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Comunicação Breve

Poluição atmosférica devido à queima de biomassa florestal e atendimentos de emergência por doença respiratória em Rio Branco, Brasil - Setembro, 2005

Anthropogenic air pollution and respiratory disease-related emergency room visits in Rio Branco, Brazil - September, 2005

Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas, Lúcia Costa Vieira, Tatiana Miranda Lanzieri, Ana Paula Pinho Rodrigues Leal, Alejandro Fonseca Duarte, Douglas Lloyd Hatch

ABSTRACT

Air pollution is a major public health problem in the Amazon forest and in large Brazilian cities. During September of 2005, high concentrations of smoke from biomass burning were observed in the city of Rio Branco. An ecological study was conducted to evaluate the relationship between daily concentrations of particulate matter < 2.5 μm (PM2.5) and the number of respiratory disease (RD)-related emergency room visits. Daily PM2.5 concentrations exceeded recommended air quality limits on 23 days. The incidence of RDs was higher among children < 10 years of age. There was a significant positive correlation between PM2.5 concentrations and asthma emergency room visits.

Keywords: Air pollution/adverse effects; Fires; Respiratory tract diseases/epidemiology; Asthma; Space-time clustering.

RESUMO

A poluição atmosférica é um importante problema de saúde pública, principalmente na Amazônia e grandes cidades brasileiras. Em setembro de 2005, observou-se elevada concentração de fumaça em Rio Branco, Acre, devido às queimadas. Para avaliar a relação entre a concentração diária de particulate matter < 2,5 μm (PM2,5) e o número de atendimentos diários de emergência por doença respiratória (DR), desenvolveu-se estudo ecológico. A concentração de PM2,5 ultrapassou o limite de qualidade do ar durante 23 dias. Observou-se maior incidência de DR em crianças < 10 anos e correlação positiva entre a concentração de PM2,5 e atendimentos por asma.

Palavras-chave: Poluição do ar/efeitos adversos; Incêndios; Doenças respiratórias/epidemiologia; Asma; Estudos de séries temporais.

Introdução

A poluição do ar representa um dos maiores problemas de saúde pública na atualidade, associando-se a vários efeitos deletérios sobre a saúde da população, mesmo quando em níveis considerados seguros pela legislação ambiental.(1,2) Estima-se que a exposição a particulate matter (PM), uma mistura de partículas líquidas e sólidas em suspensão no ar, classificadas de acordo com o seu diâmetro, causa 800.000 mortes em todo o mundo, das quais 35.000 ocorrem somente na América Latina. Crianças, idosos e portadores de doenças cardiorrespiratórias prévias, incluindo os asmáticos, compõem a população mais suscetível aos efeitos da poluição atmosférica.(3)

Entre crianças e mulheres em idade reprodutiva, a exposição a poluentes ambientais é um importante fator para hospitalização, absenteísmo escolar, baixo peso ao nascer, malformação congênita e morte intra-uterina.(4-6) Asma é a doença crônica mais comum entre crianças, podendo ser agravada, dentre outros fatores, por vários poluentes encontrados em ambientes internos e externos. Outros efeitos da poluição atmosférica em crianças incluem: retardo mental, déficit de atenção, hiperatividade e câncer.(7) Em adultos, especialmente entre idosos, acréscimos nos níveis de poluentes atmosféricos têm sido associados a incrementos na morbimortalidade por doenças respiratórias e cardiovasculares, como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), desencadeamento de crise asmática, diminuição da função pulmonar e infarto agudo do miocárdio.(1,8,9)

Aproximadamente metade da população mundial e mais de 90% das casas na área rural dos países em desenvolvimento utilizam energia proveniente da queima de biomassa sob a forma de madeira, carvão, esterco de animais ou resíduos agrícolas, o que produz altas concentrações de poluentes atmosféricos em ambientes internos. A queima de vegetação para a preparação das lavouras pode tornar-se incontrolável, atingindo grandes extensões. Em todo o planeta, a queima de biomassa representa a maior fonte de produção de PM e gases tóxicos como, por exemplo, monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, dióxido de enxofre e ozônio.(10-12)

Entre os dias 16 e 20 de setembro de 2005, verificou-se grande concentração de fumaça sobre o Estado do Acre, localizado na Região Norte do Brasil, em decorrência da intensa queima de biomassa na região Amazônica. Segundo imagens de satélites, os focos de queimadas estavam localizados no município de Rio Branco, capital do Estado, onde ocorreu maior concentração de fumaça, e em regiões vizinhas como outros municípios do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Bolívia, país com o qual o Brasil faz fronteira. Frente a essa situação, e com base nas informações sobre atendimentos ambulatoriais e hospitalares, a Secretaria de Estado da Saúde do Acre notificou a ocorrência de um surto de doença respiratória. A Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde foi convidada para auxiliar na condução da investigação epidemiológica.

Realizou-se um estudo ecológico de série temporal, para avaliar a ocorrência diária de atendimentos de emergência por doença respiratória e sua relação com a poluição atmosférica. Foram incluídos todos os pacientes atendidos no Hospital de Urgências e Emergências de Rio Branco (HUERB), no período de 1 a 30 de setembro de 2005, cujo diagnóstico havia sido classificado como doença respiratória, mediante uma das seguintes situações:

 diagnóstico de doença do aparelho respiratório: asma, bronquite, DPOC, infecção das vias aéreas superiores (IVAS) ou pneumonia, de acordo com o capítulo X (J00-J99) da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, décima revisão (13); e

 registro médico de tosse ou dispnéia, na ausência de outro diagnóstico.

Utilizou-se uma planilha padronizada e prétestada para coletar dados sobre identificação dos pacientes (nome, idade, sexo, município/bairro de residência) e aspectos clínicos (data de início dos sintomas, sintomas referidos e diagnóstico) a partir de consulta aos boletins de atendimento do HUERB. Registros diários da concentração de PM com diâmetro menor do que 2,5 µm (PM2,5) presente na atmosfera durante o mês de setembro de 2005 foram cedidos pela Universidade Federal do Acre, em cujo campus localizava-se a estação de monitorização.

Obteve-se o coeficiente de incidência de doença respiratória para a população residente em Rio Branco. Calculou-se o coeficiente de correlação de Pearson para verificar a relação entre os níveis de concentração de PM2,5 (variável independente) e a ocorrência de atendimentos por doença respiratória (variável dependente) realizados no HUERB. Nesta análise, considerou-se a média móvel de sete dias para os dados de poluição. Adotou-se um intervalo de confiança de 95% (IC95%) e nível de significância estatística definido quando valor de p <0,05. Os dados foram processados no programa Epi Info.(14)

Segundo dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, verificou-se acréscimo de 45% no número de hospitalizações por doença respiratória no mês de setembro de 2005 em relação ao mesmo período de 2004.(15) Em setembro de 2005, foram realizados 19581 atendimentos de emergência no HUERB, dos quais 2922 (15%) foram incluídos no grupo de doença respiratória. Os diagnósticos mais freqüentes foram: IVAS (21%), bronquite (15%), asma (12%), pneumonia (10%) e DPOC (2%). Os atendimentos com registro médico de tosse ou dispnéia, na ausência de outro diagnóstico, corresponderam a 40%. O quadro clínico caracterizou-se pela presença dos seguintes sinais e sintomas: tosse (79%), febre (51%), dispnéia (39%), dor torácica (15%), sibilância (8%), dor de garganta (4%), expectoração (3%) e coriza (2%). Segundo a faixa etária, crianças (0 a 9 anos) representaram 48% dos atendimentos, seguidas dos adultos (20 a 59 anos) com 36%, enquanto adolescentes (10 a 19 anos) e idosos (60 e mais anos) corresponderam a 9 e 8% dos atendimentos, respectivamente. Os residentes no município de Rio Branco representaram 97% (2.830) do total de atendimentos por doença respiratória. Neste grupo, observou-se maior coeficiente de incidência entre as crianças (18,8/1.000 habitantes), seguidas dos idosos (12,5/1.000 habitantes), adultos (6,9/1.000 habitantes) e adolescentes (3,6/1.000 habitantes).

Na Figura 1, observa-se que os níveis de concentração de PM2,5 excederam o limite de qualidade do ar em 23 dias, com valores de até 450 µg/m3, nove vezes superiores ao parâmetro estabelecido pela Organização Mundial de Saúde.(16) Verificou-se relação positiva entre as médias móveis de sete dias dos níveis de PMe o número de emergência com diagnóstico de asma (Figura 2).





É sabido que o incremento de atendimentos de urgência e internações hospitalares por doenças respiratórias tem sido associado à exposição à fumaça resultante da queima de biomassa florestal.(16-19) Os resultados apresentados neste estudo são consistentes com os achados obtidos em investigações realizadas em países nos quais ocorreram grandes queimadas florestais. Como exemplo, citam-se as grandes queimadas ocorridas nas florestas da Califórnia, nos Estados Unidos da América, nas décadas de 1980 e 1990,(17,18) quando se identificou aumento nos atendimentos de emergência por asma, DPOC e IVAS em relação a períodos em que não houve queimadas. Naquele país, as características da população afetada foram semelhantes às dos pacientes atendidos em Rio Branco. Embora a maior parte dos focos de queimadas tenha ocorrido fora do estado do Acre, a fumaça foi carreada por ondas de vento no sentido Leste-Oeste, ficando acumulada sobre a região de Rio Branco. Fenômeno semelhante foi observado no Sudeste da Ásia, quando a fumaça originada nas queimadas ocorridas na Indonésia entre julho e outubro de 1997 repercutiu sobre a saúde da população de Singapura nos primeiros dias de novembro do mesmo ano, demonstrando a influência do vento sobre a dispersão de PM fino e ultrafino a grandes distâncias.(19)

Segundo dados avaliados pela Universidade Federal do Acre, têm sido observados eventos extremos e prolongados de poluição do ar relacionados com a seca acontecida na Amazônia em 2005, possivelmente a maior em mais de 60 anos, incluindo os impactos por queimadas florestais; escassez de água em igarapés, rios e açudes; e baixa umidade relativa do solo e do ar. A existência de uma base de dados sobre monitoramento meteorológico e concentração de poluentes em Rio Branco permitiu acompanhar o fenômeno de poluição do ar. Embora tenham sido observadas altas concentrações de fumaça em anos anteriores, elas não atingiram os impactos ocasionados em 2005.(20)

Estudos ecológicos têm sido amplamente utilizados para avaliar os efeitos decorrentes da poluição do ar na saúde da população.(1-3,8) Os estudos ecológicos de séries temporais possuem a vantagem de evitar que fatores como condição socioeconômica, ocupação ou tabagismo sejam capazes de confundir a relação entre a poluição e os efeitos na saúde, uma vez que estes fatores não têm variações diárias.(1,8) As manifestações biológicas dos efeitos da poluição sobre a saúde apresentam um comportamento que mostra uma defasagem em relação à exposição do indivíduo aos agentes poluidores. Logo, os atendimentos observados em um dia específico devem estar relacionados à poluição desse dia e àquela observada em dias anteriores, o que justifica a utilização da média móvel de sete dias.(2,8,19)

Como medidas de prevenção e controle, desenvolveram-se as seguintes ações: elaboração do protocolo de atendimento aos pacientes acometidos por doença respiratória para ser distribuído em toda a rede de atenção à saúde do estado do Acre; implantação de modelo simplificado de monitorização do atendimento hospitalar e ambulatorial de doenças respiratórias em parceira com as secretarias municipais de saúde; estruturação da Vigilância em Saúde Ambiental para implementar atividades de vigilância da qualidade do ar.

Com base nos resultados desta investigação, recomenda-se:

 Identificar e formar parcerias com órgãos responsáveis pela monitorização de dados ambientais (poluentes atmosféricos, temperatura,
umidade), para que sejam acompanhados os níveis de qualidade do ar conforme legislação vigente;

 Implementar ações de vigilância das doenças respiratórias, por meio da monitorização das IVAS, em parceria com hospitais (Núcleos Hospitalares de Epidemiologia), unidades e centros de saúde da rede própria e conveniada do Sistema Único de Saúde, bem como estabelecimentos privados de saúde; e

 Melhorar a qualidade dos dados dos diversos sistemas de informação em saúde, de forma que se tornem adequados e oportunos para a realização de análises sobre morbimortalidade e poluição atmosférica.

Agradecimentos

Agradecemos aos técnicos da Secretaria de Estado da Saúde do Acre, Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco, Hospital de Urgências e Emergências de Rio Branco, Centro de Referência Professor Hélio Fraga/SVS, Coordenação Geral de Vigilância Ambiental/SVS e EPISUS/SVS, pelo apoio durante as atividades do trabalho de campo.

Referências

1. Castro o HA, Gouveia N, Escamilla-Cejudo JA. Questões metodológicas para a investigação dos efeitos da poluição do ar na saúde. Rev Bras Epidemiol. 2003;6(2):135-49.

2. Bakonyi SM, Danni-Oliveira IM, Martins LC, Braga AL. Poluição atmosférica e doenças respiratórias em crianças na cidade de Curitiba, PR. Rev Saúde Pública. 2004;38(5):695-700.

3. Organización Panamericana de la Salud. Evaluación de los efectos de la contaminación del aire en la Salud de América Latina y Caribe. Washington, D.C: OPS; 2005. p. 1-72.

4. Lin CA, Pereira LA, Nishioka DC, Conceicao GM, Braga AL, Saldiva PH. Air pollution and neonatal deaths in Sao Paulo, Brazil. Braz J Med Biol Res. 2004;37(5):765-70.

5. Nascimento LF, Módolo MC, Carvalho Jr JA. Atmospheric pollution effects on childhood health: an environmental study in the Paraíba Valley. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2004;4(4):367-74.

6. Medeiros A, Gouveia N. Relação entre baixo peso ao nascer e a poluição do ar no município de São Paulo. Rev Saúde Pública. 2005;39(6):965-72.

7. Woodruff TJ, Axelrad DA, Kyle AD, Nweke O, Miller GG, Hurley BJ. Trends in environmentally related childhood illnesses. Pediatrics. 2004;113(4 Suppl):1133-40.

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Trabalho realizado na Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Brasília (DF) Brasil.
1. Epidemiologista do Programa de Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema Único de Saúde - EPISUS - Secretaria de Vigilância em Saúde - SVS - Ministério da Saúde - MS - Brasília (DF) Brasil.
2. Mestre em Saúde Coletiva. Epidemiologista e Supervisora do Programa de Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema Único de Saúde - EPISUS - Secretaria a de Vigilância em Saúde - SVS - Ministério da Saúde - MS - Brasília (DF) Brasil.
3. Consultora Técnica de Projetos da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental - CGVAM - Secretaria de Vigilância em Saúde - SVS - Ministério da Saúde - MS - Brasília (DF) Brasil.
4. Professor Adjunto IV da Universidade Federal do Acre - UFAC - Rio Branco (AC) Brasil.
5. Epidemiologista da Division of Epidemiology and Surveillance Capacity Development - DESCD - Coordinating Office of Global Health - COGH - Centers for Disease Control and Prevention - CDC - Atlanta (GA) EUA.
Endereço para correspondência: Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas. Rua 1º de Maio, 3006, Aeroporto, CEP 64006-060, Teresina, PI, Brasil.
Tel 55 86 3215-7736. E-mail: marcio.mascarenhas@saude.gov.br ou mdm.mascarenhas@gmail.com
Recebido para publicação em 6/1/2007. Aprovado, após revisão, em 23/4/2007.

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