Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
5315
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Definindo o controle da asma: tempo de procurar novas definições?

Defining asthma control: time to look for new definitions?

Emilio Pizzichini

A etiologia da asma é desconhecida e ainda não existe uma definição única de consenso. Assim, a asma tem sido definida pelo conjunto de suas características clínicas, fisiopatológicas e anatomopatológicas.(1) A principal característica clínica é a ocorrência de episódios intermitentes de dispnéia, principalmente noturna, e tosse (que pode ser manifestação isolada) associada ou não à presença de sibilos expiratórios. A característica fisiológica predominante é a limitação reversível ao fluxo de ar das vias aéreas, a qual é devida, principalmente, ao aumento da responsividade das vias aéreas a estímulos inespecíficos. Do ponto de vista anatomopatológico, a alteração predominante é a presença de inflamação das vias aéreas, com infiltrado das paredes das vias aéreas por células sangüíneas não-residentes, das quais a mais característica, porém não exclusiva, é o eosinófilo.(2) A inflamação das vias aéreas é tida como central na patogênese da asma.(3) Acredita-se que o processo inflamatório das vias aéreas seja a causa primária da asma e seus sintomas, determinando a sua gravidade, a ocorrência de exacerbações e as alterações estruturais subseqüentes (remodelamento das vias aéreas), que determinam a persistência de anormalidades clínicas, como sintomas, limitação ao fluxo de ar das vias aéreas e hiper-responsividade, mesmo quando a inflamação está controlada.

Por esta definição podemos concluir que os sintomas são apenas um dos desfechos que caracterizam esta condição clínica denominada asma. Entretanto, durante muitos anos, os sintomas vêm sendo utilizados como desfecho, ou critério principal, para definir o controle da asma. Isto acontece porque, na grande maioria da vezes, os asmáticos nos procuram por apresentar um aumento nos sintomas de asma. Contudo, embora os sintomas possam ser um indicador sensível de mudanças do fluxo ou responsividade das vias aéreas, em muitas ocasiões eles podem ser pouco sensíveis ou inespecíficos. Por exemplo, um estudo(4) avaliou mudanças nos sintomas e no pico de fluxo expiratório (PFE), em pacientes com asma atendidos em clínicas de atenção primária. Alterações nos sintomas correlacionaram-se com mudanças no PFE em 60% dos casos, mas em 30% das vezes estiveram aumentados sem mudança no PFE, e em 10% estavam ausentes, com alterações significativas no PFE. O reconhecimento inadequado da limitação ao fluxo de ar também pode ser observado quando a limitação é produzida

mediante broncoprovocação induzida por metacolina. Neste caso, um outro estudo(5) observou que 12% dos indivíduos que desenvolveram uma queda no volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) de 50% do previsto, após terem inalado metacolina, não relataram sintomas. Estes valores de percepção inadequada podem ser considerados baixos em relação àqueles observados por um outro estudo,(6) que relatou a recuperação de asmáticos hospitalizados tratados por uma exacerbação. Observou-se que os sintomas desapareceram em todos os pacientes quando o VEF1 ainda estava reduzido em mais de 50%, levantando a hipótese que este fenômeno possa ser um importante determinante da gravidade da apresentação da exacerbação, antes de o paciente procurar por ajuda. Esta correlação parcial ou inadequada entre os sintomas e os fluxos expiratórios também tem sido observada quando comparamos os sintomas com o processo inflamatório das vias aéreas.(7)

Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Ponte et al.(8) relatam a experiência da percepção dos sintomas em uma população menos afluente de Salvador. Em um estudo transversal, 289 asmáticos, consecutivamente incluídos com doença de gravidade diversa, foram avaliados por meio de questionários estruturados, uso de medicação e avaliação funcional, a fim de determinar a percepção do nível de controle dos sintomas. Os autores concluíram que um número significativo de pacientes, nestas condições, não percebem adequadamente o controle da doença, principalmente os pacientes mais idosos, aqueles com baixa renda familiar e aqueles com doença mais leve. Os achados atestam, mais uma vez, a falta de acurácia dos sintomas em retratar o nível de controle.

