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Comunicação Breve

Resistência a drogas em cepas de Mycobacterium tuberculosis isoladas de amostras de escarro de pacientes ambulatoriais sintomáticos - Complexo de Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil

Drug resistance in Mycobacterium tuberculosis strains isolated from sputum samples from symptomatic outpatients - Complexo de Manguinhos, Rio de Janeiro, Brazil

Joycenea Matsuda Mendes, Maria Cristina Lourenço, Rosa Maria Carvalho Ferreira, Leila de Souza Fonseca, Maria Helena Feres Saad

ABSTRACT

This study aimed to assess drug resistance in Mycobacterium tuberculosis strains isolated from sputum samples. To that end, sputum samples were collected from 263 patients suspected of having tuberculosis. All subjects lived in the Complexo de Manguinhos, which is located in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Cultures testing positive between October of 2000 and December of 2002 were tested to determine strain susceptibility to isoniazid, rifampicin, streptomycin, ethionamide, and ethambutol. Of the 75 patients diagnosed with tuberculosis, resistance to at least one of the drugs was found in 16 (21.4%). Of those 16 patients, 8 (50%) were new cases, and 8 (50%) had previously been treated. Multidrug-resistant tuberculosis was identified in 8 (10.6%) of the 75 patients, being associated with previous treatment in 6 (8%). The incidence of multidrug-resistant tuberculosis might have been underestimated, since M. tuberculosis was not isolated from all of the samples testing positive for acid-fast bacilli. However, at least, our findings shed some light on the problem.

Keywords: Tuberculosis; Drug resistance; Drug resistance, multiple.

RESUMO

Para descrever a resistência a drogas em cepas de Mycobacterium tuberculosis isoladas de amostras de escarro de 263 pacientes suspeitos de tuberculose moradores do Complexo de Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil, as culturas positivas entre outubro de 2000 e dezembro de 2002 foram submetidas a teste de sensibilidade para isoniazida, rifampicina, estreptomicina, etionamida e etambutol. Resistência a qualquer das drogas foi encontrada em 21,4% (16/75) dos pacientes diagnosticados com tuberculose. Destes, 50% (8/16) eram casos novos e 50% (8/16) eram casos com tratamento anterior. A tuberculose multirresistente foi encontrada em 10,6% (8/75) do total de pacientes, estando associada a tratamento anterior em 8% (6/75) deles. Nossos resultados podem ter sido subestimados, pois M. tuberculosis não pôde ser isolado em todas as amostras positivas para bacilos álcool-ácido resistentes. Contudo, eles pelo menos revelam parte do problema.

Palavras-chave: Tuberculose; Resistência a drogas; Resistência a múltiplas drogas.

A tuberculose (TB) é a principal causa de mortalidade por doenças infecciosas no mundo, sendo responsável por 2 milhões de mortes a cada ano, especialmente em países em desenvolvimento.(1,2) Apesar da existência de quimioterapia eficaz e do uso disseminado da vacina com o bacilo de Calmette-Guérin (BCG), a doença nunca foi adequadamente controlada nesses países.

O Brasil ocupa o décimo quinto lugar em número de casos estimados, com uma taxa de incidência de 62/100.000 habitantes.(3) Taxas de incidência mais altas são encontradas em cidades densamente povoadas como o Rio de Janeiro (114/100.000), o qual tem a mais alta taxa de mortalidade por TB (6,53/100.000).(4,5)

A situação da TB pode ser ainda pior em áreas com populações socialmente vulneráveis. Uma dessas áreas é o Complexo de Manguinhos, uma favela localizada na cidade do Rio de Janeiro. Apesar de os esforços feitos pelo Centro de Saúde Escola Germano Silval Faria (CSEGSF), em colaboração com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), terem efetivamente reduzido a taxa de incidência da TB no Complexo de Manguinhos,(6,7) ela continua alta: 275, 260 e 235/100.000 em 1997, 1998 e 1999, respectivamente - dados obtidos por meio do Programa de Controle da Tuberculose (PCT) do CSEGSF/ENSP/FIOCRUZ. Contudo, testes de resistência a drogas nunca foram realizados. O objetivo deste estudo foi descrever a resistência a drogas em cepas de Mycobacterium tuberculosis isoladas de adultos com sintomas respiratórios e suspeitos de TB (tosse durante 3 semanas) os quais procuraram atendimento no CSEGSF/ENSP/FIOCRUZ entre outubro de 2000 e dezembro de 2002.

