Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
10264
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Características clínico-demográficas de pacientes hospitalizados com tuberculose no Brasil, no período de 1994 a 2004

Clinical and demographic characteristics of patients hospitalized with tuberculosis in Brasil between 1994 and 2004

Norma Pinheiro Franco Severo, Clarice Queico Fujimura Leite, Marisa Veiga Capela, Maria Jacira da Silva Simões

ABSTRACT

Objective: To describe the demographic and clinical characteristics of patients with tuberculosis hospitalized in the Nestor Goulart Reis Hospital, located in the city of Américo Brasiliense, Brazil. Methods: Epidemiological investigation by means of an observational, retrospective, descriptive study based on the medical charts of patients diagnosed with tuberculosis and hospitalized between 1994 and 2004. Results: There were 1787 patients diagnosed with tuberculosis during the period evaluated. Of those, 117 (7%) were females, 1670 (93%) were males; 1215 (68%) were single, separated or widowed. Most of the patients (74%) had not completed middle school, and most (63%) were between 30 and 50 years of age. In addition, 61% suffered from alcoholism. The most common occupation was farm worker (25% of the patients), and 70% of the patients were unemployed. The most common clinical form of the disease was the pulmonary form (in 92%). The rate of medical discharge was 60%. The treatment regimen differed from the standard (rifampin, isoniazid and pyrazinamide) in 34% of the cases. Conclusions: The profile of the patients with tuberculosis hospitalized in the hospital studied showed that they had special requirements: they were unable to take care of themselves (social cases) and required alternative treatment regimens, which justified their hospitalization. This hospital played an important social role in the treatment and guidance of these patients.

Keywords: Hospitalization; Tuberculosis; Demography.

RESUMO

Objetivo: Descrever as características clínico-demográficas de pacientes com tuberculose internados no Hospital Nestor Goulart Reis, de Américo Brasiliense (SP). Métodos: Investigação epidemiológica através de um estudo observacional, retrospectivo, descritivo, conforme as fichas de internações de pacientes com tuberculose, ocorridas no período de 1994 a 2004. Resultados: O número de pacientes com tuberculose durante o período foi de 1787: 117 (7%) eram do sexo feminino; 1670 (93%) eram do sexo masculino; e 1215 (68%) eram separados, solteiros ou viúvos. O grau de escolaridade mais freqüente foi o de 1º grau incompleto (74%). A faixa etária mais atingida (de 30 a 50 anos) totalizou 63%. O alcoolismo esteve associado em 61%. A profissão mais freqüente foi a de lavrador (25%) e 70% dos pacientes estavam desempregados. A forma clínica mais freqüente foi a pulmonar (92%). O índice de alta por indicação médica foi de 60%. Em 34% dos casos foi utilizado um esquema terapêutico diferente do usual (rifampicina, isoniazida e pirazinamida). Conclusões: O perfil dos internos para tratamento da tuberculose neste hospital indicou que estes tinham necessidades diferenciadas: dificuldades para cuidar de si mesmos (os casos sociais) e necessidade de terapia diferenciada do esquema usual, o que justificou as internações. O Hospital cumpriu importante papel social no tratamento e orientação destes pacientes.

Palavras-chave: Hospitalização; Tuberculose/epidemiologia; Demografia.

Introdução

A tuberculose, doença infecto-contagiosa, acomete o homem há milênios, como demonstram os esqueletos fósseis de seres humanos com lesões ósseas compatíveis com essa enfermidade encontrados em várias regiões e datados até de cinco mil a. C.(1) A identificação do bacilo de Koch (1882) como agente etiológico da tuberculose foi um marco fundamental para o conhecimento da doença. Atualmente, no entanto, enfatiza-se a importância de fatores não biológicos determinantes da morbidade e da mortalidade. Em algumas enfermidades, a influência de tais fatores é mais nítida, como no caso da tuberculose. A simples presença do bacilo de Koch não basta para causá-la. Freqüentemente, os fatores de ordem social, econômica e cultural têm que estar presentes para que a moléstia se desenvolva. Assim sendo, muitas vezes, alterações nas condições de vida das pessoas são fundamentais para explicar modificações em sua incidência e prevalência.(2) A desnutrição, deprimindo a imunidade celular, justifica o maior adoecimento. Atualmente, considera-se que são responsáveis pelo aumento da endemia tuberculosa no mundo a infecção pelo HIV, o uso de drogas injetáveis, o aumento da pobreza e do número de desabrigados, a migração, a má nutrição, a urbanização e a perda da qualidade dos programas de controle da tuberculose.(1)

