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Fatores de risco para multirresistência bacteriana em pneumonias adquiridas no hospital não associadas à ventilação mecânica

Risk factors for infection with multidrug-resistant bacteria in non-ventilated patients with hospital-acquired pneumonia

Renato Seligman, Luis Francisco Ramos-Lima, Vivian do Amaral Oliveira, Carina Sanvicente, Juliana Sartori, Elyara Fiorin Pacheco

ABSTRACT

Objective: To identify risk factors for the development of hospital-acquired pneumonia (HAP) caused by multidrug-resistant (MDR) bacteria in non-ventilated patients. Methods: This was a retrospective observational cohort study conducted over a three-year period at a tertiary-care teaching hospital. We included only non-ventilated patients diagnosed with HAP and presenting with positive bacterial cultures. Categorical variables were compared with chi-square test. Logistic regression analysis was used to determine risk factors for HAP caused by MDR bacteria. Results: Of the 140 patients diagnosed with HAP, 59 (42.1%) were infected with MDR strains. Among the patients infected with methicillin-resistant Staphylococcus aureus and those infected with methicillin-susceptible S. aureus, mortality was 45.9% and 50.0%, respectively (p = 0.763). Among the patients infected with MDR and those infected with non-MDR gram-negative bacilli, mortality was 45.8% and 38.3%, respectively (p = 0.527). Univariate analysis identified the following risk factors for infection with MDR bacteria: COPD; congestive heart failure; chronic renal failure; dialysis; urinary catheterization; extrapulmonary infection; and use of antimicrobial therapy within the last 10 days before the diagnosis of HAP. Multivariate analysis showed that the use of antibiotics within the last 10 days before the diagnosis of HAP was the only independent predictor of infection with MDR bacteria (OR = 3.45; 95% CI: 1.56-7.61; p = 0.002). Conclusions: In this single-center study, the use of broad-spectrum antibiotics within the last 10 days before the diagnosis of HAP was the only independent predictor of infection with MDR bacteria in non-ventilated patients with HAP.

Keywords: Pneumonia, bacterial; Drug resistance, bacterial; Cross infection.

RESUMO

Objetivo: Identificar fatores de risco para o desenvolvimento de pneumonia adquirida no hospital (PAH), não associada à ventilação mecânica e causada por bactérias multirresistentes (MR). Métodos: Estudo de coorte observacional retrospectivo, conduzido ao longo de três anos em um hospital universitário terciário. Incluímos apenas pacientes sem ventilação mecânica, com diagnóstico de PAH e com cultura bacteriana positiva. Variáveis categóricas foram comparadas por meio do teste do qui-quadrado. A análise de regressão logística foi usada para determinar os fatores de risco para PAH causada por bactérias MR. Resultados: Dos 140 pacientes diagnosticados com PAH, 59 (42,1%) apresentavam infecção por cepas MR. As taxas de mortalidade nos pacientes com cepas de Staphylococcus aureus resistentes e sensíveis à meticilina, respectivamente, foram de 45,9% e 50,0% (p = 0,763). As taxas de mortalidade nos pacientes com PAH causada por bacilos gram-negativos MR e não MR, respectivamente, foram de 45,8% e 38,3% (p = 0,527). Na análise univariada, os fatores associados com cepas MR foram DPOC, insuficiência cardíaca crônica, insuficiência renal crônica, diálise, cateterismo urinário, infecções extrapulmonares e uso de antimicrobianos nos 10 dias anteriores ao diagnóstico de PAH. Na análise multivariada, o uso de antimicrobianos nos 10 dias anteriores ao diagnóstico foi o único fator preditor independente de cepas MR (OR = 3,45; IC95%: 1,56-7,61; p = 0,002). Conclusões: Neste estudo unicêntrico, o uso de antimicrobianos de largo espectro 10 dias antes do diagnóstico de PAH foi o único preditor independente da presença de bactérias MR em pacientes com PAH sem ventilação mecânica.