O Complexo de Manguinhos abrange 12 comunidades com condições semelhantes às de uma favela. Contudo, há duas exceções, as comunidades denominadas CHP2 e Vila Turismo, as quais têm populações demograficamente densas e estrutura parcial de saneamento, com água tratada e sistema de esgoto. O Complexo de Manguinhos tem um total de 42.100 habitantes distribuídos em aproximadamente 8.000 casas (Instituto de Planejamento da Gestão Governamental do Rio de Janeiro). Os exames físicos foram realizados pelos funcionários do PCT no CSEGSF/ENSP/FIOCRUZ, quando os espécimes de escarros foram coletados e submetidos à pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes (coloração de Ziehl-Neelsen).(7) Como cultura e testes de susceptibilidade não fazem parte da rotina do laboratório do CSEGSF, eles foram realizados no Laboratório de Micobacteriologia do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/FIOCRUZ. Os isolados de cepas de M. tuberculosis foram testados em meio de cultivo de Löwenstein-Jensen usando o método padrão das proporções para susceptibilidade a isoniazida (INH), rifampicina (RMP), estreptomicina (SM), etionamida (ETH) e etambutol (EMB). Um isolado era definido como resistente quando o percentual de colônias ultrapassava 1% do crescimento em meio sem drogas (controle) nas concentrações críticas de 0,2, 40, 4,0, 20 e 2,0 µg/mL, respectivamente.(7,8) A multirresistência (MR) foi definida como resistência à pelo menos INH e RMP. Todos os casos de TB diagnosticados no Complexo de Manguinhos foram tratados e acompanhados no CSEGSF/ENSP/ FIOCRUZ.

Entre outubro de 2000 e dezembro de 2002, amostras de escarro de 263 casos suspeitos de TB foram analisadas por meio de cultura, sendo que 80 desses casos foram confirmados como TB. Contudo, 5 amostras estavam contaminadas, havendo, portanto, somente 75 amostras para os testes de susceptibilidade. A média de idade dos pacientes foi de 36 ± 14 anos (variação, 18 a 77 anos), e a maioria dos pacientes era do sexo masculino (p = 0,04). Encontravam-se disponíveis os dados sobre a sorologia para HIV de 66 dos pacientes, 4 (6%) dos quais eram HIV-positivos. Os dados de um paciente, o qual acreditava-se estar preso, não se encontravam disponíveis.

Conforme se observa na Tabela 1, 59 (78,7%) dos 75 pacientes estavam infectados por cepas susceptíveis a todas as drogas testadas: 55 eram casos novos de TB, e 4 eram casos com tratamento anterior para TB. A taxa total de resistência foi de 21,3%: 12,7% dos casos novos e 66,7% dos casos com tratamento anterior. Descobriu-se que as cepas que apresentaram resistência simples ou múltipla à SM infectavam principalmente os casos novos (4 dos 6 casos; 5,3% da amostra), e não se detectou nenhuma cepa que apresentasse resistência simples à RMP ou ao ETH. Como era de se esperar, a maioria dos pacientes infectados por cepas MR (6 dos 8 casos; 8% da amostra) haviam recebido tratamento anteriormente, nenhum era HIV-positivo, e 2 (2,6% da amostra) eram casos novos, o que totaliza 10,6% da amostra. Dos 8 casos novos que apresentaram resistência, 3 foram encontrados na maior comunidade do Complexo de Manguinhos, a CHP2, e os casos de MR foram encontrados em 2 comunidades, Vila Turismo (7.324 habitantes) e Ex-combatentes (934 habitantes), embora casos de pacientes com tratamento anterior infectados por cepas resistentes sejam mais comumente encontrados em comunidades com mais de 4.000 habitantes.





A taxa total de resistência no Complexo de Manguinhos foi de 21,4%, e, embora o número de cepas testadas tenha sido pequeno, este dado é importante pois, além de ter sido a primeira vez que a presença de resistência foi determinada na comunidade estudada, ele foi obtido em uma comunidade com alta carga de TB e poucos recursos (no Rio de Janeiro, Brasil), onde, apesar da existência de um serviço público de saúde que serve preferencialmente a esta comunidade, as taxas de incidência da TB continuam sendo um motivo de preocupação.(9) A taxa de resistência simples à INH e à SM obtida neste estudo foi alta. Contudo, a resistência simples à SM, diferentemente da resistência simples à INH, a qual foi mais freqüente entre os casos com tratamento anterior, foi detectada entre os casos novos (Tabela 1). Resultados semelhantes foram obtidos em pacientes com a co-infecção TB/ HIV em Moçambique.(10) Isso causa preocupação uma vez que o esquema I, o qual é recomendado para pacientes não tratados, não contém SM, o que sugere que cepas mais antigas (relacionadas à reativação endógena) continuam a circular no Complexo de Manguinhos. O número de pacientes HIV-positivos de nossa amostra foi pequeno (6%), e a taxa média de co-infecção TB/HIV durante o período de estudo foi de 16,3%.(9) Isso pode ter criado um viés em nossos resultados uma vez que os isolados destes pacientes não se encontravam disponíveis.

A taxa de TB-MR no Complexo de Manguinhos foi semelhante à encontrada em Moçambique.(10) A alta incidência de cepas resistentes em Moçambique reflete um padrão encontrado em pacientes com a co-infecção TB/HIV, os quais são mais susceptíveis à TB infecção, e, segundo os autores, está associada a um alto risco de exposição a cepas resistentes devido a falhas por parte do PCT. No Complexo de Manguinhos, a maioria dos pacientes eram HIV-negativos, e o problema da resistência parecia estar relacionado à não adesão ao tratamento, conforme indicado pela alta incidência de cepas MR em pacientes com tratamento anterior. Além disso, embora a população do estudo tenha sido composta por somente 36,4% de todos os pacientes com TB diagnosticados na época, esta situação talvez reflita a realidade na área. Com relação a casos novos serem infectados por cepas resistentes, deve-se suspeitar fortemente de resistência primária em pelo menos um paciente, uma vez que seu irmão encontrava-se em tratamento para TB-MR e apresentava o mesmo padrão de resistência, embora a tipagem molecular não tenha sido realizada para confirmar a identidade genética das cepas. Outros fatores podem estar envolvidos na situação da resistência no Complexo de Manguinhos. Um desses fatores é que, durante o período do estudo, o PCT pode ter sido interrompido ou ter funcionado precariamente devido à violência perpetrada pelas gangues do crime organizado na região. Este estudo foi o primeiro a prover informações sobre resistência a drogas na área de recursos limitados do Complexo de Manguinhos, e os resultados mostram que a incidência de cepas resistentes isoladas de casos novos e de casos com tratamento anterior é alta. A incidência mais alta de resistência em casos novos foi encontrada na área mais densamente povoada da comunidade (CHP2: 8.655 habitantes), e a TB-MR encontrava-se disseminada entre os pacientes com tratamento anterior que moravam em comunidades pobres e desorganizadas e com alta densidade populacional, como Mandela de Pedra, Nelson Mandela e Parque Oswaldo Cruz, reforçando a suposição de que áreas com aglomerações humanas e condições socioeconômicas precárias favorecem a disseminação de cepas resistentes. Contudo, a incidência pode ter sido subestimada uma vez que o M. tuberculosis não foi isolado de todas as amostras positivas para bacilos álcool-ácido resistentes durante o período do estudo. Nós trabalhamos com uma amostra de pacientes com tosse crônica tratados em uma clínica do CSEGSF, e o padrão de resistência obtido representa a situação neste grupo (34,6% de todos os pacientes diagnosticados durante o período do estudo). Porém, nossos resultados revelam, pelo menos em parte, o problema no Complexo de Manguinhos, esclarecendo-o de forma que ele possa ser abordado em intervenções futuras do PCT.

Referências

1. World Health Organization. Anti-tuberculosis Drug Resistance in the world. Report No.2. Prevalence and Trends. WHO/CDS/TB, 2000.

2. Goldrick BA. Update: Tuberculosis in the United States: the CDC updates its guidelines, as infection rates decline slowly. Am J Nurs. 2005;105(7):85-6.

3. World Health Organization. Global tuberculosis control. WHO/CDS/TB, 2005.

4. Hijjar MA. Tuberculose: desafio permanente. Cad Saúde Pública. 2005;1(2):348-9.

5. Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro [homepage on the Internet]. Rio de Janeiro: [cited 2004 Nov 1]; Available from: http://www.saude.rj.gov.br/ tuberculose/metropolitana.htm

6. Mendes JM, Santos MO, Esteves MA, Saad MHF, Patroclo MA. Aspectos epidemiológicos da tuberculose no Complexo de Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil. Estudo retrospectivo no período de 1986 a 1994. Pulmão RJ. 2002;11(2):46-50.

7. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Centro de Referência Prof. Hélio Fraga. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Controle da tuberculose: uma proposta de integração ensino-serviço. 5ª Ed. Rio de Janeiro: FUNASA/CRPHF/SNPT, 2002.

8. Canetti G, Fox W, Khomenko A, Mahler HT, Menon NK, Mitchison DA, et al. Advances in techniques of testing mycobacterial drug sensitivity, and the use of sensitivity tests in tuberculosis control programmes. Bull World Health Organ. 1969;41(1):21-43.

9. Mendes JM, Fonseca LS, Lourenço MC, Ferreira RMC, Saad MHF. Retrospective study: tuberculosis epidemiological aspects in Complexo de Manguinhos an urban slum area in Rio de Janeiro, Brazil, 2000-2002. J Bras Pneumol. 2007;33(4):443-7.

10. Nunes EA, De Capitani EM, Coelho E, Joaquim OA, Figueiredo IR, Cossa AM, Panunto AC, et al. Patterns of antituberculosis drug resistance among HIV-infected patients in Maputo, Mozambique, 2002-2003. Int J Tuberc Lung Dis. 2005;9(5):494-500.
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* Trabalho realizado no Laboratório de Microbiologia Celular, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Osvaldo Cruz - FIOCRUZ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Mestre em Clínica Médica. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
2. Chief Researcher and Head of the Bacteriology Department. Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas - IPEC, Evandro Chagas Institute of Clinical Research - Rio de Janeiro (RJ) Brazil.
3. Mestre em Ciências (Microbiologia) no Instituto de Microbiologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
4. Professora Titular. Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
5. Pesquisadora Titular do Laboratório de Microbiologia Celular. Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Helena Féres Saad. Laboratório de Microbiologia Celular, Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ, Av. Brasil, 4365, CEP 21045-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2598-4346. Fax 55 21 2270-9997. E-mail: saad@ioc.fiocruz.br
Recebido para publicação em 7/11/2006. Aprovado, após revisão, em 6/2/2007.


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