A média de abandono do tratamento em nosso país é de 12%, o que é preocupante devido às implicações negativas a que leva esta prática.(3) Quando a associação de drogas, que é considerada o grande trunfo para evitar a emergência da resistência, é utilizada de maneira inadequada, como nos casos de abandono, ocorre o aparecimento de resistência às drogas, pois a cada reinicio de uso poderá haver a seleção dos mutantes resistentes devido às diferenças nos tempos de ação de cada droga.(4) Este fato é da maior importância para o Programa Nacional de Controle da Tuberculose, não somente para o doente que faz uso irregular ou no caso de abandono, mas também para o manuseio das drogas pelos médicos, frente a efeitos adversos, necessitando um monitoramento adequado para prevenir o surgimento da resistência nestes pacientes.(5) O alcoolismo, o desemprego e a presença do vírus da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) são fatores que contribuem para o abandono do tratamento.

Nas últimas décadas no Brasil, foi debatida a possibilidade da possível extinção dos hospitais de tisiologia, o que ainda não é possível em nossos dias devido às condições materiais precárias em que ainda vive grande parte da população brasileira. A existência de indivíduos sem domicílio ou sem empregos permanentes, necessitados de cuidados adequados para o tratamento da tuberculose e as chamadas "internações sociais" ainda são uma realidade em nosso meio.(6,7)

O objetivo deste trabalho foi o de caracterizar a tuberculose em internos do Hospital Nestor Goulart Reis (HNGR), de Américo Brasiliense (SP), segundo alguns caracteres epidemiológicos da doença, verificando as associações dos fatores relativos à população hospitalizada segundo as seguintes variáveis: idade, sexo, escolaridade, atividade profissional, duração do tratamento e associação com outras morbidades. Além disso, objetivamos verificar os índices de ocorrência das formas clínicas, as modalidades de diagnóstico para os casos de tuberculose pulmonar, bem como a incidência de variedades multidroga resistentes (MDRs).

Métodos

Esta é uma investigação epidemiológica realizada através de um estudo observacional, retrospectivo e descritivo das internações para tratamento da tuberculose, ocorridas no HNGR, no período de 1994 a 2004, através do levantamento de dados dos registros disponíveis nas fichas de internação dos pacientes.

O HNGR é um hospital estadual de referência para tratamento da tuberculose. Foi inaugurado em 1958 com capacidade de 672 leitos, mas sofreu ao longo dos anos um redimensionamento, sendo que, em 2001, esta capacidade passou a ser de 54 leitos para pacientes com tuberculose e 20 leitos para pacientes com tuberculose MDR e 12 leitos para tratamento de pacientes com AIDS.

O Hospital é referência para as Diretorias Regionais de Saúde de Araraquara, Barretos, Franca, Ribeirão Preto e São João da Boa Vista e, quando necessário, atende também as de Araçatuba, Presidente Prudente, São José do Rio Preto, Bauru, Marília, Assis, Sorocaba, Botucatu e Piracicaba.

O estudo recebeu a aprovação do Comitê de Ética e do Comitê Científico do HNGR. Os dados coletados foram analisados através do programa Epi-info, versão 3.3.2. Neste trabalho foram realizadas análises descritivas das seguintes variáveis: gênero, idade, cor, estado civil, escolaridade, número de filhos, moradia, presença de outras morbidades, profissão, situação profissional, formas clínicas da tuberculose, tipos de tuberculose, tipo de saída, duração da internação e medicamentos utilizados no tratamento dos pacientes internados no hospital durante o período.

Resultados

A análise dos resultados dos dados epidemiológicos dos pacientes internados no HNGR, no período estudado, demonstrou que do total de 1969 internações, 182 tratavam-se de reinternações e, que, portanto, o número total de pacientes portadores de tuberculose internados durante o período foi de 1787.