Palavras-chave: Pneumonia bacteriana; Farmacorresistência bacteriana; Infecção hospitalar

Introdução

A pneumonia adquirida no hospital (PAH) é a segunda maior causa de infecção hospitalar, atrás apenas da infecção do trato urinário; a PAH corresponde a aproximadamente 15% de todas as infecções hospitalares.(1) É, porém, a que está associada à maior taxa de mortalidade.(2) Estima-se que a mortalidade relacionada à PAH esteja entre 33% e 50%.(3) Os custos atribuíveis à PAH são substanciais porque estão associados a internação prolongada (4-9 dias).(4)

Por via de regra, a PAH resulta da invasão microbiana do parênquima pulmonar normalmente estéril. A maioria dos casos de pneumonia nosocomial é causada por microaspiração de secreções orofaríngeas ou gástricas contaminadas. Um defeito nas defesas normais do hospedeiro (por exemplo, o uso de intubação endotraqueal), a aspiração de um grande inóculo de organismos e a aspiração de um organismo particularmente virulento podem contribuir para a infecção do parênquima.(2)

Patógenos comuns associados à PAH incluem bacilos aeróbicos gram-negativos, tais como Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Acinetobacter spp. Infecções causadas por cocos gram-positivos, tais como Staphylococcus aureus - particularmente S. aureus resistente a meticilina (SARM) - têm emergido rapidamente. A pneumonia causada por S. aureus é mais comum em pacientes com diabetes mellitus e traumatismo craniano, bem como naqueles internados em UTI.(3)

A frequência de patógenos multirresistentes (MR) específicos que causam PAH pode variar de acordo com o hospital, a população de pacientes, a exposição a antibióticos e o tipo de paciente internado em UTI e muda ao longo do tempo, o que aumenta a necessidade de dados de vigilância locais e oportunos.(3)

As taxas de PAH causada por patógenos MR têm aumentado dramaticamente em pacientes hospitalizados, especialmente em pacientes internados em UTI e naqueles que receberam transplante.(5) Dados sobre os mecanismos de resistência a antibióticos de bactérias patogênicas específicas têm melhorado a compreensão da adaptabilidade desses patógenos.

O maior fator de risco de PAH é a ventilação mecânica. De fato, vários autores usam os termos "PAH" e "pneumonia associada à ventilação mecânica" (PAVM) como sinônimos. A intubação aumenta consideravelmente (de 6 a 21 vezes) o risco de pneumonia.(1) Estudos anteriores mostraram outros fatores de risco de PAH (excluindo aqueles relacionados à PAVM), provenientes de análises multivariadas: idade > 70 anos; doença pulmonar crônica; nível de consciência reduzido; aspiração; cirurgia torácica; uso de monitor de pressão intracraniana; uso de sonda nasogástrica; tratamento com bloqueadores de receptores de histamina tipo 2 (H2) ou antiácidos; transporte do paciente para fora da UTI para a realização de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos; exposição prévia a antibióticos (particularmente a cefalosporinas de terceira geração); hospitalização durante o outono ou inverno; uso de agentes paralisantes e doença subjacente.(6,7)

Nos últimos anos, comprovou-se que o tratamento inadequado da PAH, na grande maioria dos casos, se deve a bactérias gram-negativas resistentes ou SARM (não consideradas no esquema empírico inicial), e, desde então, a tomada de decisão terapêutica não tem se baseado exclusivamente no momento do início da pneumonia e no uso prévio de antibióticos. Na presença de comorbidades, uso recente de antibióticos ou em pacientes institucionalizados, a possibilidade de etiologia por germes MR torna-se maior; portanto, a presença de fatores de risco de germes MR serve como base para a tomada de decisão e elaboração de um esquema terapêutico adequado.(8)

Com base nessas considerações, o objetivo do presente estudo foi identificar fatores de risco de PAH causada por bactérias MR em pacientes sem ventilação mecânica em um hospital universitário terciário.

