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Cartas ao Editor

Oxigenação extracorpórea por membrana no tratamento da SARA pós-pneumonectomia

Extracorporeal membrane oxygenation for postpneumonectomy ARDS

Maurício Guidi Saueressig, Patrícia Schwarz, Rosane Schlatter, Alexandre Heitor Moreschi, Orlando Carlos Belmonte Wender, Amarilio Vieira de Macedo-Neto

Ao Editor:

A SARA pós-pneumonectomia é uma complicação infrequente, porém com alta mortalidade (de 50% até 100%).(1) Gostaríamos de relatar um caso manejado satisfatoriamente com extracorporeal membrane oxygenation (ECMO, oxigenação extracorpórea por membrana). Uma mulher branca de 31 anos, com diagnóstico de fibrose cística havia 10 anos, apresentava pneumonias repetidas e secundárias a bronquiectasias que predominavam no pulmão esquerdo (Figura 1A). Nos últimos dois anos, apesar do uso ininterrupto de antibiótico (azitromicina, 500 mg v.o., três vezes por semana), apresentou sete infecções respiratórias, além de escarro purulento entre essas exacerbações. Dessa maneira, decidiu-se pela pneumonectomia esquerda. A evolução foi satisfatória até o 2º dia de pós-operatório (PO), quando ela iniciou com dispneia, tosse com escarro purulento, taquipneia, dor torácica em hemitórax à esquerda, estertores teleinspiratórios em campo pulmonar inferior e hipoxemia (SaO2 < 70%). O manejo inicial com ventilação não invasiva foi ineficaz, o que levou à instalação de ventilação mecânica (VM) no 3º PO (Figura 1B). Após 17 h de VM, a paciente mantinha-se com SARA, com hipoxemia e pH < 7,2, apesar das manobras de recrutamento alveolar, tentativas de redução do volume corrente, insuflação de oxigênio pela traqueia e bloqueio neuromuscular (Tabela 1). Assim, foi indicada a colocação da ECMO venovenosa (bomba centrífuga RevolutionT e oxigenador adulto EOS ECMO; Sorin, Milão, Itália) com canulação femorojugular percutânea pela técnica de Seldinger - cânula arterial 19 F na veia jugular interna direita como via de reinfusão; cânula venosa 29 F na veia femoral direita como via de drenagem (Maquet, Rastatt, Alemanha). As punções venosas e o posicionamento intravascular das cânulas foram realizados sob orientação ecográfica à beira do leito. Definimos o tempo de coagulação ativada entre 160 e 200 segundos através de heparina não fracionada em infusão contínua i.v. O fluxo de sangue da ECMO, que inicialmente era de 60 mL . kg−1 . min−1, foi posteriormente ajustado para manter a PaO2 > 50 mmHg, enquanto o fluxo de gás (sweep gas) foi titulado a fim de sustentar um pH ≥ 7,3. A temperatura da paciente permaneceu de 35,5-36,5°C. No mesmo momento, iniciamos o repouso pulmonar a partir da VM sob pressão controlada com parâmetros protetores (pressão de platô ≤ 25 cmH2O, pressão expiratória final positiva de 5-15 cmH2O e FiO2 ≤ 0,4). A paciente apresentou melhora radiológica (Figura 1C), gasométrica e da complacência pulmonar progressivamente e, no 5º dia de suporte extracorpóreo, preencheu os critérios de desmame da ECMO (Tabela 1). Três horas após, foi extubada com sucesso. A alta hospitalar ocorreu 21 dias após a internação. Não houve complicações hemorrágicas ou tromboembólicas associadas à ECMO. Em relação aos custos preliminares da ECMO, foram gastos R$ 26.315,00 com o circuito de oxigenação extracorpóreo, cânulas e materiais médico-hospitalares; R$ 5.594,93 com diárias do CTI; e R$ 1.560,23 com exames diagnósticos. O total gasto foi de R$ 33.470,16. No entanto, verificou-se que o valor faturado pela autorização de internação hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS) consistiu em apenas R$ 5.917,88.






A incidência de SARA após a pneumonectomia esquerda é de aproximadamente 4%.(2) Podemos citar como possíveis fatores desencadeantes a redução da drenagem linfática e a ventilação monopulmonar com hiperóxia, entre outros.(3) Seu tratamento de suporte é centrado na VM; entretanto, nos casos de hipoxemia refratária, métodos como a pronação(4) e a ECMO(5) surgem como alternativas de resgate.


