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Editorial

Prevenção de lesão pulmonar induzida por isquemia/reperfusão: muitas opções, nenhuma escolha

Ischemia/reperfusion-induced lung injury prevention: many options, no choices

Pedro Caruso1,2, Susimeire Gomes1

DOI: 10.1590/S1806-37562016000100002

O parênquima pulmonar é propenso a lesões causadas por insultos indiretos, tais como sepse, pancreatite, quei-maduras, transfusão de sangue, cirurgia de derivação (bypass), intoxicação e isquemia seguida de reperfusão (lesão de isquemia/reperfusão). Aproximadamente 20% de todos os casos de síndrome do desconforto respiratório agudo (um caso extremo de lesão pulmonar) resultam de um insulto indireto ao parênquima pulmonar.(1) No entanto, ainda não se sabe qual é a incidência exata da lesão pulmonar causada por isquemia/reperfusão. Na arena clínica, há situações frequentes de lesão de isquemia/reperfusão de tecidos que não os pulmões. Cirurgia vascular, cirurgia ortopédica, isquemia mesentérica, trauma, isquemia renal, isquemia hepática e transplante hepático são exemplos bem conhecidos de lesão de isquemia/reperfusão, e não é exagero dizer que tais insultos são comuns na arena clínica.

No tratamento da lesão pulmonar aguda grave, os princípios norteadores são o tratamento da causa principal e a prevenção de lesão pulmonar adicional, principalmente por meio de ventilação mecânica protetora. No entanto, como existe um intervalo entre a lesão de isquemia/reperfusão e a ocorrência da lesão pulmonar, há uma oportuni-dade para encontrar medicamentos para prevenir ou atenuar a lesão pulmonar, e há interesse em fazê-lo. Muitos medicamentos e procedimentos foram testados a fim de evitar o efeito deletério da lesão de isquemia/reperfusão: oxigenoterapia hiperbárica, iloprost, ciclosporina, levosimendana, ácido ascórbico, pré-condicionamento com solu-ção hiperoxigenada, tempol (um eliminador de radicais permeável a membranas), melatonina, rapamicina, ditiocar-bamato de pirrolidina, surfactante, óxido nítrico inalatório, proteína príon, suplementação com creatina, catalase, manobras de condicionamento isquêmico e monóxido de carbono. A maioria dos estudos nos quais esses medica-mentos e procedimentos foram avaliados o fez em animais de pequeno porte, usando diversos modelos de isque-mia/reperfusão, escalas de quantificação da lesão e intervalos entre a isquemia/reperfusão e a análise da lesão.

Lemos com interesse o artigo de Takhtfooladi et al., intitulado "Efeitos da N-acetilcisteína e pentoxifilina na lesão pulmonar remota em um modelo de lesão de isquemia/reperfusão de membro posterior em ratos", que aparece neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia.(2) Os autores avaliaram o efeito protetor da N-acetilcisteína e pentoxifilina na lesão pulmonar remota em um modelo de lesão de isquemia/reperfusão de membro posterior em ratos e concluíram que a N-acetilcisteína e a pentoxifilina oferecem proteção contra o estresse oxidativo e o dano histológico aos pulmões decorrentes da lesão. Achamos interessante que a administração conjunta de N-acetilcisteína e pentoxifilina não tenha aumentado o efeito protetor. Em outros estudos experimentais, demonstrou-se que muitos medicamentos minimizam a lesão pulmonar causada por isquemia/reperfusão. Portanto, seria de se esperar que houvesse muitos ensaios clínicos em que se testassem esses medicamentos. No entanto, o número de estudos clínicos publicados sobre a prevenção da lesão de isquemia/reperfusão é desproporcionalmente inferior ao dos estudos experimentais, e os estudos clínicos realizados produziram resultados controversos. A eficácia da ciclos-porina em atenuar a lesão de isquemia/reperfusão resultante de uma intervenção coronária percutânea foi testada, assim como o foi a do condicionamento isquêmico remoto em atenuar a lesão de isquemia/reperfusão após trans-plante renal intervivos, e nenhum dos dois tratamentos mostrou-se eficaz.(3) Os resultados obtidos em estudos clíni-cos da N-acetilcisteína como um antioxidante também foram controversos. Em um estudo clínico, a N-acetilcisteína atenuou de modo eficaz a lesão de isquemia/reperfusão induzida por torniquete após cirurgia no joelho,(4) ao passo que outros estudos mostraram que a N-acetilcisteína não atenua nem a lesão de reperfusão miocárdica em pacientes não selecionados com infarto do miocárdio com elevação do segmento ST submetidos a intervenção coronária per-cutânea primária(5) nem a lesão hepatorrenal em pacientes submetidos a transplante hepático ortotópico.(6) Na arena clínica, a pentoxifilina foi menos extensivamente testada que a N-acetilcisteína, e os poucos estudos que a avalia-ram, tais como um estudo da pentoxifilina para a prevenção de função retardada do enxerto em pacientes que rece-beram transplantes renais de doadores falecidos,(7) apresentaram resultados decepcionantes no tocante à atenuação da lesão.

O estudo de Takhtfooladi et al.(2) mostra-nos que tanto a N-acetilcisteína como a pentoxifilina protegem o parên-quima pulmonar dos efeitos de um insulto de isquemia/reperfusão. Embora se trate de um achado interessante, mais estudos são necessários a fim de testar a hipótese de que a N-acetilcisteína e a pentoxifilina são capazes de proteger os pulmões da lesão de isquemia/reperfusão ou de atenuar essa lesão na arena clínica.

REFERÊNCIAS

1. Brun-Buisson C, Minelli C, Bertolini G, Brazzi L, Pimentel J, Lewandowski K, et al. Epidemiology and outcome of acute lung injury in European intensive care units. Results from the ALIVE study. Intensive Care Med. 2004;30(1):51-61. http://dx.doi.org/10.1007/s00134-003-2022-6
2. Takhtfooladi HA, Hesaraki S, Razmara F, Takhtfooladi MA, Hajizadeh H. Effects of N-acetylcysteine and pentoxifylline on remote lung injury in a rat model of hind-limb ischemia/reperfusion injury. J Bras Pneumol. 2016;42(1):9-14.
3. Piot C, Croisille P, Staat P, Thibault H, Rioufol G, Mewton N, et al. Effect of cyclosporine on reperfusion injury in acute myocardial infarction. N Engl J Med. 2008;359(5):473-81. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa071142
4. Koca K, Yurttas Y, Cayci T, Bilgic S, Kaldirim U, Durusu M, et al. The role of preconditioning and N-acetylcysteine on oxidative stress resulting from tourniquet-induced ischemia-reperfusion in arthroscopic knee surgery. J Trauma. 2011;70(3):717-23. http://dx.doi.org/10.1097/TA.0b013e3181f30fb0
5. Thiele H, Hildebrand L, Schirdewahn C, Eitel I, Adams V, Fuernau G, et al. Impact of high-dose N-acetylcysteine versus placebo on contrast-induced nephropathy and myocardial reperfusion injury in unselected patients with ST-segment elevation myocardial infarction undergoing primary percutaneous coronary intervention. The LIPSIA-N-ACC (Prospective, Single-Blind, Placebo-Controlled, Randomized Leipzig Immediate PercutaneouS Coronary Intervention Acute Myocardial Infarction N-ACC) Trial. J Am Coll Cardiol. 2010;55(20):2201-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.jacc.2009.08.091
6. Hilmi IA, Peng Z, Planinsic RM, Damian D, Dai F, Tyurina YY, et al. N-acetylcysteine does not prevent hepatorenal ischaemia-reperfusion injury in patients undergoing orthotopic liver transplantation. Nephrol Dial Transplant. 2010;25(7):2328-33. http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfq077
7. Noël C, Hazzan M, Coppin MC, Codaccioni MX, Pruvot FR, Labalette M, et al. A randomized controlled trial of pentoxifylline for the prevention of delayed graft function in cadaveric kidney graft. Clin Transplant. 1997;11(3):169-73.

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