Métodos

Trata-se de um estudo de coorte observacional e retrospectivo, realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), um hospital universitário terciário com 780 leitos. Foram incluídos no estudo todos os pacientes admitidos ao HCPA entre janeiro de 2007 e dezembro de 2009 com diagnóstico de PAH e cultura microbiológica positiva. Todos os pacientes incluídos tinham idade > 12 anos. Foram excluídos os pacientes com PAH com cultura microbiológica negativa e os pacientes com diagnóstico de PAVM.

Suspeitava-se de PAH apenas quando os sintomas de pneumonia apareciam no mínimo 48 h após a admissão. Estabelecia-se o diagnóstico de pneumonia quando o paciente apresentava infiltrado radiográfico novo e persistente e preenchia dois dos seguintes critérios: temperatura corporal  38,0°C ou < 36,0°C; contagem de leucócitos > 11.000 células/mm3 ou < 4.000 células/mm3 e escarro purulento.(3)

Os dados coletados incluíram idade, gênero, comorbidades (incluindo DPOC, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal crônica e malignidade), tabagismo, imunossupressão, uso de antagonistas de H2, uso de inibidores de bomba de prótons, uso de corticosteroides, uso de sonda nasogástrica, uso de sonda nasoenteral, diálise, cateterismo venoso central, cateterismo urinário, terapia antimicrobiana profilática, terapia antimicrobiana nos últimos 10 dias antes do diagnóstico de PAH e infecção extrapulmonar. Os dados foram extraídos de prontuários médicos padrão e compilados em um questionário estruturado. Os pacientes eram considerados imunossuprimidos quando haviam recebido quimioterapia nos últimos 45 dias antes da admissão, quando haviam recebido corticosteroides em doses imunossupressoras (prednisona ≥ 1 mg/kg por dia ou equivalente) ou quando apresentavam neutropenia (< 1.000 células/mm3).

O tratamento antimicrobiano era considerado adequado com base nos resultados microbiológicos. A antibioticoterapia era considerada adequada quando havia cobertura de todos os patógenos isolados em cultura de escarro, sangue ou líquido pleural por pelo menos um antimicrobiano administrado para PAH, determinada pelo padrão de sensibilidade no antibiograma.

Os seguintes patógenos foram considerados MR com base no conhecimento disponível durante o estudo: SARM; Enterobacteriaceae gram-negativas produtoras de -lactamases de espectro estendido, tais como Klebsiella spp., E. coli e Proteus spp.; P. aeruginosa resistente a ceftazidima ou carbapenêmicos; outras bactérias Enterobacteriaceae panresistentes ou sensíveis somente a carbapenêmicos; Stenotrophomonas spp. resistentes a sulfonamidas; Acinetobacter spp. resistentes a ampicilina, ampicilina/sulbactam ou carbapenêmicos e Enterococcus spp. resistentes a vancomicina. Outros organismos eram considerados MR se apresentassem resistência a pelo menos três das seguintes classes de antibióticos: cefalosporinas/penicilinas antipseudomonas; macrolídeos; carbapenêmicos; fluoroquinolonas e aminoglicosídeos.

Em 2005, a Comissão de Controle de Infecção do HCPA registrou 142 casos de suspeita de PAH, e 93 casos apresentaram culturas positivas. Considerando-se uma possível frequência de multirresistência de 20% no grupo que recebeu antibioticoterapia prévia e de 5% no grupo que não recebeu antibioticoterapia, uma amostra de 140 casos poderia mostrar diferenças significativas entre os dois grupos, adotando-se um nível de significância de p = 0,05 e um poder de (1 - ) = 80%. Esse tamanho amostral poderia ser obtido por meio de uma busca de casos durante 18 meses consecutivos.

A seleção dos casos baseou-se em resultados positivos de testes bacteriológicos. Todos os casos com cultura positiva foram avaliados quanto à presença de PAH e descritos nos registros hospitalares. O protocolo de processamento do escarro incluiu uma pré-análise, a fim de validar a amostra gram. As amostras de escarro eram consideradas válidas quando o exame direto revelava menos de 10 células epiteliais e mais de 25 células polimorfonucleares com um aumento pequeno (100×). As culturas eram consideradas válidas somente quando eram consistentes com os achados do exame direto. As culturas foram qualitativamente processadas na Unidade de Microbiologia do Departamento de Patologia Clínica do HCPA, como parte do padrão de tratamento de rotina. Os resultados gram e os resultados das culturas estavam disponíveis nos prontuários médicos eletrônicos 4 h e 72 h após a coleta das amostras, respectivamente. Todos os pacientes hospitalizados por pneumonia adquirida na comunidade foram excluídos do estudo.

As variáveis categóricas foram comparadas na análise univariada por meio do teste do qui-quadrado. Para essas análises, testes bicaudais e p ≤ 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. A análise de regressão logística foi usada para determinar a relação entre os fatores de risco e a infecção por bactérias MR na análise multivariada. As variáveis com p ≤ 0,15 foram consideradas significantes e foram incluídas no modelo multivariado. No modelo multivariado, as variáveis com p ≤ 0,05 foram consideradas significantes. As análises estatísticas foram realizadas com o programa Statistical Package for the Social Sciences para Windows, versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

As variáveis contínuas são apresentadas como médias e desvios-padrão, ao passo que as variáveis categóricas são apresentadas como frequências absolutas e relativas. Para a comparação das variáveis contínuas, usamos o teste U de Mann-Whitney ou o teste t de Student, dependendo da distribuição das variáveis. Para as variáveis categóricas, usamos o teste do qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher, conforme apropriado. Foram feitas comparações entre o grupo de pacientes infectados por cepas MR e o grupo de pacientes infectados por cepas não MR.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA, que, em virtude da natureza do estudo, dispensou a necessidade de termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Durante o estudo, 529 pacientes receberam diagnóstico de PAH; 389 pacientes foram excluídos porque a cultura foi negativa, a cultura apresentou crescimento de fungos apenas ou o diagnóstico foi de PAVM. As características epidemiológicas e o estado clínico dos 140 pacientes no momento da admissão, bem como os achados clínicos no momento do diagnóstico, são mostrados na Tabela 1.



Dos 140 pacientes com PAH, 59 (42,1%) estavam infectados por bactérias MR, ao passo que 81 (57,9%) estavam livres de cepas MR. Não houve diferença significativa na mortalidade entre o grupo de pacientes infectados por bactérias MR e o de pacientes infectados por bactérias não MR (p = 0,519). De acordo com a análise univariada, os fatores associados à presença de bactérias MR na cultura de escarro ou sangue foram insuficiência renal, uso de cateter urinário e uso de antibióticos nos últimos 10 dias antes do diagnóstico de PAH.

Dos 140 pacientes, 52 estavam infectados por S. aureus, 38 (64,4%) dos quais estavam infectados por SARM (Tabela 2); no entanto, a presença do fenótipo SARM não foi um determinante significativo de diferença em mortalidade: 17 dos 37 pacientes com PAH relacionada a SARM morreram (45,9%), bem como 11 dos 22 com PAH não relacionada a SARM (50%; p = 0,763).



Dos 140 pacientes, 84 tinham PAH causada por bacilos gram-negativos, como único tipo de bactéria ou infecção polimicrobiana; no entanto, a presença de cepas MR não foi um determinante significativo de diferença em mortalidade. Dos 24 pacientes com PAH relacionada a cepas MR, 11 (45,8%) morreram, ao passo que, dos 60 pacientes com PAH causada por cepas não MR, 23 (38,3%) morreram (p = 0,527).

Na análise multivariada, adicionamos quatro variáveis (respeitando o limite de p ≤ 0,15) àquelas incluídas na análise univariada (ou seja, presença de insuficiência renal, uso de cateter urinário e antibioticoterapia nos últimos 10 dias antes do diagnóstico de PAH): presença de infecções extrapulmonares, diálise, história de DPOC e história de insuficiência cardíaca congestiva (Tabela 3). Na análise multivariada, a antibioticoterapia nos últimos 10 dias antes do diagnóstico de PAH foi o único preditor independente de infecção por bactérias MR (OR = 3,45; IC95%: 1,56-7,61; p = 0,002).