Contudo, a informação mais preocupante desta pesquisa talvez tenha sido subestimada pelos autores. Observando a Tabela 1 desse estudo, podemos perceber que apenas 14% dos pacientes informaram que o controle da asma era inadequado, sendo que este número aumentou para 62% quando os médicos assistentes fizeram a avaliação. Mais ainda, independente da discordância entre a avaliação médica ou do paciente, 153 pacientes, ou 53% do total de pacientes avaliados e inscritos no programa mencionado, tinham asma não controlada. Embora, à primeira vista, estes achados possam surpreender, eles estão em concordância com os relatos maiores e baseados em entrevistas.(9,10) Em um determinado estudo, foram relatados os achados de 2184 asmáticos adultos, ou pais de pacientes com asma, em 11 países da América Latina.(10) Em uma avaliação, também transversal, a percepção dos sintomas de asma não se correlacionou com o nível de controle da asma e, embora perto de 45% dos pacientes achassem que a asma estivesse controlada, somente 2,6% da amostra apresentaram critérios que ratificassem esta presunção. A grande maioria dos entrevistados apresentou asma não controlada.

O que poderia explicar tamanha dissociação entre a percepção e o nível real de controle nos pacientes da América Latina(9,10) e nos pacientes descritos no estudo de Ponte et al.?(8) A resposta está provavelmente relacionada a mudança do conceito de controle. As atuais diretrizes(1,11) adotam uma definição mais rígida e composta de diversos parâmetros, além do controle dos sintomas, o que faz com que este desfecho (controle) seja mais difícil de ser alcançado do que a simples supressão dos sintomas.

Os critérios atualmente estabelecidos pelo Global Initiative for Asthma e pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, mediante suas diretrizes,(1,11) definem controle a partir da obtenção de diversos parâmetros clínicos, espirométricos e de anamnese, considerados como marcadores indiretos da melhora da inflamação das vias aéreas, incluindo: 1) ausência de sintomas diurnos e noturnos, ou redução destes a um mínimo; 2) prova de função pulmonar normal ou próxima do normal; 3) exacerbações ausentes ou infreqüentes; 4) ausência ou necessidade mínima de broncodilatador de alívio; e 5) inexistência ou limitação mínima das atividades. O controle deveria, sempre que possível, ser mantido com a menor quantidade possível de medicamentos. Desta forma, um conceito mais amplo e adequado de asma foi construído e é reconhecido pelas diretrizes como meta principal do manejo dos pacientes com asma.(12)

O reconhecimento que a obtenção e manutenção do controle deve ser a meta principal do tratamento da asma não é novo e tem sido discutido nos consensos internacionais para o manejo da asma há mais de uma década. Contudo, a adoção desta definição composta e a demonstração de que o controle da asma poderia ser obtido na prática médica foram demonstradas apenas recentemente com a publicação do estudo Gaining Optimal Asthma ControL, em 2004.(13) Este estudo demonstrou que, com um tratamento individualizado e direcionado pelo médico, na busca do controle total dos desfechos da asma, de acordo com o acima definido, este foi alcançado na maioria dos pacientes incluídos, independente da gravidade dos sintomas presentes no início do tratamento.

A pergunta que se torna obrigatória para os clínicos que manejam o tratamento dos asmáticos é: "Como posso aferir, atingir e manter o controle da asma de meus pacientes?" A tendência emanada das atuais diretrizes indica que o nível de controle deva ser determinado em todos os pacientes, após o quê buscar-se-ia o melhor tratamento, com base no nível de tratamento que o paciente já viesse recebendo. A partir daí, os pacientes devem ter o nível de controle monitorado sistematicamente, para que o mesmo seja mantido. Portanto, a monitoração do nível de controle é parte integrante fundamental do manejo do paciente com asma.(1,12) Esta monitoração pode ser obtida com o emprego de instrumentos quantitativos desenvolvidos especificamente para determinar o controle da asma, durante as consultas médicas. Em nosso meio, existem dois instrumentos quantitativos(14,15) disponíveis para avaliar sistematicamente o nível de controle: o Questionário de Controle de Asma e o Teste de Controle da Asma. Além de sua validade intrínseca e responsividade, estes instrumentos são de fácil uso e auto-aplicáveis, além de serem ferramentas adicionais que podem guiar as decisões terapêuticas e facilitar o monitoramento do controle da asma.

Em resumo, falar em asma hoje significa determinar o seu nível de controle e direcionar as diferentes estratégias de manejo para que este estado seja alcançado na maioria dos pacientes. Este novo paradigma deve ser disseminado a todos os níveis de atendimento, e é a meta final do tratamento da asma.(1,11) Espera-se que, com a adoção destas metas, os baixos índices de controle da asma até aqui demonstrados possam ser definitivamente modificados.

Referências

1. National Institutes of Health. National Heart, Lung and Blood Institute. Global Initiative for Asthma. Global strategy for Asthma Management and Prevention. Revised 2006. Washington, NIH; 2006. [NIH Publication: Nº 02-3659].

2. Busse WW, Lemanske RF, Jr. Asthma. N Engl J Med 2001;344(5):350-62.

3. Tattersfield AE, Knox AJ, Britton JR, Hall IP. Asthma. Lancet. 2002;360(9342):1313-22.

4. Kendrick AH, Higgs CMB, Whitfield MJ, Laszlo G. Accuracy of perception of severity of asthma: patients treated in general practice. BMJ. 1993;307(6901):422-4.

5. Rubinfeld AR, Pain MC. Perception of asthma. Lancet. 1976;1(7965):882-4.

6. McFadden ER Jr., Kiser R, DeGroot WJ. Acute bronchial asthma. Relations between clinical and physiologic manifestations. N Engl J Med. 1973;288(5):221-5.

7. Hargreave FE, Parameswaran K. Asthma, COPD and bronchitis are just components of airway disease. Eur Respir J 2006;28(2):264-7.

8. Ponte E, Petroni J, Ramos DC, Pimentel L, Freitas DN, Cruz AA. A percepção do controle dos sintomas em pacientes asmáticos. J Bras Pneumol. 2007;33(6):635-40.

9. Rabe KF, Adachi M, Lai CK, Soriano JB, Vermeire PA, Weiss KB, et al. Worldwide severity and control of asthma in children and adults: the global asthma insights and reality surveys. J Allergy Clin Immunol. 2004;114(1):40-7.

10. Neffen H, Fritscher C, Schacht FC, Levy G, Chiarella P, Soriano JB, Mechali D; the AIRLA Survey Group. Asthma control in Latin America: The Asthma Insights and Reality in Latin America (AIRLA) survey. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(3):191-7.

11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. IV Diretizes Brasileiras para o Manejo da Asma 2006. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 7);S447-S474.

12. Bousquet J, Clark TJ, Hurd S, Khaltaev N, Lenfant C, O'Byrne P, et al. GINA guidelines on asthma and beyond. Allergy 2007;62(2):102-12.

14. Bateman ED, Boushey HA, Bousquet J, Busse WW, Clark TJ, Pauwels RA, et al. Can guideline-defined asthma control be achieved? The Gaining Optimal Asthma ControL study. Am J Respir Crit Care Med. 2004;170(8):836-44. Epub 2004 Jul 15.

15. Juniper EF, O'Byrne PM, Guyatt GH, Ferrie PJ, King DR. Development and validation of a questionnaire to measure asthma control. Eur Respir J. 1999;14(4):902-7.

16. Nathan RA, Sorkness CA, Kosinski M, Schatz M, Li JT, Marcus P, et al. Development of the asthma control test: a survey for assessing asthma control. J Allergy Clin Immunol. 2004;113(1):59-65.
__________________________________________________________________________________________
Emilio Pizzichini
Núcleo de Pesquisa em Asma e Inflamação das Vias Aéreas - NUPAIVA - Departamento de Clínica Médica, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis (SC) Brasil

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia