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Artigo Original

Fatores preditivos pré-operatórios de internação em unidade de terapia intensiva após ressecção pulmonar

Preoperative predictive factors for intensive care unit admission after pulmonary resection

Liana Pinheiro, Ilka Lopes Santoro, João Aléssio Juliano Perfeito, Meyer Izbicki, Roberta Pulcheri Ramos, Sonia Maria Faresin

ABSTRACT

Objective: To determine whether the use of a set of preoperative variables can predict the need for postoperative ICU admission. Methods: This was a prospective observational cohort study of 120 patients undergoing elective pulmonary resection between July of 2009 and April of 2012. Prediction of ICU admission was based on the presence of one or more of the following preoperative characteristics: predicted pneumonectomy; severe/very severe COPD; severe restrictive lung disease; FEV1 or DLCO predicted to be < 40% postoperatively; SpO2 on room air at rest < 90%; need for cardiac monitoring as a precautionary measure; or American Society of Anesthesiologists physical status ≥ 3. The gold standard for mandatory admission to the ICU was based on the presence of one or more of the following postoperative characteristics: maintenance of mechanical ventilation or reintubation; acute respiratory failure or need for noninvasive ventilation; hemodynamic instability or shock; intraoperative or immediate postoperative complications (clinical or surgical); or a recommendation by the anesthesiologist or surgeon to continue treatment in the ICU. Results: Among the 120 patients evaluated, 24 (20.0%) were predicted to require ICU admission, and ICU admission was considered mandatory in 16 (66.6%) of those 24. In contrast, among the 96 patients for whom ICU admission was not predicted, it was required in 14 (14.5%). The use of the criteria for predicting ICU admission showed good accuracy (81.6%), sensitivity of 53.3%, specificity of 91%, positive predictive value of 66.6%, and negative predictive value of 85.4%. Conclusions: The use of preoperative criteria for predicting the need for ICU admission after elective pulmonary resection is feasible and can reduce the number of patients staying in the ICU only for monitoring.

Keywords: Thoracic surgery; Risk factors; Intensive care units.

RESUMO

Objetivo: Avaliar se a utilização de um conjunto de variáveis pré-operatórias é capaz de antever a necessidade de internação em UTI no pós-operatório. Métodos: Estudo de coorte observacio-nal prospectivo, com 120 pacientes submetidos à ressecção pulmonar eletiva entre julho de 2009 e abril de 2012. A previsão de indicação de internação em UTI indicação foi baseada na presença de uma ou mais das seguintes condições pré-operatórias: previsão de pneumonectomia; DPOC grave/muito grave; doença restritiva grave; VEF1 ou DLCO previstos para o pós-operatório < 40% do previsto; SpO2 em repouso e ar ambiente < 90%; necessidade de monitorização cardíaca pro-filática; classificação da American Society of Anesthesiologists ≥ 3. O padrão ouro para internação justificada em UTI foi baseado na presença de uma ou mais das seguintes condições pós-operatórias: manutenção de ventilação mecânica ou reintubação; insuficiência respiratória aguda ou necessidade de ventilação não invasiva; instabilidade hemodinâmica ou choque; intercorrên-cias intraoperatórias ou no pós-operatório imediato (cirúrgicas ou clínicas); indicação do aneste-siologista ou cirurgião para a manutenção de tratamento na UTI. Resultados: Dos 120 pacientes avaliados, houve previsão de necessidade de internação em UTI em 24 (20,0%), sendo essa con-siderada justificada em 16 deles (66,6%) desses 24, ao passo que dos 96 pacientes sem previsão de necessidade de internação em UTI, essa foi necessária em 14 (14,5%). A utilização dos crité-rios preditivos para a internação em UTI mostrou boa acurácia (81,6%), sensibilidade de 53,3%, especificidade de 91%, valor preditivo positivo de 66,6% e valor preditivo negativo de 85,4%. Conclusões: A utilização de critérios pré-operatórios para a indicação de internação em UTI após ressecção pulmonar eletiva é factível e é capaz de reduzir o número de pacientes que aí perma-necem apenas para vigilância

Palavras-chave: Cirurgia torácica; Fatores de risco; Unidades de terapia intensiva.