A ECMO é um método invasivo que corrige a hipoxemia grave e a hipercapnia com pH ≤ 7,2, enquanto proporciona reduções da FiO2 (< 0,5) e da pressão de platô para níveis mais seguros, permitindo um maior repouso pulmonar em casos de SARA.(6,7) Em nossa paciente, a presença de parâmetros altos de VM (FiO2 > 0,8 e pressão de platô > 30 cmH2O), associada a um pH < 7,2 com PaCO2 > 100 mmHg, levaram à indicação precoce da ECMO, mesmo que a relação PaO2/FiO2 estivesse acima de 100 mmHg. Além disso, o valor calculado de 14 para o índice Sequential Organ Failure Assessment reflete a ausência de comprometimento multiorgânico de nossa paciente, demonstrando a política da equipe de ECMO do Hospital de Clínicas, localizado na cidade de Porto Alegre (RS), que busca o reconhecimento precoce de pacientes com SARA candidatos à ECMO que não se encontrem ainda em eminente risco de óbito. Essa conduta já foi defendida por outros grupos brasileiros de ECMO.(8,9)

Em relação aos custos, a ECMO é uma nova tecnologia ainda não contemplada pelo SUS que, por sua vez, repassou ao hospital um valor que ressarciu menos de 20% daquele gasto com o respectivo tratamento. Dessa maneira, percebe-se a necessidade de estudos de avaliação econômica da ECMO em nosso meio a fim de sustentar a sua inclusão como um procedimento pago pelo SUS.

A partir do presente relato, sugerimos o tratamento de resgate precoce com ECMO venovenosa de pacientes pós-pneumonectomia que desenvolvem SARA com hipoxemia e acidose respiratória refratárias à VM, desde que haja experiência suficiente da equipe médica na condução dessa terapia, que ainda é complexa e tem alto custo.

Maurício Guidi Saueressig
Professor Adjunto, Departamento de Cirurgia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil

Patrícia Schwarz
Médica Intensivista, Serviço de Medicina Intensiva, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil

Rosane Schlatter
Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Cardiologia e Ciências Cardiovasculares, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil

Alexandre Heitor Moreschi
Médico, Serviço de Cirurgia Torácica, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil

Orlando Carlos Belmonte Wender
Professor Adjunto, Departamento de Cirurgia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil

Amarilio Vieira de Macedo Neto
Professor Adjunto, Departamento de Cirurgia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil


Referências

1. Dulu A, Pastores SM, Park B, Riedel E, Rusch V, Halpern NA. Prevalence and mortality of acute lung injury and ARDS after lung resection. Chest. 2006;130(1): 73-78. PMid:16840385

2. Waller DA, Gebitekin C, Saunders NR, Walker DR. Noncardiogenic pulmonary edema complicating lung resection. Ann Thorac Surg. 1993;55(1):140-3. http://dx.doi.org/10.1016/0003-4975(93)90490-9

3. Hyde BR, Woodside KJ. Postoperative acute respiratory distress syndrome development in the thoracic surgery patient. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2006;18(1):28-34. http://dx.doi.org/10.1053/j.semtcvs.2005.12.002

4. Guérin C, Reignier J, Richard JC, Beuret P, Gacouin A, Boulain T, et al. Prone positioning in severe acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2013;368(23):2159-68. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1214103

5. Peek GJ, Mugford M, Tiruvoipati R, Wilson A, Allen E, Thalanany MM, et al. Efficacy and economic assessment of conventional ventilatory support versus extracorporeal membrane oxygenation for severe adult respiratory failure (CESAR): a multicentre randomised controlled trial. Lancet. 2009;374(9698):1351-63. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(09)61069-2

6. Brower RG, Ware LB, Berthiaume Y, Matthay MA. Treatment of ARDS. Chest. 2001;120(4):1347-67. http://dx.doi.org/10.1378/chest.120.4.1347

7. Terragni PP, Rosboch G, Tealdi A, Corno E, Menaldo E, Davini O, et al. Tidal hyperinflation during low tidal volume ventilation in acute respiratory distress syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(2):160-6. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.200607-915OC

8. Park M, Azevedo LC, Mendes PV, Carvalho CR, Amato MB, Schettino GP, et al. First-year experience of a Brazilian tertiary medical center in supporting severely ill patients using extracorporeal membrane oxygenation. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(10):1157-63. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2012(10)07

9. Azevedo LC, Park M, Costa EL, Santos EV, Hirota A, Taniguchi LU, et al. Extracorporeal membrane oxygenation in severe hypoxemia: time for reappraisal? J Bras Pneumol. 2012;38(1):7-12. PMid:22407035

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