cânula e seccionada com os pulmões insuflados. Inicia-se a extração pulmonar propriamente dita em sentido craniocaudal a partir do estreito cervicomediastinal superior, por tração anterior e inferior da traqueia com dissecção do mediastino posterior. O bloco cardiopulmonar é removido, acondicionado em solução hipotérmica (soro fisiológico ou solução preservadora) e armazenado a 4°C pelo tempo de isquemia planejado.

Cerca de 30-40 min antes da perfusão, três animais são anestesiados, ventilados e heparinizados pela mesma técnica descrita para o doador. A veia cava inferior é exposta, e sangue homólogo é obtido por punção dessa. A mistura gasosa (90% N2 e 10% CO2; fluxo de 200-300 mL/min) é administrada continuamente no desoxigenador de membrana com 0,245 m2 de área de contato (Medisulfone® D150 Hemofilter; Medica s.r.l., Medolla, Itália). O sangue é acrescido de soro fisiológico na proporção de 1:1 ou na quantidade suficiente para se obter um volume total aproximado de 80 mL, com hematócrito entre 15-20%. O sangue é então vertido no reservatório, aquecido e recirculado no sistema com baixo fluxo (3 mL/min) por cerca de 15 min. Enquanto isso, procede-se à preparação do bloco cardiopulmonar. Inicia-se com a recanulação da traqueia com o adaptador para o sistema de ventilação e a instalação de cânula na ventriculotomia esquerda, a qual é posicionada no átrio esquerdo através da válvula mitral e mantida no local por sutura em "U" (nylon 4-0). Um fio inabsorvível (algodão 3-0) é passado no seio transverso e deixado com nó, sem ajustá-lo. O bloco é levado até o sistema de perfusão, e a cânula traqueal é fixada à extremidade do ventilador. Só então se procede à canulação da artéria pulmonar pela ventriculotomia direita, sendo amarrado o nó no fio previamente passado pelo seio transverso, o qual fixa a cânula na artéria ao mesmo tempo em que oclui a aorta ascendente. Nesse momento, a câmara de pressão negativa é fechada, a ventilação é iniciada com cerca de 25% do volume corrente planejado, com FR de 60 ciclos/min, relação inspiração/expiração de 60% e um suspiro/minuto com 50% de acréscimo do volume corrente (Figura 2). O volume corrente é aumentado lentamente ao longo de 10 min até atingir 10 mL/kg de peso corporal. Concomitantemente, inicia-se a perfusão com fluxo baixo (2 mL/min), progredindo-se lentamente ao longo de 5-10 min até atingir o patamar de fluxo desejado (5-7 mL/min). Nessa etapa, torna-se imperativo o incremento do fluxo lento e gradual concomitantemente ao aumento do volume corrente respiratório, controlando-se a pressão na artéria pulmonar, a qual é mantida entre 10 e 15 mmHg. Isso tem como objetivo o aquecimento lento do bloco cardiopulmonar e, ao mesmo tempo, a minimização da lesão de reperfusão causada na vasculatura pelo estresse mecânico imposto pelo alto fluxo na fase inicial. Uma vez estabilizadas a ventilação e a perfusão (10 min), inicia-se então a coleta de dados a cada 10 min pelos 60 min seguintes. Coletam-se amostras de sangue (0,3 mL) pelas cânulas arterial pulmonar e atrial esquerda para hemogasometria, hematócrito e eletrólitos, ao mesmo tempo que o sistema fornece os dados de mecânica ventilatória e de hemodinâmica (volume corrente, fluxo aéreo pulmonar, pressão pleural máxima e mínima, FR, complacência, resistência, condutância, pressão arterial pulmonar), bem como pH e PaO2.



O sistema de perfusão ex vivo tem se revelado extremamente útil em nosso laboratório para testes de soluções de preservação, tempos de isquemia, aditivos de preservação, além de poder ser empregado em estudos de viabilidade pulmonar e de lesão pulmonar aguda, servindo a uma ampla variedade de linhas de investigação. A quantidade de parâmetros de mecânica ventilatória, de trocas gasosas e hemodinâmicos fornecidos em tempo real facilita sobremaneira a investigação e dinamiza o processamento dos resultados e da análise estatística, uma vez que os resultados podem ser importados diretamente para uma planilha eletrônica após cada experimento.


Referências


1. Wang LS, Yoshikawa K, Miyoshi S, Nakamoto K, Hsieh CM, Yamazaki F, et al. The effect of ischemic time and temperature on lung preservation in a simple ex vivo rabbit model used for functional assessment. J Thorac Cardiovasc Surg. 1989;98(3):333-42.

2. Yamazaki F, Yokomise H, Keshavjee SH, Miyoshi S, Cardoso PF, Slutsky AS, et al. The superiority of an extracellular fluid solution over Euro-Collins' solution for pulmonary preservation. Transplantation. 1990;49(4):690-4.

3. Takigami K, Sasaki S, Shiiya N, Kawasaki M, Takeuchi E, Yasuda K. Evaluation of 18-hour lung preservation with oxygenated blood for optimal oxygen delivery. Ann Thorac Surg. 1998;66(2):362-6.

4. DeCampos KN, Waddell TK, Slutsky AS, Wang Y, Wang X, Post M, et al. Functional and biochemical assessment of postpreservation lung viability in a rat model. J Appl Physiol. 1994;76(2):813-20.

5. Weder W, Harper B, Shimokawa S, Miyoshi S, Date H, Schreinemakers H, et al. Influence of intraalveolar oxygen concentration on lung preservation in a rabbit model. J Thorac Cardiovasc Surg. 1991;101(6):1037-43.

6. Baker CJ, Quardt SM, Kim JD, Darbinian SH, Starnes VA, Barr ML. A novel paracorporeal method for isolated rodent lung reperfusion. Transplantation. 2001;71(9):1244-8.

7. Sasaki S, Takigami K, Shiiya N, Yasuda K. Partial cardiopulmonary bypass in rats for evaluating ischemia-reperfusion injury. ASAIO J. 1996;42(6):1027-30.

8. Aoyama A, Chen F, Fujinaga T, Sato A, Tsuruyama T, Zhang J, et al. Post-ischemic infusion of atrial natriuretic peptide attenuates warm ischemia-reperfusion injury in rat lung. J Heart Lung Transplant. 2009;28(6):628-34.



* Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Médica 61 - LIM-61 - Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo Manuel Pêgo Fernandes. Cirurgia Torácica -Instituto do Coração, Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, bloco 2, 2º andar, CEP 05403-900, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3069-5248. E-mail: paulopego@incor.usp.br
Apoio financeiro: Os equipamentos foram adquiridos através de verba de pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Recebido para publicação em 22/10/2009. Aprovado, após revisão, em 31/3/2010.



Sobre os autores

Paulo Manuel Pêgo-Fernandes
Professor Associado. Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Eduardo de Campos Werebe
Professor Doutor. Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Paulo Francisco Guerreiro Cardoso
Professor Associado, Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Cirurgia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Rogério Pazetti
Biologista. Laboratório de Investigação Médica 61 - LIM-61 - Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Karina Andrighetti de Oliveira
Biologista. Laboratório de Investigação Médica 61 - LIM-61 - Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Paula Roberta Otaviano Soares
Mestranda. Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Fabio Biscegli Jatene
Professor Titular. Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

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