Introdução

Segundo a Diretriz da American Thoracic Society(1) de 1997 sobre alocação de doentes em UTI, o objetivo primário desta indicação é "preservar, proteger e manter doentes sob cuidados quando a vida está ameaçada por doença aguda e crítica ou como consequência de tratamento médico ou cirúrgico". A atualização de 1999(2) complementa que a UTI serve para monitorar e cuidar de doentes com instabilidades fisiológicas potencialmente graves que necessitem de suporte técnico e/ou artificial de vida.

A European Respiratory Society e a European Society of Thoracic Surgeons(3) preconizam que as admissões em UTI após toracotomia não devem ser feitas de forma sistemática. Doentes com estimativa de baixo risco de complicações devem ser encaminhados à unidade dedicada à cirurgia torácica. Doentes que apresentem baixa reserva cardiopulmonar e que vão ser submetidos a ressecções complexas ou que apresentem risco estimado de moderado a alto para complicações devem ser encaminhados para uma unidade de alta dependência, se houver disponibilidade, e nas situações nas quais o doente necessita de suporte por falência de órgãos, este deve ser admitido em UTI.

Sabe-se que dos doentes admitidos na UTI, no pós-operatório, apenas a menor parte apresenta complicações agudas que requerem intervenções imediatas; a maioria é encaminhada para "monitoração" de uma possível deterioração do quadro clínico ou simplesmente para vigilância. (4-6) Cabe salientar que os doentes encaminhados para UTI apenas para vigilância poderiam ter desfechos desfavoráveis como maior estresse em decorrência do ambiente, da privação de sono e dos familiares. Além disso, ocorre aumento substancial dos custos hospitalares.(7)

Operação torácica evolui sempre com disfunção pulmonar, e dependendo do grau desse comprometimento, podem ocorrer dificuldade para desentubar o doente ao término do procedimento cirúrgico e necessidade de ventilação mecânica prolongada. Além disso, muitos candidatos a esses procedimentos apresentam comorbidades e/ou reserva cardiopulmonar comprometida, tornando-os mais suscetíveis a desenvolver complicações perioperatórias.(2,3) Porém qual a proporção desses doentes que se beneficiam do cenário de UTI no pós-operatório imediato também permanece sem resposta.

Poucos estudos se preocuparam em obter fatores prognósticos da necessidade de admissão em UTI,(8-11) e não há consenso na literatura sobre a indicação de UTI no pós-operatório de cirurgias de ressecção pulmonar. Assim, foi resolvido delinear um estudo para verificar se a utilização de um conjunto de variáveis estabelecidas no pré-operatório é capaz de antever a necessidade desse cenário no pós-operatório imediato.

Métodos

Foi realizado um estudo de coorte observacional, prospectivo, no período de julho de 2009 a abril de 2012, incluindo doentes encaminhados para o ambulatório de avaliação pré-operatória da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP, segundo parecer 410/09.

Foram incluídos no estudo doentes com idade acima de 18 anos, submetidos à ressecção pulmonar eletiva, com diagnóstico ou suspeita de doença benigna ou maligna. Constituíram critérios de exclusão: avaliação pré-operatória incompleta, realização de outro procedimento cirúrgico além da ressecção pulmonar, procedimento sem ressecção de parênquima e morte no pré- ou intraoperatório.

Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, iniciava-se a avaliação pré-operatória que contou com avaliação clínica e exame físico, de acordo com ficha estruturada. A avaliação funcional pulmonar foi realizada de acordo com algoritmo modificado da diretriz do American College of Chest Physicians (ACCP),(12) com os seguintes exames: espirometria pré- e pós-broncodilatador, oximetria de pulso, medida da DLCO, medida de pH e gasometria arterial, teste de exercício cardiopulmonar e mapeamento pulmonar de perfusão. Ao final da avaliação os doentes foram categorizados em risco alto ou risco aceitável.