O padrão de resistência nos isolados foi o seguinte: penicilinas, em 42,2% dos isolados; cefalosporinas, em 33,3%; quinolonas, em 26,7%; carbapenêmicos, em 8,9%; e aminoglicosídeos, em 2,2%. A respeito da antibioticoterapia para bactérias MR na PAH, 15,6% e 24,4% das cepas, respectivamente, eram resistentes a ampicilina/sulbactam e a ciprofloxacina. As taxas de resistência nos pacientes com o uso prévio de antibióticos nos últimos 10 dias antes do diagnóstico de PAH são apresentadas na Tabela 4.



Discussão

No presente estudo unicêntrico, o uso de antibióticos de amplo espectro nos últimos 10 dias antes do diagnóstico de PAH foi o único preditor independente de PAH causada por bactérias MR. A insuficiência renal crônica e o cateterismo urinário foram fatores de risco para esse desfecho apenas na análise univariada.

Esses resultados vão ao encontro dos resultados de outros estudos, que descreveram antibioticoterapia prévia como um fator de risco de PAH.(9-11) No entanto, em nossa coorte, idade > 70 anos, cirurgia torácica, uso de sonda nasogástrica e terapia com bloqueadores de H2 não foram preditores independentes.

S. aureus e microrganismos gram-negativos foram os agentes etiológicos mais comuns em nossa amostra (80,0%). Bactérias hospitalares típicas foram identificadas em 125 pacientes (89,3%), ao passo que 15 (10,7%) apresentaram microrganismos comumente adquiridos na comunidade. A hospitalização prolongada e a colonização precoce do trato respiratório por flora hospitalar poderiam explicar esses resultados.(10,12)

A predisposição de S. aureus e patógenos gram-negativos para desenvolver resistência aos antibióticos já foi demonstrada. Rello et al.(12) constataram isso ao comparar pacientes com PAVM causada por SARM com pacientes com PAVM causada por S. aureus sensível a meticilina, sendo que 100% e 21%, respectivamente, receberam antibióticos alguns dias antes do início da infecção. Resultados semelhantes foram relatados por Trouillet et al.,(10) que demonstraram que hospitalização prolongada e tratamento antimicrobiano prévio foram fatores de risco de pneumonia por SARM.

A elevada taxa de resistência a oxacilina corrobora as diretrizes estabelecidas por um consenso brasileiro sobre pneumonia,(13) segundo as quais todas as cepas de S. aureus devem ser consideradas resistentes a oxacilina a fim de elaborar esquemas de tratamento empírico para pneumonia nosocomial, especialmente em casos relacionados a ventilação mecânica. Em um elegante estudo projetado para comparar quantitativamente os resultados de culturas de lavado broncoalveolar com os de culturas de amostras de biópsia pulmonar post-mortem, Balthazar et al.(14) também constataram que S. aureus era o agente causador mais comum. Dados provenientes de um programa de vigilância no Brasil,(15) porém, revelaram que, em amostras coletadas em diversos hospitais brasileiros, S. aureus foi o segundo microrganismo mais prevalente (19,6%) e que cerca de metade das cepas eram de SARM. Carrilho(16) também constatou que S. aureus foi a segunda bactéria mais comum em pneumonia nosocomial na UTI de um hospital universitário no norte do estado do Paraná. Korn et al.(17) estudaram 100 pacientes admitidos a duas UTI e relataram que, no momento da admissão, 46 estavam colonizados por SARM, e, após a admissão, 28 foram colonizados pelo mesmo tipo de bactéria, e 16 apresentaram infecção respiratória ou urinária. Os autores não encontraram fatores de risco em sua amostra, mas chamaram atenção para o fato de que 20% dos pacientes colonizados por SARM no momento da admissão não haviam sido admitidos à UTI anteriormente e não haviam sido transferidos de outra ala do hospital.

Em nossa amostra, a exposição a ampicilina/sulbactam aumentou significativamente o risco de infecções por bactérias MR - 7 casos (15,6%) vs. 1 (2,6%; p = 0,047) - mas o uso de carbapenêmicos em 9 pacientes não demonstrou tendência para esse risco (p = 0,533). Surpreendentemente, o uso de carbapenêmicos não aumentou o número de casos de multirresistência. Atribuímos isso ao pequeno número de pacientes que usaram esses antimicrobianos em nossa amostra.

Embora o uso de quinolonas tenha dobrado a frequência de infecção por bactérias MR - 12 casos (26,7%) vs. 6 (15,8%) - não houve significância estatística (p = 0,231), possivelmente em virtude do pequeno número de casos específicos. O uso limitado de quinolonas em pacientes hospitalizados é uma medida preventiva do comitê de vigilância e controle de infecções em nosso hospital.

Nossos achados vão ao encontro dos resultados obtidos por Trouillet et al., que sugeriram que o tratamento com qualquer fluoroquinolona pode ser um fator de risco para a aquisição de P. aeruginosa resistente a piperacilina.(18) Carmeli et al. também constataram que tratamento prévio com ciprofloxacina foi um fator de risco de aparecimento de P. aeruginosa resistente a antibióticos.(19)

Harris et al. constataram que a exposição a piperacilina/tazobactam foi o principal fator predisponente para infecções por P. aeruginosa MR. A exposição prévia a piperacilina/tazobactam associou-se significativamente ao isolamento de P. aeruginosa resistente a piperacilina/tazobactam (OR = 8,63; IC95%: 6,11-12,20; p < 0,0001).(20)

Além de ser intrinsecamente resistente a vários antimicrobianos, P. aeruginosa frequentemente cria mecanismos de resistência a outros antibióticos. Esse aumento da resistência aos antibióticos torna o tratamento da pneumonia causada por P. aeruginosa mais difícil e mais caro.(21) O surgimento de episódios de PAVM causada por P. aeruginosa resistente a ureidopenicilinas/carboxipenicilinas associou-se significativamente à administração de antimicrobianos de amplo espectro, tais como ureidopenicilinas, carboxipenicilinas e fluoroquinolonas, no momento da admissão à UTI.(21) As pneumonias causadas por P. aeruginosa produtora de metalo--lactamases resultam em taxas de mortalidade mais elevadas. Essas enzimas emergentes hidrolisam praticamente todos os betalactâmicos.(22)

Com base nos resultados de um programa de vigilância,(15) P. aeruginosa ainda é o tipo mais comum de bactéria causadora de PAH/PAVM. Esses dados demonstram a variabilidade não só entre hospitais como também entre alas hospitalares, bem como o risco de tratamento inadequado quando se adotam dados de prevalência provenientes de diferentes locais como base para a elaboração de protocolos de tratamento empírico.(8)

Além das cepas de S. aureus resistentes a fluoroquinolonas, aminoglicosídeos e oxacilina, a importância dos enterococos aumentou, e o surgimento de cepas resistentes a penicilina, aminoglicosídeos e vancomicina tem sido descrito em vários hospitais norte-americanos e, mais recentemente, no Brasil.(23) Em nosso estudo, não foram encontrados enterococos MR.

