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Artigo Original

Hipóxia intermitente crônica aumenta a expressão gênica, mas não proteica, de pigment epithelium-derived factor no córtex temporal de ratos

Chronic intermittent hypoxia increases encoding pigment epithelium-derived factor gene expression, although not that of the protein itself, in the temporal cortex of rats

Guilherme Silva Julian, Renato Watanabe de Oliveira, Vanessa Manchim Favaro, Maria Gabriela Menezes de Oliveira, Juliana Cini Perry, Sergio Tufik, Jair Ribeiro Chagas

ABSTRACT

Objective: Obstructive sleep apnea syndrome is mainly characterized by intermittent hypoxia (IH) during sleep, being associated with several complications. Exposure to IH is the most widely used animal model of sleep apnea, short-term IH exposure resulting in cognitive and neuronal impairment. Pigment epithelium-derived factor (PEDF) is a hypoxia-sensitive factor acting as a neurotrophic, neuroprotective, and antiangiogenic agent. Our study analyzed performance on learning and cognitive tasks, as well as PEDF gene expression and PEDF protein expression in specific brain structures, in rats exposed to long-term IH. Methods: Male Wistar rats were exposed to IH (oxygen concentrations of 21-5%) for 6 weeks-the chronic IH (CIH) group-or normoxia for 6 weeks-the control group. After CIH exposure, a group of rats were allowed to recover under normoxic conditions for 2 weeks (the CIH+N group). All rats underwent the Morris water maze test for learning and memory, PEDF gene expression and PEDF protein expression in the hippocampus, frontal cortex, and temporal cortex being subsequently assessed. Results: The CIH and CIH+N groups showed increased PEDF gene expression in the temporal cortex, PEDF protein expression remaining unaltered. PEDF gene expression and PEDF protein expression remained unaltered in the frontal cortex and hippocampus. Long-term exposure to IH did not affect cognitive function. Conclusions: Long-term exposure to IH selectively increases PEDF gene expression at the transcriptional level, although only in the temporal cortex. This increase is probably a protective mechanism against IH-induced injury.

Keywords: Sleep apnea, central; Disease models, animal; Cognition; Sleep; Sleep apnea, obstructive.

RESUMO

Objetivo: A síndrome da apneia obstrutiva do sono caracteriza-se principalmente por episódios de hipóxia intermitente (HI) durante o sono e associa-se a diversas complicações. A exposição à HI é o mais usado modelo animal de apneia do sono, e protocolos de curta duração causam diversos prejuízos cognitivos e neuronais. Pigment epithelium-derived factor (PEDF, fator derivado do epitélio pigmentado) é um fator neurotrófico, neuroprotetor e antiangiogênico sensível à hipóxia celular. Nosso estudo analisou o desempenho em tarefas cognitivas e de aprendizagem, bem como a expressão do gene PEDF e da proteína PEDF em estruturas cerebrais específicas em ratos expostos a HI de longa duração. Métodos: Ratos Wistar foram expostos a HI (21-5% de oxigênio) durante 6 semanas - o grupo HI crônica (HIC) - ou a normóxia durante 6 semanas - o grupo controle. Após a exposição à HIC, um grupo de ratos foi exposto a normóxia durante 2 semanas (o grupo HIC+N). Todos os animais foram submetidos ao labirinto aquático de Morris para avaliação de memória e aprendizado; avaliou-se também a expressão do gene PEDF e da proteína PEDF no hipocampo e nos córtices frontal e temporal. Resultados: Os grupos HIC e HIC+N apresentaram um aumento de expressão do gene PEDF no córtex temporal, porém sem aumento dos níveis proteicos. A expressão do gene PEDF e da proteína PEDF manteve-se inalterada nas demais estruturas. A exposição de longa duração à HI não afetou a função cognitiva. Conclusões: A exposição de longa duração à HI aumenta seletivamente a expressão do gene PEDF ao nível transcricional, embora apenas no córtex temporal. Esse aumento é provavelmente um mecanismo de proteção contra a HI.

Palavras-chave: Apneia do sono tipo central; Modelos animais de doenças; Sono; Cognição; Apneia do sono tipo obstrutiva.

Introdução

A apneia obstrutiva do sono (AOS) é o mais comum distúrbio respiratório relacionado com o sono e é um problema de saúde pública em virtude de sua elevada prevalência.(1,2) A AOS é caracterizada por episódios recorrentes de obstrução parcial ou completa das vias aéreas superiores e, consequentemente, fragmentação do sono, hipercapnia e hipóxia intermitente (HI) noturna. Ao longo dos anos foram criados vários modelos animais de AOS,(3) a maioria dos quais baseada em HI. O modelo de HI produz vários efeitos que são semelhantes aos da AOS, tais como prejuízo cognitivo, alterações da arquitetura do sono, resistência à insulina e hipertensão.(4-10) Isso sugere que a HI desempenha um papel importante na AOS,(11) afetando inclusive a cognição.

A aprendizagem e a cognição exigem um processo denominado plasticidade sináptica, que é a capacidade que as sinapses têm de fortalecer ou enfraquecer suas conexões.(12) Vários fatores controlam a plasticidade sináptica, dentre os quais estão neurotransmissores e fatores neurotróficos que desempenham um papel essencial no crescimento e na sobrevivência de neurônios em desenvolvimento. Um desses fatores é o pigment epithelium-derived factor (PEDF, fator derivado do epitélio pigmentado), que tem atividade antiangiogênica, neuroprotetora e neurotrófica.

Como agente neuroprotetor, o PEDF reduz a excitotoxicidade mediada pelo glutamato(13-15) e atenua a lesão cerebral isquêmica.(16) Como agente neurotrófico, o PEDF induz a expressão de outros fatores, tais como o fator neurotrófico derivado do encéfalo, o fator neurotrófico derivado de linhagem de célula glial e o fator de crescimento neural,(17) e aumenta a formação de espinhas dendríticas.(18) Demonstrou-se que a sensibilidade do PEDF à exposição à hipóxia varia,(19,20) com resultados divergentes no tocante à relação entre os níveis de PEDF e oxigênio.

Embora os efeitos da HI de curta duração na aprendizagem, cognição, memória e fatores neurotróficos sejam conhecidos,(21) os efeitos da HI de longa duração ainda não estão claros. Portanto, para determinar as relações entre PEDF, HI crônica (HIC) e memória, bem como para melhorar a compreensão do papel do PEDF na HIC, o presente estudo examinou a memória espacial, a expressão do gene PEDF e a expressão da proteína PEDF em um modelo experimental de HIC em ratos. De fato, ainda não se conhecem os efeitos de modelos in vivo de hipóxia no messenger RNA (mRNA) e nos níveis proteicos de PEDF.

Métodos

No presente estudo, foram usados 45 ratos Wistar Hannover machos adultos fornecidos pelo Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia da Universidade Federal de São Paulo, na cidade de São Paulo (SP). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal da Universidade Federal de São Paulo (Protocolo nº 2025/11).

Todos os animais permaneceram alojados a 22°C em ciclo claro-escuro de 12 h (luzes acesas das 7h00 às 19h00) com comida e água à vontade. Os ratos foram aleatoriamente designados para o grupo controle (n = 15), o grupo HIC (n = 15), formado por animais expostos a HI durante 6 semanas,(22) ou o grupo HIC+N, formado por animais expostos a 6 semanas de HI seguidas de 2 semanas de recuperação em normóxia.(22)

O teste do labirinto aquático de Morris (LAM) foi realizado em uma sala separada em uma piscina circular preta (de 200 cm de diâmetro por 40 cm de altura) cheia de água a aproximadamente 23°C até 25 cm de profundidade. Para que os animais se orientassem, pistas visuais distintas foram colocadas em cada parede da sala. Uma plataforma preta de 10 cm de diâmetro foi colocada 2 cm abaixo da superfície e fixada no centro do quadrante-alvo.

Foram realizados dois testes em separado. O primeiro envolveu 8 ratos do grupo controle e os 15 ratos do grupo HIC, e o segundo envolveu 7 ratos do grupo controle e os 15 ratos do grupo HIC+N. Sessões de aprendizagem espacial foram realizadas em cinco dias consecutivos, na última semana de exposição a HIC ou HIC+N. Durante a semana de teste, os ratos do grupo HIC foram expostos a HI durante 8 h/dia. As sessões de aprendizagem espacial consistiram em quatro provas de 1 min para cada animal, com um intervalo de 1 min entre as provas. Os ratos iniciaram o LAM em diferentes quadrantes da piscina no início de cada prova.

Após o último dia de treinamento, todos os ratos foram submetidos a uma prova de 1 min de natação livre no LAM sem a plataforma. A relação entre o tempo despendido no quadrante-alvo e o tempo despendido em outros quadrantes foi usada para determinar a memória espacial. Os testes foram realizados um dia após a última exposição a HIC no grupo HIC e após as 2 semanas de normóxia no grupo HIC+N. Cada grupo tinha seu próprio grupo controle. Todas as provas foram analisadas por meio da identificação de contraste entre os animais (brancos) e o tanque (preto), com o programa de rastreamento por vídeo Noldus EthoVision XT, versão 7.0 (Noldus Information Technology Inc., Leesburg, VA, EUA).

Imediatamente após o teste do LAM, todos os ratos foram sacrificados por meio de decapitação rápida. Os cérebros foram rapidamente removidos e dissecados para a remoção do hipocampo, do córtex frontal e do córtex temporal. Todos os tecidos foram rapidamente dissecados em gelo seco e armazenados a −80°C até a extração do RNA. Há relatos de que a HIC afeta a memória e a aprendizagem espacial,(6,9,23) motivo pelo qual estudamos a expressão de PEDF no hipocampo, no córtex frontal e no córtex temporal (áreas relacionadas com a aprendizagem espacial e visual).

Para todas as estruturas, a extração do RNA total foi realizada com TRIzol® (Thermo Fisher Scientific Inc., Waltham, MA, EUA), em conformidade com as instruções do fabricante. Após a extração, o RNA foi tratado com DNAse I (Thermo Fisher Scientific Inc.), e sua qualidade e integridade foram avaliadas por meio de visualização de rRNA após eletroforese em gel de agarose. A quantificação foi realizada por meio de espectrofotometria a 260 nm (NanoDrop, Wilmington, DE, EUA), e a pureza foi estimada por meio de razão 260/280 nm > 1,8. Um micrograma de RNA de cada estrutura dissecada foi transcrito reversamente com o High Capacity cDNA Reverse Transcription Kit (Applied Biosystems, Foster City, CA, EUA), em conformidade com as instruções do fabricante.

Cada cDNA foi usado como molde para amplificação por meio de PCR em tempo real com sondas fluorescentes (TaqMan®; Applied Biosystems) e o 7500 Real-Time PCR System (Applied Biosystems) para a detecção. O nível de expressão do gene PEDF (Rn00709999_m1) foi determinado por meio do uso de beta-actina (Rn00667869_m1) e gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (Rn01775763_g1) como genes de referência.(22) Cada reação foi realizada em um volume final de 20 µL, isto é, 1 µL de cDNA diluído em água e 19 µL de mistura matriz (1 µL de sonda TaqMan®, 10 µL de TaqMan® Universal PCR Master Mix e 8 µL de água), com valores de ciclo limiar mantidos entre 15,0 e 33,0. Todas as amostras foram processadas três vezes, e os valores médios foram calculados.

Para as análises de Western blot, todos os tecidos foram homogeneizados em tampão de lise [50 mM de Tris-HCl, pH 7,4; 100 mM de NaCl; 0,1% de Triton X-100 (The Dow Chemical Company, Midland, MI, EUA); 1 mM de EDTA e um coquetel de inibidores de protease (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, EUA)], sendo usados 10 µL de tampão de lise para cada 1 mg de tecido. Após a homogeneização, o lisado foi clarificado por meio de centrifugação a 13.000 rpm durante 10 min a 4°C, o sobrenadante foi coletado e as proteínas do sobrenadante foram quantificadas pelo método de Lowry (Bio-Rad Laboratories, Inc., Hercules, CA, EUA).

Cem microgramas de extrato proteico de todas as estruturas cerebrais foram incubados a 95°C durante 10 min com tampão de amostra, submetidos a SDS-PAGE (10%) e transferidos para uma membrana de nitrocelulose de 0,2 µm (Hybond ECL; GE Healthcare, Chalfont St Giles, Reino Unido). Após a transferência das proteínas, a membrana foi bloqueada em solução de 5% de leite desnatado em TBS com Tween 20 durante 2 h a temperatura ambiente e incubada durante a noite a 4°C com anticorpo primário PEDF (BioProducts MD, LLC, Middletown, MD, EUA) e anticorpo primário gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (Sigma-Aldrich) em diluições de 1:500 e 1:1.000.000, respectivamente. A membrana foi revelada com anticorpo secundário de cabra anticoelho, marcada com corante fluorescente Alexa Fluor® 680 (Thermo Fisher Scientific Inc.), incubada durante 1 h em tampão de bloqueio em diluição de 1:10.000, lavada com TBS com Tween 20 e escaneada no Odyssey Infrared Imaging System (LI-COR Biosciences, Lincoln, NE, EUA). As imagens foram analisadas com o Odyssey Application Software, versão 1.2 (LI-COR Biosciences).

Todos os dados foram inicialmente analisados quanto à normalidade da distribuição e à homogeneidade da variância por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov e do teste de Levene, respectivamente. Quando houve distribuição não normal ou heterogeneidade de variância, realizou-se correção pelo escore Z, e os grupos foram comparados por meio de ANOVA de uma via seguida de teste post hoc de Dunnett, quando necessário. Com respeito aos resultados do Western blot, os grupos foram comparados por meio do teste de Kruskal-Wallis em virtude do pequeno número de animais por grupo. Com respeito aos resultados do teste do LAM, os grupos foram comparados por meio de ANOVA para medidas repetidas, seguida de teste post hoc de Tukey. Todos os dados foram expressos na forma de média  erro-padrão da média. O nível de significância adotado foi de p ≤ 0,05.

Resultados

Todos os ratos aprenderam o LAM, com diferença significativa entre seu desempenho durante a fase de treinamento e seu desempenho durante a fase de aquisição. A contínua diminuição do tempo de latência mostra o processo de aprendizagem (F1,17 = 32,561, p < 0,001 para o grupo controle vs. o grupo HIC durante a fase de treinamento; F1,23 = 38,916, p < 0,001 para o grupo controle vs. o grupo HIC+N durante a fase de treinamento). Como se pode observar nas Figuras 1 e 2, nem a HIC nem a HIC+N afetaram o processo de aprendizagem (F1,17 = 1,393, p = 0,246 para o grupo HIC durante a fase de aquisição vs. o grupo HIC durante a fase de treinamento; F1,23 = 1,837, p = 0,128 para o grupo HIC+N durante a fase de aquisição vs. o grupo HIC+N durante a fase de treinamento), sem evidências de prejuízo da aprendizagem em nenhum dos dois grupos em comparação com o grupo controle.





A retenção da memória pode ser avaliada por meio da remoção da plataforma, isto é, de uma prova (ou probe trial, em inglês). Uma prova mostra se os animais aprenderam a tarefa e se foram capazes de reter as informações aprendidas. Nas provas I e II, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos HIC e controle nem entre os grupos HIC+N e controle no tocante ao tempo despendido no quadrante-alvo (F1,20 = 0,122; p = 0,731 e F1,23 = 0,278; p = 0,603, respectivamente; Figuras 1 e 2), o que mostra que nem a HIC nem a HIC+N afetaram os processos de aprendizagem e retenção de memória.

A exposição à HIC não afetou a expressão do gene PEDF no hipocampo e córtex frontal (F2,21 = 1,408; p = 0,267 e F2,21 = 2,689; p = 0,091, respectivamente), com níveis de mRNA inalterados após 6 semanas de HI. Além disso, a expressão do gene PEDF permaneceu inalterada após 6 semanas de HI seguidas de 2 semanas de recuperação em normóxia, o que mostra que embora a hipóxia induza a angiogênese, nem a HIC nem a HIC+N afetaram a expressão de PEDF, que é um importante fator neurotrófico e antiangiogênico.

A expressão relativa de mRNA de PEDF no córtex temporal aumentou 1,5 vezes após 6 semanas de exposição a HI (F2,20 = 6,583; p = 0,006; teste post hoc de Dunnett: p = 0,004). Após 2 semanas de recuperação em normóxia, o mRNA do PEDF não retornou ao normal, sendo 1,3 vezes mais elevado no grupo HIC+N do que no grupo controle (teste post hoc de Dunnett; p = 0,029; Figura 3). Isso sugere que é necessário um longo tempo para que os efeitos da HIC diminuam, ou mesmo que os efeitos da HIC são irreversíveis.



Não houve mudanças significativas nos níveis proteicos de PEDF no hipocampo (H(2) = 1,192; p = 0,551), córtex frontal (H(2) = 0,38; p = 0,981) ou córtex temporal (H(2) = 2,577; p = 0,276) dos animais expostos a HIC ou HIC+N. Embora a expressão do gene PEDF no córtex temporal tenha aumentado 1,5 vezes, os níveis proteicos permaneceram inalterados (Figura 4). É possível que isso tenha ocorrido porque o Western blot é menos sensível que a PCR em tempo real, que é um método muito mais preciso.




Discussão

Modelos de HI de curta duração têm várias implicações neurológicas: aumento da apoptose hipocampal e cortical(9); inibição da fosforilação da cAMP response element binding protein e prejuízo da aprendizagem e da memória.(6) Nossos resultados mostram que a exposição a HIC e HIC+N não afetou a aprendizagem e a retenção em uma tarefa de memória espacial e divergem dos resultados de estudos envolvendo exposição de curta duração a HI.(6,9,23-26) É possível que isso tenha ocorrido em virtude de diferenças no protocolo de hipóxia (incluindo diferenças na duração do ciclo e no tempo de exposição) e na concentração de oxigênio. Estudos envolvendo exposição de curta duração (≤ 30 dias) a HI e concentrações de oxigênio de 21% a 10% apresentaram evidências de prejuízo da memória (Tabela 1). Uma comparação dos achados dos estudos descritos na Tabela 1 mostra que a resposta cognitiva varia de acordo com o protocolo de HI.




Estudos mostram que os processos de retenção da memória não são afetados pela HIC. Shiota et al.(27) demonstraram que a exposição à HI durante 8 semanas com diferentes concentrações de oxigênio (de 21% a 5%) não afetou a aprendizagem e a retenção no teste do LAM. Golbart et al.(6) avaliaram a memória de referência espacial em ratos e demonstraram que a exposição de curta duração à HI afeta seletivamente a memória e a fosforilação da cAMP response element binding protein, ao passo que a exposição de longa duração à HI não o faz. Perry et al.(28) relataram que ratos expostos a HI durante 3 semanas não apresentaram prejuízo da aquisição/retenção em tarefa de esquiva inibitória, tarefa de memória dependente da amígdala ou caixa de atividade.

É possível que o fato de que a exposição de longa duração à HI não resulta em prejuízo da memória se deva à adaptação neural após a exposição de curta duração à HI; embora a exposição de curta duração à HI afete a aprendizagem e a memória, a exposição de longa duração não o faz. Portanto, os modelos de HI podem não ser os melhores modelos animais para estudar os efeitos cognitivos da AOS, em virtude de uma possível resposta de adaptação em animais.(29)

Nosso estudo mostrou que nem a HIC nem a HIC+N afetaram a expressão do gene PEDF ou da proteína PEDF no hipocampo. Esses resultados corroboram nossos resultados comportamentais, que sugerem que o hipocampo foi capaz de exercer sua função de aprendizagem espacial normalmente. Como o PEDF tem funções neurotróficas e neuroprotetoras importantes, espera-se que os níveis de PEDF permaneçam inalterados em casos de aprendizagem e memória inalteradas.

Nosso estudo mostrou que a expressão do gene PEDF no córtex temporal aumentou 1,5 vezes no grupo HIC e 1,3 vezes no grupo HIC+N. Esse aumento da expressão do gene PEDF é semelhante ao observado na exposição à hipóxia contínua grave (concentração de oxigênio de 0,2%) in vitro; o aumento da expressão do gene PEDF pode ser um mecanismo de defesa celular para garantir a sobrevivência celular em condições de hipóxia grave.(30) Além disso, um período de 2 semanas de recuperação em normóxia após a exposição à HIC não é suficiente para normalizar a expressão do gene PEDF, o que mostra que as alterações induzidas pela HIC podem ser duradouras.(31) Embora a expressão do gene PEDF tenha aumentado nos grupos HIC e HIC+N, os níveis da proteína PEDF não se alteraram. Há relatos de perfis de expressão gênica e proteica divergentes após hipóxia contínua grave; os níveis proteicos permaneceram inalterados e a expressão gênica aumentou 2,0 vezes.(30)

Os efeitos da HIC na expressão do gene PEDF não se reverteram após 2 semanas de recuperação em normóxia no grupo HIC+N. Isso ressalta o fato de que a HIC tem efeitos persistentes em parâmetros bioquímicos e oxidativos no tronco cerebral e prosencéfalo, que se relacionam com hipersonolência.(31)

É possível também que os níveis proteicos inalterados no presente estudo tenham ocorrido em virtude do aumento do catabolismo de PEDF, já que as metaloproteinases 2 e 9 da matriz apresentam atividade aumentada em condições de hipóxia e estão envolvidas na degradação de PEDF. Portanto, o aumento dos níveis de PEDF seguido de um aumento da atividade das metaloproteinases 2 e 9 da matriz podem resultar em níveis proteicos inalterados de PEDF.(32) Por outro lado, o VEGF, que é um potente fator angiogênico, é expresso de forma diferente nas regiões cerebrais; os níveis de VEGF permanecem inalterados no córtex temporal e aumentam no córtex frontal após a exposição à HI. Além disso, o VEGF regula a expressão de PEDF, o que apoia a ideia de uma alça de retroalimentação negativa na proteína.(33)

O presente estudo tem algumas limitações. Uma delas é que os modelos de HIC simulam somente uma das quatro principais características da AOS. Outra limitação é que nosso protocolo de HIC incluiu um baixo número de eventos de HI por hora (simulando AOS leve). Em suma, a exposição de longa duração à HI aumentou seletivamente a expressão do gene PEDF ao nível transcricional, embora apenas no córtex temporal. No hipocampo e no córtex frontal, a expressão do gene PEDF permaneceu inalterada. A expressão proteica permaneceu inalterada em todas as estruturas. A exposição à HIC não afetou a aprendizagem e a memória no teste do LAM. Esse aumento seletivo da expressão gênica no córtex temporal pode ser um mecanismo de proteção contra a lesão neuronal causada pela HIC. Os resultados do presente estudo sugerem que os efeitos que a exposição de longa duração à HI tem na memória são reversíveis.

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*Trabalho realizado no Departamento de Psicobiologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) e no Departamento de Biociências, Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, Santos (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Jair Ribeiro Chagas. Rua Napoleão de Barros, 925, 3º andar, CEP 04024-002, São Paulo, SP, Brasil.
Tel/Fax: 55 11 2149-0144. E-mail: jchagas1@gmail.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; Processo nº 558924/2008-5 para Juliana Cini Perry, 308652/2011-8 para Maria Gabriela Menezes de Oliveira, 301974/2011-0 para Sergio Tufik e 310040/2011-6 para Jair Ribeiro Chagas), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; Processo nº 2011/15060-4 para Guilherme Silva Julian, 2011/16011-6 para Renato Watanabe de Oliveira e 2011/03791-3 para Vanessa Manchim Favaro).
Recebido para publicação em 8/8/2014. Aprovado, após revisão, em 11/11/2014.




Sobre os autores

Guilherme Silva Julian
Mestrando. Departamento de Psicobiologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Renato Watanabe de Oliveira
Mestrando. Departamento de Psicobiologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Vanessa Manchim Favaro
Doutoranda. Departamento de Psicobiologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Maria Gabriela Menezes de Oliveira
Professora Associada. Departamento de Psicobiologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Juliana Cini Perry
Pós-doutoranda. Departamento de Psicobiologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Sergio Tufik
Professor Titular. Departamento de Psicobiologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Jair Ribeiro Chagas
Professor Associado. Departamento de Psicobiologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) e Departamento de Biociências, Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, Santos (SP) Brasil.

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