Todos os doentes foram operados pela mesma equipe de cirurgiões torácicos e encaminhados no pós-operatório imediato para a UTI da Pneumologia, sendo posteriormente transferidos para a enfermaria de cirurgia torácica. Analgesia epidural ou intravenosa foi prescrita pelo grupo de dor, e acompanhamento fisioterapêutico foi realizado até a alta hospitalar.

As variáveis coletadas no pré-operatório foram idade, sexo, diagnóstico da doença cirúrgica, cirurgia proposta, hábito tabagístico, presença de sintomas respiratórios, comorbidades, índice de comorbidade de Charlson,(13) classificação de risco pela American Society of Anesthesiologists (ASA),(14) bem como CVF, VEF1, VEF1/CVF, DLCO e consumo de oxigênio máximo, basais e previstos para o pós-operatório (ppo).

As variáveis analisadas no intraoperatório foram tempo de anestesia, procedimento realizado, número de segmentos ressecados e complicações cirúrgicas e clínicas.

As variáveis analisadas no pós-operatório foram complicações pulmonares (ventilação mecânica prolongada, insuficiência respiratória aguda [IRA], infecção pulmonar, atelectasia, broncoespasmo, oxigenoterapia na alta), hemodinâmicas (choque, hipotensão, arritmia cardíaca, insuficiência cardíaca, crise hipertensiva) e cirúrgicas (fístula brônquica, perda aérea por mais de sete dias, sangramento com necessidade de transfusão ou reoperação, pneumotórax, empiema; Quadro 1).(15-18)



A denominação UTI indicação foi utilizada quando se verificou, no período pré-operatório (ppo), a existência de uma ou mais das seguintes condições: previsão de pneumonectomia; DPOC grave ou muito grave (VEF1/CVF < 0,7 e VEF1 < 50% do previsto); doença restritiva grave (CVF < 50% do previsto); VEF1ppo ou DLCOppo < 40% do previsto; SpO2 em repouso e ar ambiente < 90%; necessidade de monitorização cardíaca profilática e ASA ≥ 3.

A denominação UTI justificada foi utilizada quando se verificou, no período pós-operatório, a existência de uma ou mais das seguintes condições: necessidade de manutenção de ventilação mecânica invasiva ao término da cirurgia ou reintubação; IRA ou necessidade de ventilação não invasiva com pressão positiva; hipotensão com instabilidade hemodinâmica ou associada a sinais de choque, que necessitou de transfusão sanguínea além de reposição volêmica; intercorrências intraoperatórias ou na recuperação pós-anestésica (cirúrgicas ou clínicas) não solucionadas; ou indicação do anestesiologista ou cirurgião para manutenção de tratamento na UTI.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram resumidas em frequências absolutas e relativas (porcentagens). As informações referentes às variáveis numéricas foram expressas em média, desvio-padrão, mediana e intervalo interquartil. Foi realizado teste diagnóstico para UTI indicação pelo cálculo de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo e acurácia, tendo como padrão ouro UTI justificada. Os dados foram tabulados no programa Microsoft® Excel 2007. Para a realização dos cálculos estatísticos, foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences for Windows, versão 19.0 (IBM SPSS Statistics, IBM Corp., Armonk, NY, EUA).

Resultados

A Figura 1 descreve o organograma de inclusão dos doentes avaliados. As características clínicas e funcionais dos 120 doentes incluídos encontram-se na Tabela 1.






Medida da DLCO foi realizada em 31 doentes (25,8%), sendo a média  dp de 64,4  19% do previsto. Consumo de oxigênio máximo foi obtido em 4 doentes que realizaram teste de exercício cardiopulmonar, e a média foi de 21 mL . kg 1 . min 1 ou 74,5% do previsto.

O tempo médio de anestesia foi de 6,1  1,8 horas. Pneumonectomia foi realizada em 16 doentes (13,4%), lobectomia em 58 (48,3%), bilobectomia em 1 (0,8%), trissegmentectomia em 2 (1,6%), segmentectomia em 16 (13,4%) e outras cirurgias menores em 27 (22,5%).

Após análise anatomopatológica da peça cirúrgica, doenças benignas foram observadas em 41 doentes (34,1%), e doenças malignas, em 79 (65,9 %; Tabela 1).

Trinta e nove doentes (32,5%) apresentaram um total de 89 complicações. Destas, 64 clínicas (72%) e 25 cirúrgicas (28%). Hipotensão com necessidade de reposição volêmica e transfusão ou choque de várias etiologias foi a causa mais frequente das complicações clínicas (21; 23,7%), seguida por infecção pulmonar (15; 16,9%), IRA e/ou necessidade de ventilação mecânica ao término da operação (10; 11,2%), arritmia (7; 7,9%) e broncoespasmo (3; 3,4%). Ocorreram dois episódios (2,2%) de cada uma das seguintes complicações: atelectasia, edema agudo pulmonar, necessidade de oxigenoterapia na alta hospitalar e crise hipertensiva. Sangramento foi a mais frequente complicação cirúrgica (11; 12,3%), seguida por fístula brônquica (5; 5,6%), empiema (4; 4,5%), perda aérea prolongada (3; 3,4%) e pneumotórax (2; 2,2%).

A taxa de mortalidade em 30 dias foi de 2,5% (3/120), e os três óbitos ocorreram por choque séptico devido à infecção pulmonar, que, em 2 casos, foi precedida por fístulas brônquicas. Os 3 doentes em questão tinham diagnóstico de bronquiectasias com aspergiloma associado. Ocorreram mais 4 óbitos em mais de 30 dias, porém na mesma internação: 2 em operações por bronquiectasia e 2 em operações por câncer.

O grupo UTI indicação incluiu 24 doentes (24/120; 20%), e os critérios clínicos da inclusão nesse grupo foram apresentados na Tabela 2.



Na análise do grupo UTI indicação foram observados 16 casos verdadeiros positivos e 8 casos falsos positivos. Dos 8 doentes indicados incorretamente, o primeiro doente foi submetido ao tratamento cirúrgico de bronquiectasia sangrante, apresentava distúrbio restritivo e DLCOppo de 33%. No segundo doente a indicação de alocação na UTI foi por se tratar de DPOC grave, com VEF1 pré-operatório de 45% do previsto e SpO2 de 88%. Nos outros 6 doentes o procedimento operatório proposto era pneumonectomia. Todos tiveram alta da UTI na manhã seguinte ao procedimento (Tabela 3).



O grupo UTI não indicada incluiu 96 doentes, e foram observados 82 casos verdadeiros negativos e 14 casos falsos negativos. Estes 14 doentes falsos negativos eram ASA 2, tinham média de idade de 60 anos, média de VEF1ppo de 70% e o procedimento operatório proposto não era pneumonectomia (Tabela 3).

A acurácia do modelo UTI indicação foi de 81,6% (98/120), com sensibilidade de 53,3%, especificidade de 91%, valor preditivo positivo de 66,6% e valor preditivo negativo de 85,4%.

Na análise do subgrupo falso negativo observou-se que em 2 casos as operações se estenderam de lobectomia para pneumonectomia no intraoperatório; 2 doentes desenvolveram arritmia, corrigida prontamente, e 12 doentes apresentaram choque ou hipotensão com necessidade de transfusão, sendo que, em 10, o choque foi resultante de sangramento ocorrido no intra ou pós-operatório imediato (Tabela 4).




Discussão

Estudos sobre critérios de indicação de UTI no pós-operatório de ressecção pulmonar são poucos na literatura e incluíram principalmente doentes portadores de câncer de pulmão.(7,10,11) Ao planejar este estudo resolvemos abranger, também, os doentes portadores de doenças benignas, pois em países em desenvolvimento ainda são muito frequentes procedimentos operatórios para tratamento de bronquiectasias e de outras sequelas pulmonares pós-infecciosas. Sabe-se que as doenças benignas são mais prevalentes em faixas etárias mais jovens que a dos portadores de câncer de pulmão, mas nem por isso as taxas de morbidade (18 a 46%) e de mortalidade pós-operatórias (zero a 26,3%) são menores.(19-21)

Em 2008, Brunelli et al.(10) elaboraram e validaram a primeira escala de risco para predição de necessidade de UTI no pós-operatório de ressecção pulmonar, principalmente para doentes portadores de neoplasia de pulmão. Dos 1.297 doentes incluídos, 82 (6,3%) necessitaram ser admitidos na UTI, e, pelo modelo de regressão logística, esses autores observaram que os preditores independentes de necessidade de UTI foram: idade acima de 65 anos, VEF1ppo < 65%, DLCOppo < 50%, comorbidades cardíacas e pneumonectomia.

Okiror et al.(11) realizaram a validação externa da escala obtida no estudo acima citado e concluíram que a escala de Brunelli et al. apresentou moderado poder discriminatório para predizer a necessidade de UTI. Entretanto, os critérios adotados no estudo de validação não foram os mesmos do estudo original (indicação em emergência vs. predominantemente eletiva), o que comprometeu o estudo de validação.

Por esse motivo, ao analisar estudos de modelos prognósticos de risco, deve-se observar a qual população ele se aplica e, em estudos de validação, se foram realizados em circunstâncias superponíveis às do estudo original. Entretanto, precisa-se lembrar de que a maioria dos serviços não apresenta condições tecnológicas para executar modelos mais sofisticados e tampouco utiliza protocolos rígidos de inclusão.

O que poderia, então, ser feito nessa eventualidade?

Pieretti et al.(9) utilizaram um conjunto de critérios preestabelecidos para indicação de alocação em UTI e obtiveram resultados satisfatórios. Por isso resolvemos avaliar em nosso serviço, um hospital universitário, se a utilização de um conjunto de variáveis clínicas preestabelecidas e utilizadas no período pré-operatório para alocar os doentes no grupo UTI indicação seria capaz de antever a real necessidade desse cenário.

A escolha dos critérios clínicos utilizados para UTI indicação foi baseada em dados de literatura e em nossa observação clínica diária. Pneumonectomia é responsável pelas maiores taxas de morbidade e mortalidade entre as diversas ressecções possíveis.(20-23) Classificação de ASA 3 significa que o doente é portador de doença sistêmica grave que resulta em limitação funcional para a sua vida diária.(14,24-26) Valores < 50% do previsto para VEF1 e para CVF, mensurados por espirometria, estão relacionados com estádios de doença no mínimo grave. No cenário de doente com baixa reserva funcional, que será submetido à retirada de parênquima sem função, ao se utilizar os valores de VEF1ppo ou DLCOppo para indicação de UTI no pós-operatório, de certa forma, se corrige essa distorção, e o limite de 40% foi estabelecido na diretriz do ACCP.(12) A SpO2 em repouso e ar ambiente < 90% indica baixa reserva funcional e agravamento da troca gasosa na retirada de parênquima ainda funcionante. (28,29) A monitorização cardíaca profilática, em geral definida pelo cardiologista, está indicada em doentes com baixa reserva cardiovascular.(12)

A alocação no grupo UTI indicação se deu porque havia um grande fator de risco cirúrgico ou a condição clínica do doente estava comprometida quer seja por baixa reserva cardiopulmonar ou por comorbidades. Entretanto, a indicação foi incorreta em 8 doentes (falsos positivos), e os motivos dessa inclusão foram: DLCOppo < 40% do previsto, DPOC grave com SpO2 em ar ambiente de 88%, previsão de pneumonectomia. Esse achado poderia sinalizar que, mesmo em operações de grande porte, se não houver nenhum outro fator de risco, o doente poderia ser alocado em uma unidade intermediária de cuidados e não necessariamente em UTI.

Dos 96 doentes do grupo UTI não indicada, esta alocação foi incorreta em 14 doentes (falsos negativos), situação mais preocupante que a indicação de UTI sem necessidade, se acaso a evolução pós-operatória dos mesmos ficasse comprometida com essa atitude. Todas as intercorrências que justificaram a permanência na UTI aconteceram durante o ato operatório ou logo após o mesmo, sendo elas choque e/ou hipotensão que necessitou de transfusão sanguínea além de reposição volêmica e doentes submetidos à pneumonectomia cujos procedimentos propostos eram lobectomias e a ampliação foi decidida no tempo intraoperatório. E este cenário não poderia ter sido previsto no pré-operatório.

Essas intercorrências acabaram por diminuir a sensibilidade dos critérios utilizados, que ficou em 53,3%, mas o valor da especificidade e do valor preditivo negativo dos mesmos ainda foram animadores, 91% e 85,4%, respectivamente, além de se verificar uma acurácia de 81,7%.

Esses achados nos fazem pensar que a indicação de UTI no pós-operatório de ressecção pulmonar deva levar em consideração a possibilidade de grandes sangramentos e não apenas o porte da operação ou o estado clínico do doente. A maioria dos estudos que se preocuparam com a indicação de UTI para doentes candidatos a ressecção pulmonar focou principalmente em portadores de doenças malignas pulmonares,(7-11) e nosso estudo demonstrou que, em portadores de bronquiectasias, a proporção de sangramento intraoperatório foi mais que o dobro que em portadores de neoplasias pulmonares.

A principal limitação do nosso estudo refere-se ao tamanho da amostra que impossibilitou a validação interna do mesmo. A inclusão de doentes de um único serviço pode restringir o tamanho da amostra populacional, bem como dificultar a generalização dos resultados; porém, tem várias vantagens: é adequado à população que nos procura; os procedimentos operatórios são realizados pela mesma equipe cirúrgica; a avaliação clínica pré-operatória também é realizada pela mesma equipe e sempre da mesma forma, independentemente de se tratar de estudo clínico ou apenas de assistência; os cuidados na UTI e o acompanhamento por fisioterapeutas e pelo grupo de dor da instituição são condizentes com nossas peculiaridades e dificuldades. Outra mínima limitação é a sensibilidade de 53,3% do modelo, valor este que reduz a segurança em indicar UTI no pós-operatório de ressecção pulmonar; porém, esse modelo nos garante alta especificidade e valor preditivo negativo para identificar qual doente não tem indicação de internação em UTI.

Em conclusão, a utilização de medidas compostas para a indicação de alocação em UTI no pós-operatório de ressecção pulmonar é factível e acurada, e por utilizar variáveis clínicas que não requerem alta tecnologia (previsão de pneumonectomia; DPOC grave ou doença restritiva grave; VEF1ppo ou DLCOppo < 40% do previsto; SpO2 em repouso e ar ambiente < 90%; necessidade de monitorização cardíaca profilática; ASA ≥ 3), esse modelo poderá ter grande aplicabilidade na clínica diária.

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Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Ilka Lopes Santoro. Rua Calixto da Mota, 106, apto. 33, Vila Mariana, CEP 04117-100, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 5549-1830. E-mail: ilka@pneumo.epm.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 27/8/2014. Aprovado, após revisão, em 22/11/2014.



Sobre os autores

Liana Pinheiro
Pós-Graduanda. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Ilka Lopes Santoro
Professora Afiliada. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM - São Paulo (SP) Brasil.

João Aléssio Juliano Perfeito
Pró-Reitor Adjunto da Graduação. Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.

Meyer Izbicki
Coordenador do Laboratório de Função Pulmonar. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Roberta Pulcheri Ramos
Professora Adjunta. Disciplina de Pneumologia. Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Sonia Maria Faresin
Professora Afiliada. Disciplina de Pneumologia. Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP-EPM - São Paulo (SP) Brasil.

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