A duração da exposição a esses antibióticos também deve ser levada em consideração. Em um estudo caso-controle conduzido por Paramythiotou et al., em 34 pacientes infectados por P. aeruginosa MR, o tratamento prévio com ciprofloxacina ou imipenem foi um fator de risco significativo para a aquisição de cepas MR somente quando a duração do tratamento foi maior que a mediana da duração do tratamento com aqueles antimicrobianos.(24)

O uso de antibióticos (ou o uso excessivo de antibióticos) pode promover o surgimento de bactérias resistentes. A administração de antibioticoterapia de amplo espectro combinada pode levar a um aumento da mortalidade em pacientes não infectados.(25) Quando uma infecção hospitalar é diagnosticada, a antibioticoterapia de amplo espectro é frequentemente prescrita, geralmente antes que os resultados dos testes microbiológicos estejam disponíveis, em virtude da possibilidade de um germe MR ser o agente etiológico. O uso prévio de antibióticos foi um fator de risco independente para PAVM em um estudo.(26) A etiologia da PAVM naquela população foi associada a um elevado risco de germes resistentes a antibióticos. Deve-se assegurar o tratamento antimicrobiano precoce e apropriado. Consequentemente, a diminuição da intensidade de tal tratamento é o próximo passo, mas é importante obter a cura clínica para evitar microrganismos MR persistentes. A duração do tratamento deve ser avaliada. Estudos observacionais têm sugerido que o uso precoce de antimicrobianos de amplo espectro e a posterior redução da intensidade após os resultados da cultura microbiológica podem minimizar o surgimento de organismos MR(10,27) e reduzir os custos(27) durante o tratamento de pacientes com PAH. Essa estratégia foi associada a uma maior adequação antimicrobiana e a desfechos mais favoráveis,(28) reduzindo a duração total do tratamento antimicrobiano(29) e as taxas de mortalidade.(30)

Nosso estudo tem algumas limitações. Em primeiro lugar, usamos um desenho retrospectivo, e os pacientes incluídos no estudo não foram atendidos pela equipe do estudo. Selecionamos pacientes com PAH e cultura positiva para patógenos aeróbicos; porém, os que apresentaram cultura negativa foram excluídos. Os resultados negativos podem ser uma consequência do tratamento antimicrobiano prévio. Em segundo lugar, nós não obtivemos resultados de cultura de lavado broncoalveolar, somente de cultura de escarro. Finalmente, o tamanho amostral foi adequado para estratificar a presença ou ausência de bactérias MR, mas foi pequeno demais para permitir uma análise dos riscos envolvidos no uso de diferentes antimicrobianos individuais.

Entre as infecções hospitalares, a PAH é a principal causa de morte. Pode ser causada por uma ampla variedade de patógenos, pode ser polimicrobiana, e pode ser causada por patógenos MR. A frequência de bactérias MR como agentes etiológicos de PAH está aumentando, especialmente em pacientes com certos fatores de risco, tais como antibioticoterapia recente, hospitalização prolongada e alta frequência de resistência a antibióticos na unidade hospitalar específica.

Os pacotes de prevenção de PAH envolvem a implantação de várias medidas, tais como programas educacionais, medidas técnicas, vigilância e feedback, na tentativa de reduzir a incidência de PAH em pacientes em situação de risco. Em nosso estudo, o uso de antibióticos de amplo espectro nos últimos 10 dias antes do diagnóstico de PAH foi o único preditor independente de infecção por bactérias MR na PAH. Esse achado é consistente com as diretrizes brasileiras para o tratamento de PAH e PAVM, as quais afirmam que o uso prévio de antibióticos nos 15 dias que antecedem a doença é um importante fator de risco para patógenos potencialmente resistentes.(8)

A elaboração de políticas e procedimentos de controle de infecção, com vigilância em todo o hospital, a revisão do uso de antibióticos e sua relação com padrões locais de resistência a antibióticos, e a elaboração de diretrizes para o uso racional de antimicrobianos são recomendadas.

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Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Renato Seligman. Avenida Ramiro Barcelos, 2350, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, CEP
90035-903, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel. 55 51 3359-8781. E-mail: reseligman@hcpa.ufrgs.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto
Alegre.
Recebido para publicação em 22/5/2012. Aprovado, após revisão, em 14/3/2013.




Sobre os autores

Renato Seligman
Professor Adjunto. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Luis Francisco Ramos-Lima
Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Vivian do Amaral Oliveira
Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Carina Sanvicente
Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Juliana Sartori
Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Elyara Fiorin Pacheco
Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

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