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Série de Casos

Ressecção minimamente invasiva por broncoscopia de tumores brônquicos benignos

Minimally invasive bronchoscopic resection of benign tumors of the bronchi Ressecção minimamente invasiva por broncoscopia de tumores brônquicos benignos

Ascedio Jose Rodrigues, David Coelho, Sérvulo Azevedo Dias Júnior, Márcia Jacomelli, Paulo Rogério Scordamaglio, Viviane Rossi Figueiredo

ABSTRACT

Objective: Primary benign tumors of the trachea and main bronchi are uncommon. Interventional bronchoscopy allows the diagnosis and the treatment of some of these lesions. Methods: We reviewed four cases endoscopically treated at our institution. Results: Two patients had hamartoma, and two patients had endobronchial lipoma. In all of the cases, the interventional technique for the resection was the use of a polypectomy snare and electrocautery. The only complication reported was one episode of bronchospasm. Conclusions: Minimally invasive bronchoscopic resection is a safe, effective method for treating selected benign tumors of the main airway and has a low complication rate.

Keywords: Bronchoscopy; Bronchial neoplasms; Hamartoma; Lipoma.

RESUMO

Objetivo: Tumores benignos primários da traqueia e dos brônquios principais são incomuns. A broncoscopia intervencionista permite o diagnóstico e o tratamento de algumas dessas lesões. Métodos: Revisamos quatro casos tratados endoscopicamente em nossa instituição. Resultados: Dois pacientes tinham hamartoma, e dois pacientes apresentaram lipoma endobrônquico. Em todos os casos, a técnica de intervenção para a ressecção foi o uso de alça de polipectomia e eletrocautério. A única complicação relatada foi um episódio de broncoespasmo. Conclusões: O tratamento broncoscópico minimamente invasivo é um método seguro e efetivo para o tratamento bem-sucedido de alguns tumores benignos da via aérea principal, com um baixo índice de complicações.

Palavras-chave: Broncoscopia; Neoplasias brônquicas; Hamartoma; Lipoma.

Introdução

Os tumores primários da traqueia e dos brônquios representam 1-2% de todos os tipos de câncer no trato respiratório. Em adultos, as lesões benignas (em geral lipomas, leiomiomas, hamartomas e pólipos inflamatórios) representam somente 20% de todos os tumores das vias aéreas principais.(1)

Os hamartomas, apesar de serem os tumores benignos mais comumente encontrados nos pulmões, têm uma baixa prevalência na população geral, e 90% estão localizados no parênquima pulmonar, raramente causando sintomas.(2) Os lipomas endobrônquicos são ainda mais raros, representando somente 0,1% de todos os tumores de pulmão.(3)

Lesões endobrônquicas benignas em geral ocorrem em grandes brônquios e crescem para dentro do lúmen, causando obstrução ao fluxo aéreo progressiva. A apresentação clínica dessas lesões é variável, e os sintomas e sinais mais frequentes são estridor, sibilância, hemoptise, tosse crônica, infecções pulmonares recorrentes e dispneia (em graus variados dependendo da localização e grau de obstrução). Tais lesões geralmente são detectadas por radiografias convencionais quando são causadas por atelectasia ou pneumonia obstrutiva.

Nos últimos anos, o tratamento endoscópico tem sido cada vez mais utilizado no tratamento de lesões endobrônquicas benignas. Em casos selecionados, a broncoscopia terapêutica é efetiva, segura e minimamente invasiva, oferecendo a possibilidade de alta no mesmo dia após o procedimento.(4) A ressecção por eletrocautério e a coagulação com plasma de argônio foi descrita, assim como o uso de laser e crioterapia. No presente estudo, apresentamos os aspectos clínicos e os resultados do tratamento broncoscópico de quatro casos de tumores benignos da árvore brônquica.

Métodos

Revisamos os casos de quatro pacientes com tumores benignos da árvore brônquica que foram tratados por endoscopia. O Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo aprovou o estudo.

Resultados
Caso 1

Um paciente de 51 anos apresentava tosse noturna como queixa primária, a qual piorara nos três meses anteriores. Não havia particularidades no exame físico. Não foram encontradas anormalidades na radiografia de tórax. Tampouco havia anormalidades nos resultados de espirometria simples, teste de broncoprovocação induzida por metacolina ou TC dos seios paranasais. A TC de tórax revelou uma lesão irregular de baixa atenuação que obstruía parcialmente o bronco principal esquerdo.

A broncoscopia flexível revelou que o tumor tinha uma superfície lobulada e não friável e que o tumor obstruía 80% do bronco principal esquerdo. A biopsia revelou um hamartoma lipomatoso. Foi realizada coagulação por plasma de argônio associada à ressecção com pinça em cálice via broncoscopia. Três sessões foram necessárias devido ao tamanho do tumor e de sua ampla base na parede da via aérea. Na primeira sessão, foi realizada broncoscopia rígida, permitindo a remoção de uma grande quantidade de tecido. Seis meses após os procedimentos, a TC de controle e broncoscopia não apresentavam outros danos, e o paciente estava assintomático.

Caso 2



Uma paciente de 32 anos apresentava pneumonia recorrente no lobo inferior esquerdo. Durante a investigação clínica, uma radiografia de tórax revelava atelectasia do lobo inferior esquerdo. A TC de tórax mostrava uma lesão que obstruía parcialmente o bronco principal esquerdo. A broncoscopia flexível mostrava uma lesão elevada, com uma superfície bocelada rosada e um pedículo na parede medial do bronco principal esquerdo, bloqueando 90% do lúmen, assim como uma grande quantidade de secreção purulenta distal à lesão (Figura 1). O exame histológico do material de biopsia era compatível com hamartoma. Foram administrados antibióticos sistêmicos uma semana antes da intervenção endoscópica. A lesão foi ressecada sem intercorrências com a utilização de broncoscopia flexível, alça de polipectomia e eletrocautério. O lúmen brônquico foi completamente desobstruído, e houve boa evolução clínica e radiológica (Figura 2). Não havia sinais clínicos de recidiva 15 meses após o procedimento.












Caso 3

Um paciente de 39 anos apresentava pneumonia recorrente. Uma radiografia de tórax mostrava atelectasia parcial no lobo inferior esquerdo. A TC de tórax confirmou a atelectasia parcial. A broncoscopia flexível mostrava uma lesão com superfície lisa e amarelada obstruindo totalmente o segmento posterior do lobo inferior esquerdo. Um fragmento de biopsia era consistente com lipoma. A lesão foi ressecada sem intercorrências com o uso de broncoscopia flexível, alça de polipectomia e eletrocautério. O lúmen brônquico foi completamente desobstruído. Após um seguimento de 12 meses, o paciente permanecia assintomático e com boa evolução clínica e radiológica.

Caso 4

Uma paciente de 78 anos apresentava pneumonia recorrente no lobo inferior direito. A radiografia de tórax era normal. A TC de tórax mostrava uma lesão protrusa no lúmen brônquico do bronco do lobo inferior direito com atenuação de gordura. A broncoscopia revelou um tumor bilobulado, com superfície lisa e amarelada, que obstruía 80% do lúmen do bronco do lobo inferior direito. O exame microscópico revelou um lipoma. A lesão foi ressecada com o uso de broncoscopia flexível, alça de polipectomia e eletrocautério. O lúmen brônquico foi completamente desobstruído. A paciente apresentou broncoespasmo importante imediatamente após o procedimento e foi hospitalizada por 24 h. A paciente estava assintomática 30 dias após o procedimento. Até o momento da redação do estudo, a paciente não retornara para o seguimento médico.

Discussão

Nesta série de casos, as lesões endobrônquicas foram lipomas e hamartomas. Clinicamente, os pacientes apresentavam tosse crônica ou uma história de infecções respiratórias recorrentes, e os testes iniciais não auxiliaram na definição diagnóstica. Em todos os casos, apesar da aparência benigna das lesões por broncoscopia, o diagnóstico de lesão maligna somente foi excluído após a análise histológica de fragmentos dos tumores.

Os hamartomas pulmonares são lesões benignas que consistem de elementos pulmonares e brônquicos que geralmente estão combinados com tecido cartilaginoso, gordura e músculo liso.(2) Os hamartomas endobrônquicos representam apenas 10% dos hamartomas intratorácicos. Esse subtipo está geralmente associado a sintomas secundários à obstrução e à irritação das vias aéreas.(5) Os lipomas são menos frequentes, com uma prevalência de apenas 0,1-0,5% de todos os tumores de pulmão.(6)

A maioria das lesões benignas é assintomática e é somente detectada ao acaso durante exames radiológicos de rotina. Essas lesões mostram alguns aspectos típicos, tais como um padrão de calcificação "pipoca", que pode ser visualizado em radiografias de tórax convencionais ou TC de tórax com hamartomas,(7,8) assim como lesões sólidas com atenuação de gordura, que é a principal característica dos lipomas.(9)

A maioria dos pacientes com hamartoma ou lipoma endobrônquico com indicação de broncoscopia é assintomática. Os sintomas mais frequentes em pacientes com hamartomas ou lipomas endobrônquicos são infecções respiratórias recorrentes, tosse, hemoptise, dispneia e dor torácica. Em pacientes assintomáticos, o diagnóstico é tipicamente realizado com base em achados anormais em radiografias de tórax solicitadas por outros motivos.(2,3) As principais alterações radiológicas encontradas nesses pacientes são sinais de perda de volume (tais como atelectasia ou colapso lobar completo), sinais de preenchimento alveolar e nódulos pulmonares.(2) O diagnóstico definitivo é realizado por broncoscopia com biopsia. O exame endoscópico tipicamente revela uma lesão com superfície lisa, regular, macia e não friável ao contato do broncoscópio. Embora esses aspectos sugiram uma lesão benigna, em algumas ocasiões, pode ser difícil distinguir entre esses tumores e lesões malignas somente com base em achados macroscópicos; portanto, a biopsia deve ser realizada rotineiramente em todos os pacientes que apresentam tais lesões.(2,10)

Nos casos aqui apresentados, as lesões foram removidas por ressecção via broncoscopia, eletrocautério e alça de polipectomia. Em um caso, três sessões foram necessárias para completar a ressecção. Os outros três pacientes foram tratados em uma única sessão. Uma paciente apresentou broncoespasmo após o procedimento, o qual foi resolvido em 24 h através de medidas clínicas.

A técnica utilizada para a ressecção dos tumores benignos das vias aéreas depende da localização do tumor, da presença de doença do parênquima pulmonar até as vias aéreas distais, da presença de crescimento extrabrônquico e de sintomas eventuais. O gerenciamento de tais tumores deve ser individualizado de acordo com as características de cada paciente e lesão. O tratamento padrão consiste na remoção da lesão por broncotomia, toracotomia, lobectomia ou (em casos raros) pneumonectomia.(5) Devido à natureza benigna dessas lesões, a ressecção endoscópica tornou-se uma técnica popular, pois gera resultados satisfatórios sem os riscos associados à toracotomia.(11-14) Em um recente estudo multicêntrico, mostrou-se que os procedimentos endoscópicos são efetivos e seguros no diagnóstico e tratamento de lipomas endobrônquicos.(15)


A ressecção endobrônquica é uma escolha excelente visto que a maioria das lesões endobrônquicas é intraluminal. Alguns dos métodos para a ressecção de lesões endobrônquicas incluem o uso de laser, eletrocautério, crioterapia e coagulação com plasma de argônio. A utilização desses equipamentos exige cautela pelo risco de perfuração da via aérea e de formação de fístulas. A remoção parcial da lesão propicia um aumento da permeabilidade dos brônquios segmentais, assim como permite que a implantação do tumor na parede brônquica seja localizada e acessada. Por conseguinte, a completa remoção do tumor e o tratamento da base do tumor reduzem a chance de recidiva local e mantêm a patência do bronco afetado.(4)

As vantagens do uso da broncoscopia no gerenciamento desses tumores incluem menor invasão, menor necessidade de anestesia geral, abertura do brônquio mais rápida, menor tempo de hospitalização e menores custos. Os tumores benignos da via aérea podem causar sintomas respiratórios, especialmente quando há uma obstrução grave da via aérea. O diagnóstico dessas lesões pode ser desafiador, e a remoção por endoscopia, realizada por um broncoscopista experiente, é uma alternativa segura e eficaz à ressecção cirúrgica. Entretanto, a cirurgia deve ser considerada nos casos de recidiva, de extensão extrabrônquica das lesões, ou de destruição da periferia pulmonar devido a atelectasia prolongada, assim como quando dificuldades técnicas que possam impedir a completa remoção broncoscópica forem previstas.

Referências


1. Baldi BG, Fernandes CJ, Salge JM, Takagaki TY. Tracheal polyp. J Bras Pneumol. 2007;33(5):616-20.

2. Cosío BG, Villena V, Echave-Sustaeta J, de Miguel E, Alfaro J, Hernandez L, et al. Endobronchial hamartoma. Chest. 2002;122(1):202-5.

3. Muraoka M, Oka T, Akamine S, Nagayasu T, Iseki M, Suyama N, et al. Endobronchial lipoma: review of 64 cases reported in Japan. Chest. 2003;123(1):293-6.

4. Ferreira D, Almeida J, Parente B, Moura E Sá J. Complete resection of endobronchial hamartomas via bronchoscopic techniques, electrosurgery by Argon plasma and laser [Article in Portuguese]. Rev Port Pneumol. 2007;13(5):711-9.

5. Kaya S, Karalezli A, Balkan E, Cakiroğlu E, Hasanoğlu HC. Endobronchial hamartoma removed by flexible fiberoptic bronchoscopy via electrocautery. Tuberk Toraks. 2006;54(3):273-6.

6. Bof AM, Rapoport A, Paier LC, Diaz YL, Leiro LC, Pando-Serrano RR, et al. Endobronchial lipoma. J Bras Pneumol. 2005;31(6):555-8

7. Silva VA, Kataguiri P, Trufelli DC, Matos LL, Neves-Pereira JC, Campos JR. Pulmonary hamartoma as a differential diagnosis of breast cancer metastasis: case report. J Bras Pneumol. 2007;33(6):738-42.

8. Yilmaz S, Ekici A, Erdogan S, Ekici M. Endobronchial lipomatous hamartoma: CT and MR imaging features (2004:5b). Eur Radiol. 2004;14(8):1521-4.

9. Basoglu A, Celik B, Akdag AO, Sengul AT. Endobronchial lipoma: a rare cause of bronchial occlusion. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2004;3(2):263-4.

10. Karabulut N, Bir F, Yuncu G, Kiter G. Endobronchial lipomatous hamartoma: an unusual cause of bronchial obstruction (2007: 7b). Eur Radiol. 2007;17(10):2687-90.

11. David O, Beasley MB, Minardi AJ Jr, Malek F, Kovitz KL. Management of endobronchial hamartoma. J La State Med Soc. 2003;155(2):110-2.

12. Sahin AA, Aydiner A, Kalyoncu F, Tokgozoglu L, Baris YI. Endobronchial hamartoma removed by rigid bronchoscope. Eur Respir J. 1989;2(5):479-80.

13. Stey CA, Vogt P, Russi EW. Endobronchial lipomatous hamartoma: a rare cause of bronchial occlusion. Chest. 1998;113(1):254-5.

14. Shah H, Garbe L, Nussbaum E, Dumon JF, Chiodera PL, Cavaliere S. Benign tumors of the tracheobronchial tree. Endoscopic characteristics and role of laser resection. Chest. 1995;107(6):1744-51.

15. Nassiri AH, Dutau H, Breen D, Colchen A, Quiot JJ, Nguyen B, et al. A multicenter retrospective study investigating the role of interventional bronchoscopic techniques in the management of endobronchial lipomas. Respiration. 2008;75(1):79-84.



* Trabalho realizado no Serviço de Endoscopia Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Ascedio José Rodrigues. Serviço de Endoscopia Respiratória, HC-FMUSP, Prédio dos Ambulatórios, 6º
Andar, Bloco 03, Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, Cerqueira César, CEP 05017-000, São Paulo, SP, Brasil.
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 18/7/2011. Aprovado, após revisão em 6/9/2011.



Sobre os autores

Ascedio José Rodrigues
Médico Assistente. Serviço de Endoscopia Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil.

David Coelho
Médico Residente. Serviço de Endoscopia Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil.

Sérvulo Azevedo Dias Júnior
Médico Residente. Serviço de Endoscopia Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil.

Márcia Jacomelli
Médica Assistente. Serviço de Endoscopia Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil.

Paulo Rogério Scordamaglio
Médico Assistente. Serviço de Endoscopia Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil.

Viviane Rossi Figueiredo
Diretora Técnica. Serviço de Endoscopia Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil.

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