Deste total, 117 (7%) eram do sexo feminino e 1670 (93%) do sexo masculino, porém há que se considerar que, até o ano de 1998, este hospital não aceitava a internação de pacientes do sexo feminino, o que pode justificar a distorção do dado. As internações, a partir de 1998, segundo o sexo foram: 729 (85%) homens e 129 (15%) mulheres, totalizando 858 internações no período de 1998 a 2004.

A cor branca foi predominante (1074 pacientes; 60%). Quanto ao estado civil, 1219 (68%) pacientes eram separados, solteiros ou viúvos. Quanto ao grau de escolaridade, o grupo mais freqüente foi de 1º grau incompleto (1322 pacientes; 74%), ao passo que 1787 (41%) pacientes não possuíam filhos.

A faixa etária mais atingida compreendeu dos 30 aos 50 anos, totalizando 1127 (63%) casos. Observamos somente um caso de tuberculose pulmonar infantil, acometendo um menino de dois anos. A mãe era portadora do HIV e tuberculose e iniciou o tratamento juntamente com o filho, que não era portador do vírus HIV. Foi um caso de transmissão intradomiciliar que evoluiu para cura, verificando-se a saída após 171 dias de internação.

Quanto às profissões, entre as mais freqüentes estão a de lavrador (450 pacientes; 25%) e pedreiro (244 pacientes; 14%). Apenas um (<1%) paciente não tinha ocupação e em 99 (6%) casos esta era ignorada, apesar de relatarem alguma profissão (Tabela 1). Verificou-se que 1252 (70%) pacientes estavam desempregados.





Observou-se que 782 (43,7%) pacientes não relataram a forma de moradia e 199 (11%) viviam sós (Tabela 2). A sorologia positiva para o vírus HIV foi verificada em 67 (3,7%) casos, porém há de se considerar que o número de exames não realizados por recusa ou por outros motivos foi alto (24%), o que pode estar distorcendo este dado. A saída por iniciativa médica foi a causa mais freqüente, em 1063 (60%) casos; o índice de abandono foi de 18% e o índice de óbito pela doença foi de 12%. A baciloscopia foi positiva em 794 (44%) casos. No momento da saída, este índice caiu para 68 (8%) casos, considerando-se o total dos que eram bacilo álcool-ácido resistente positivos na internação. A forma clínica mais freqüente foi a pulmonar (1651 casos; 92%). As recidivas ocorreram em 279 (16%) casos, houve 75 (4%) casos de tuberculose MDR e 305 (17%) pacientes relataram episódios de tuberculose familiar. Do total de pacientes, 119 (7%) foram encaminhados para internação com sintomas sugestivos de tuberculose, porém ao realizarem os exames, a tuberculose ativa não foi confirmada (Tabela 3).









O alcoolismo esteve associado em 1101 (61%) casos. A associação com a AIDS esteve presente em 16 (0,9%) casos. O tempo de internação oscilou de 1 a 814 dias, estando o intervalo mais freqüente situado no período de 3 a 7 meses de internação (41%). A associação de drogas de maior escolha em 1173 (66%) casos foi: rifampicina+isoniazida+pirazi namida (RMP+INH+PZA) (Tabela 4).





Discussão

Até o ano de 1980, quase todos os casos de tuberculose eram encaminhados para internação, apesar do Ministério da Saúde já recomendar o tratamento domiciliar com vantagem sobre o hospitalar.(6) O tratamento hospitalar tem sido cada vez menos empregado, mas ainda é impossível cogitar-se a eliminação completa dessa modalidade de tratamento, imprescindível para os que vivem em condições de desamparo social. Essa necessidade fica reforçada quando se somam a ela as condições de alcoolismo, desnutrição e drogadição.

As alterações nas políticas de saúde ocorridas em 1980 ocasionaram grandes transformações no HNGR, com a redução de 50% de sua capacidade operacional, sendo que essas alterações permaneceram até chegar em um redimensionamento de 54 leitos para tratamento da tuberculose, 20 para tratamento da tuberculose MDR e 12 para tratamento da AIDS.

Os dados referentes à moradia, grau de escolaridade, profissão e situação profissional, caracterizam a questão social desta população de internos do HNGR, pois a maioria tem baixo nível de escolaridade (77,8%), exerciam as profissões de lavrador (25 %) e pedreiro (14%) e estavam desempregados (70%) no momento da internação, demonstrando o prejuízo que traz a doença para essa população, que deveria estar economicamente ativa. Estes dados demonstraram a associação entre baixa escolaridade, baixa renda e tuberculose, confirmando a tendência secular da doença em atingir preferencialmente os mais pobres.

Quanto à faixa etária mais atingida, de pacientes entre 30 e 50 anos (63%), o encontrado é compatível com outros estudos que evidenciam que, em países em desenvolvimento como o Brasil, a tuberculose acomete principalmente a população economicamente ativa, conferindo uma conotação social à doença,(7) diferentemente do que ocorre nos países desenvolvidos, onde a população mais atingida é a de faixa etária mais avançada.(8,9) Verificamos que o índice da população de internos no HNGR, acima de 70 anos, foi de aproximadamente 4%.

Analisando-se o índice de baciloscopia no momento da internação (44,5%), verificamos que este está aquém do esperado, pois a sensibilidade esperada para a detecção deste exame está em torno de 60%.(10) Este baixo desempenho pode ser justificado pela baciloscopia não ter sido realizada em 172 casos (9,6%), dificuldades na coleta, pacientes internados em mau estado geral, recusas e pela falha nos apontamentos das fichas de internação em 63 casos (3,5%), o que, para a fidelidade de nossos dados, não poderia deixar de ser registrado.

Entretanto, a indicação para internação não se baseia exclusivamente no resultado da baciloscopia positiva, mas também por outros critérios clínicos que indiquem a presença da tuberculose no doente, tais como expectoração, febre, sudorese, emagrecimento, tosse persistente, assim como a realização de outros exames presuntivos, tais como raios X que apresentem resultados compatíveis com a doença. Pode também ter ocorrido de o paciente ter realizado o exame no local de origem, nos casos de transferências, e o resultado do mesmo não ter sido registrado nas fichas de internação. Feita esta ressalva, observa-se que os resultados negativos (42,4%) se encontram dentro do esperado.

Quanto ao indesejado índice de baciloscopia positiva (8%) na saída, este pode ser explicado pelos casos de abandono do tratamento e de saída disciplinar, onde há a interrupção do tratamento e, por conseguinte, complicam a situação da transmissão da doença. Sabe-se que uma vez iniciado o tratamento, a interrupção do mesmo dá ensejo ao aparecimento de cepas MDRs, o que é relevante para a epidemiologia.

A principal co-morbidade foi o alcoolismo (61%), e estes dados estão de acordo com outros estudos, que demonstraram forte associação entre a tuberculose e o alcoolismo,(6,7,11) o que é compreensível, pois a caquexia decorrente do etilismo predispõe o indivíduo a um quadro de baixa imunidade.

A forma clínica predominante foi a pulmonar (92%), cujo contágio é de pessoa a pessoa e representam, em sua maioria, casos ligados a pacientes imunocompetentes, caracterizando o quadro típico de tuberculose. Com o advento da AIDS, observou-se um aumento do número de casos de tuberculose extrapulmonar nesses casos.(12,13) Neste sentido, o valor de 92% de casos de tuberculose pulmonar reforça o nosso dado, pois apesar deste hospital ser referência estadual para tratamento da AIDS, encontramos uma baixa incidência de co-infecção tuberculose AIDS (4%) no período estudado, o que talvez possa ser explicado pela limitação do número de leitos para o tratamento da AIDS.

Notamos na tabela 3 que o percentual de pacientes diagnosticados com tuberculose MDR é de 4%; porém, comparando-se com a tabela 4, onde estão listadas as drogas utilizadas no tratamento, verificamos um percentual maior de pacientes utilizando terapia diferenciada do esquema usual (20%) e, desta forma, apesar de não terem sido caracterizados como tal na ficha de internação, pode-se considerar que não estavam respondendo ao esquema I (associação RMP+INH+PZA),(4) necessitando de esquemas alternativos. Esta inferência pode ser reforçada pelo tempo de internação superior a seis meses, que é o recomendado para o esquema I, e que foi observado em 25% dos internos. Este percentual pode estar representando não só os casos de falência de tratamento como também os casos sociais e os casos de intolerância medicamentosa (Tabela 4).

Ainda analisando a tabela 3, vale ressalvar a distinção feita em nosso trabalho entre os termos reinternação e recidiva. Assim, do total de 1969 internações do período, foram excluídas 182 reinternações de pacientes assíduos, considerando-se somente a primeira internação do mesmo no período estudado. Por recidiva denominamos aqueles casos em que havia menção nas fichas de episódio de tuberculose anterior, tratada ambulatorialmente ou através de internação em outras instituições ou no próprio HNGR, em período

anterior ao estudado. Infelizmente a análise deste dado ficou prejudicada a partir do momento em que deixou de ser anotado nas fichas, gerando o percentual de 50% de ignorado. De qualquer forma, seja recidiva (15%), seja reinternação (9,24%) por conseqüência de abandono de tratamento ou reinfecção pela tuberculose nos que tiveram saída por indicação médica, esses dados sugerem que há

o que se fazer para melhorar o êxito do controle da doença, levando-se em conta que, em certos indivíduos, pode ser verificada uma predisposição inerente a episódios recorrentes de tuberculose.(11) Houve 119 (6,7%) pacientes que foram encaminhados para internação com sintomas sugestivos de tuberculose nos quais, ao se realizarem os exames, não se confirmou a tuberculose ativa. Tratava-se de casos de seqüela de tuberculose anterior ou outras infecções pulmonares que não a tuberculose . A análise do histórico de tuberculose familiar também ficou prejudicada pela falta de anotação nas fichas (27% de ignorados). Nestes casos, é muito interessante pensar em um estudo utilizando-se a epidemiologia molecular para rastreamento da fonte de infecção. Métodos baseados na seqüência do DNA do genoma bacteriano, tais como Restriction fragment length polimorphism e Mycobacterial interspersed repetitive units hoje são empregados na detecção de casos ligados, possibilitando a comparação entre linhagens de diferentes áreas geográficas e no rastreamento de clones de Mycobacterium tuberculosis de importância para a saúde pública.(14,15)

Em relação aos achados na sorologia para o HIV (Tabela 2), vale ressaltar que a positividade pode ser ligeiramente maior do que o encontrado devido ao índice de exames não realizados por motivos diversos (11%) e falta de anotação do resultado nas fichas (13%).

O tipo de saída mais freqüente foi por indicação médica (60%), seguido por abandono (18%), óbito (12%), disciplinar (2,5%) e transferências (2%). Em 6% dos casos não havia menção sobre o tipo de alta do paciente. Estes dados estão compatíveis com o encontrado na literatura.(10,11) Num estudo realizado em cinco hospitais especializados para tratamento da tuberculose no estado de São Paulo, a média do índice de saída por indicação médica foi de 58,7%; a de abandono, 7,5%; óbito, 12%; disciplinar, 3,5%; e transferências, 3,4%. O resultado alcançado pelo hospital do presente estudo apresenta média superior em relação às demais instituições especializadas para o tratamento da tuberculose no estado, cumprindo assim o seu papel na sociedade, apesar das dificuldades encontradas na adesão ao tratamento, como é demonstrado pelo índice de abandono e alta disciplinar, que juntos representam 20% dos casos e prejudicam o êxito do tratamento. As dificuldades enfrentadas pelo interno etilista ou drogadito, nas síndromes de abstinência, podem justificar este dado. O consumo de álcool tem sido apontado como fator de reativação da tuberculose e de dificuldade para adesão ao tratamento.(11) Uma das condições que impedem a adesão é a instabilidade emocional crônica, especialmente quando os indivíduos ultrapassam a fase aguda da doença e julgam-se curados. Os serviços organizados deverão estar alerta às necessidades e percepções do paciente e estar preparados para alterações que evitariam a "falência social". O alcoolismo pode ser detectado na primeira entrevista com os doentes, e sua monitoração pode ser feita com tratamento supervisionado pelas unidades. Várias experiências têm demonstrado a validade destas medidas, como recursos para prevenção de recidivas e resistências às drogas. O apoio social da família ou de outras pessoas, profissionais de saúde ou vizinhos pode melhorar a aceitação do tratamento pelo paciente. Além disto, é preciso reconhecer quais das condições que predispõem à tuberculose ainda persistem e quais intervenções não médicas são indispensáveis perante o desemprego, o alcoolismo e a desnutrição.

Analisando o perfil predominante dos indivíduos internados com tuberculose no HNGR durante o período, observamos que o hospital cumpre um relevante papel social no tratamento e na orientação destes pacientes.

Referências

1. Marques AMC, Cunha RV. A medicação assistida e os índices de cura de tuberculose e de abandono de tratamento na população indígena Guaraní-Kaiwá no Município de Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2003; 19(5):1405-11.

2. Pereira JCM, Ruffino-Netto A. Sobre Tuberculose. In: Pereira JCM, editor. Medicina, Saúde e Sociedade. Ribeirão Preto: Complexo Gráfico Villimpress; 2003. p. 149-171.

3. Xavier J, Franco JH, Machado K, Carvalho M, Rocha RL. 6º Congresso Brasileiro De Epidemiologia -Cidade mais justa e saudável. RADIS Comunicação em saúde. 2004 Aug 14. p. 8-28.

4. Mitchison DA. How drug resistance emerges as a result of poor compliance during short course chemotherapy for tuberculosis. Int J Tuberc Lung Dis. 1998;2(1):10-5.

5. Natal S, Valente JG, Sánchez AR, Penna MLF. Resistência a isoniazida e rifampicina e história de tratamento anterior para tuberculose. Cad. Saúde Pública. 19(5):1277-81.

6. Motivos e tempo de internação e o tipo de saída em hospitais de tuberculose do Estado de São Paulo, Brasil - 1981 a 1995. J Pneumol. 27(3):123-9.

7. Leite CQF, Telarolli JR R. Aspectos epidemiológicos e clínicos da tuberculose. Rev Bras Cienc Farmac. 1998;18(1):17-27.

8. Bethlem N. Tuberculose in: Pneumologia. 2nd ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1975;185-226.

9. Rieder HL. Bases epidemiológicas do controle da tuberculose. Trad. José Miguel Carvalho. Lisboa: Direção-Geral da Saúde, 2001. p. 168.

10. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Tuberculose -Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasilia: Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde; 2002.

11. Oliveira HB, Moreira-Filho DC. Recidivas em tuberculose e seus fatores de risco. Rev Panam Salud Publica. 2000;7(4):232-41.

12. Monti JFC. Epidemiological, clinical and evolutive profile of tuberculosis in the Municipal Region of Bauru, São Paulo State. Rev Soc Bras Med Trop. 2000;33(1):99-100.

13. Atomiya AN, Uip DE, Leite OHM. Evaluation of disease patterns, treatment and prognosis of tuberculosis in aids patients. Braz J Infect Dis. 2002;6(1):29-39.

14. Malaspina AC. Estudo da epidemiologia molecular da tuberculose em pacientes de Araraquara/SP no período de 2000 a 2002 [Dissertation]. Araraquara: Universidade Estadual Paulista; 2004.

15. Pandolfi JRC. Otimização da técnica de MIRU (Mycobacterial Interspersed Repetitive Units) para o estudo epidemiológico de pacientes com tuberculose [Thesis]. Araraquara: Universidade Estadual Paulista; 2006.
___________________________________________________________________________________________
*Trabalho realizado no Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Araraquara (SP) Brasil
1. Biomédica-aluna de pós-graduação em Análises Clínicas. Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Araraquara (SP) Brasil.
2. Professor titular. Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Araraquara (SP) Brasil.
3. Professora. Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Araraquara (SP) Brasil.
4. Professora Adjunta. Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Araraquara (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Profa. Dra. Maria Jacira da Silva Simões. Rodovia Araraquara-Jaú, Km 1, CP 502, CEP 14801-902, Araraquara, SP, Brasil.
Tel 55 16 3392-3354. Fax 55 16 3392-4739. E-mail: normasevero@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 10/7/2006. Aprovado, após revisão, em 5/1/2007.


Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia