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Artigo Original

O polimorfismo do gene CYP1A1*2A e a suscetibilidade ao câncer de pulmão na população brasileira

Polymorphism of the CYP1A1*2A gene and susceptibility to lung cancer in a Brazilian population

Helen Naemi Honma, Eduardo Mello De Capitani, Aristóteles de Souza Barbeiro, Daniel Botelho Costa, André Morcillo, Lair Zambon

ABSTRACT

Objective: To estimate and compare the frequency of CYP1A1*2A gene polymorphisms in a Brazilian population and determine the possible contribution of these genetic variations to lung cancer risk. Methods: The study population included 200 patients with lung cancer, and the control group consisted of 264 blood donors. Genomic DNA was obtained from peripheral blood samples. The PCR-RFLP method was used for analysis of the CYP1A1*2A gene. Results: There was no statistically significant difference between the lung cancer patients and the controls in terms of the distribution of CYP1A1*2A polymorphisms (p = 0.49). A multivariate logistic regression model analysis by ethnic group revealed that, within the lung cancer group, the CYP1A1*2A genotype CC plus TC was more common among the African-Brazilian patients than among the White patients (adjusted OR = 3.19; 95% CI: 1.53‑6.65). Conclusions: The CYP1A1*2A gene cannot be linked with lung cancer risk in Brazilian patients at this time. Larger epidemiologic studies are needed in order to establish whether the CC plus TC polymorphism increases the risk of lung cancer in African-Brazilians.

Keywords: Lung neoplasms; Polymorphism, genetic; Metabolism.

RESUMO

Objetivo: Estimar e comparar a frequência do gene polimórfico CYP1A1*2A na população brasileira e determinar uma possível contribuição dessas variações genéticas no risco para câncer de pulmão. Métodos: A população estudada incluiu 200 pacientes com câncer de pulmão, e o grupo controle consistiu em 264 doadores de sangue. O DNA genômico foi obtido de amostras de sangue periférico. O método usado para a análise do gene CYP1A1*2A foi a PCR-RFLP. Resultados: A distribuição do gene CYP1A1*2A polimórfico não foi estatisticamente diferente entre os pacientes com câncer de pulmão e os controles (p = 0,49). Uma análise multivariada utilizando-se o modelo de regressão logística por grupo étnico revelou uma maior frequência do genótipo CC + TC do gene CYP1A1*2A no grupo de pacientes afro-brasileiros do que no grupo de pacientes caucasoides com câncer de pulmão (OR ajustada = 3,19; IC95%: 1,53-6,65). Conclusões: O gene CYP1A1*2A não pode ser associado ao risco de câncer de pulmão nesta amostra de pacientes. Um extenso estudo epidemiológico é necessário para estabelecer se os genótipos CC + TC aumentam o risco de câncer de pulmão em afro-brasileiros.

Palavras-chave: Neoplasias pulmonares; Polimorfismo genético; Metabolismo.

Introdução

Em todo o mundo, o câncer de pulmão é a maior causa de óbitos por câncer em homens e mulheres. Embora a principal etiologia (tabagismo) esteja bem definida, sabe-se também que alguns fumantes desenvolvem o câncer de pulmão e que outros não.(1) Dessa forma, o uso de técnicas de epidemiologia molecular no estudo do câncer de pulmão tem atraído grande atenção.

O citocromo P450 1A1, uma importante enzima do metabolismo carcinogênico, está envolvido na ativação e na conjugação dos constituintes do tabaco.(2) Em virtude da regulação polimórfica, o gene CYP1A1 se mostrou um promissor biomarcador para a suscetibilidade a certas malignidades, particularmente o câncer de pulmão.(3)

A primeira mutação detectada (conhecida como m1) foi a transição T para C no exon 7 com 1194 bp, criando um novo sítio de clivagem para MspI.(4,5) Observou-se que essa mutação tinha maior representação em pacientes com câncer de pulmão no Japão.(6)

A expressão proteica do genótipo CYP1A1 variante pode resultar em aumento na formação de metabólitos carcinogênicos devido à hiperatividade dessa enzima de fase I. Além disso, a subsequente detoxificação de metabólitos reativos desses carcinógenos pode ser impedida pela ausência de enzimas de fase II funcionais, tais como a GSTM1 e a GSTT1, que podem participar no desenvolvimento ou na progressão do câncer de pulmão.(7)

Indivíduos portadores dos alelos CYP1A1*2A ou CYP1A1*2B apresentam um aumento na atividade das respectivas isoformas das enzimas, o que pode contribuir para o aumento dos níveis de metabólitos eletrofílicos derivados de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs). Fumantes portadores dos alelos CYP1A1*2A ou CYP1A1*2B apresentam níveis aumentados de adutos HAP-DNA, bem como índices elevados de mutações no gene p53.(8,9) Drakoulis et al.(10) demonstraram que a prevalência desses alelos foi menor entre uma população de pacientes alemães com câncer de pulmão do que em uma população de pacientes japoneses com câncer de pulmão (7,3% vs. 33,2%).(6) A prevalência do genótipo variante é maior entre asiáticos(11) do que entre caucasoides(12) ou afro-americanos.(13)

O objetivo do presente estudo foi estimar e comparar a frequência do gene polimórfico CYP1A1*2A em uma população brasileira e determinar a possível contribuição dessas variações genéticas para o risco de câncer de pulmão.

Métodos

A população estudada incluiu 200 pacientes com câncer de pulmão (144 homens e 56 mulheres, com idade média de 64,0 ± 9,7 anos) avaliados entre janeiro de 2004 e dezembro de 2006 no Departamento de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.

Para compor o grupo controle, 264 doadores de sangue (160 homens e 104 mulheres) foram recrutados no mesmo hospital. Todos os procedimentos foram conduzidos de acordo com as diretrizes institucionais, e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (CEP 620/2004). Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Em todos os casos, o diagnóstico de câncer de pulmão foi confirmado pela avaliação histológica de biópsias dos tumores. Os dados clínicos e a história de tabagismo foram coletados dos prontuários dos pacientes.
O DNA genômico foi obtido de amostras de sangue periférico (12 mL), coletadas em tubos contendo ácido etilenodiaminotetracético. O DNA foi extraído usando-se o reagente DNAzol TM (Gibco BRL/Life Technologies, Gaithersburg, MD, EUA), proteinase K e cloreto de lítio.

Cada mistura para a PCR (50 µL) continha 200 ng de cada primer - sense (5'-GGC TGA GCA ATC TGA CCC TA-3') e antisense (5'-TAG GAG TCT TGT CTC ATG CCT-3') - 100 ng de DNA genômico, 1.5 mM de MgCl2, 100 mM de cada dNTP e 1 U da enzima Taq polimerase (Invitrogen Life Technologies, Carlsbad, CA, EUA). A reação envolveu 35 ciclos de incubação a 94°C (30 s), 63°C (1 min) e 72°C (1 min). Após a obtenção de um fragmento amplificado do tamanho esperado (899 bp) em gel de agarose, os produtos da PCR foram digeridos por toda a noite com 50 U da enzima de restrição MspI (New England Biolabs, Beverly, MA, EUA) a 37°C, gerando fragmentos menores quando alguma mutação estava presente. Os fragmentos foram avaliados em gel de agarose a 2,5% e corados com brometo de etídio.(14)


Análise estatística

O equilíbrio de Hardy-Weinberg foi testado utilizando-se o teste do qui-quadrado para o modelo de goodness-of-fit (um grau de liberdade). As diferenças estatísticas entre os grupos foram calculadas através do teste do qui-­quadrado ou do teste exato de Fisher. Utilizou-se análise condicional para se obter as odds ratios não ajustadas, assim como odds ratios ajustadas para grupo étnico, idade e sexo. Todas as análises foram feitas utilizando-se o pacote estatístico SAS System for Windows, versão 8.2 (SAS Institute, Cary, NC, EUA).

Resultados

As amostras dos pacientes com câncer e as dos controles, avaliadas para o gene CYP1A1*2A, estavam em equilíbrio de Hardy-Weinberg (χ2 = 0,148; p = 0,76 e χ2 = 1,12; p = 0,79, respectivamente).

Como demonstrado na Tabela 1, os pacientes com câncer de pulmão eram mais velhos do que os controles (> 64 anos: 50,0% vs. 5,3%; p < 0,0001), e a proporção de homens e de fumantes foi maior no grupo de pacientes com câncer de pulmão do que no grupo controle (72,0% vs. 28,0%; p = 0,0106 e 89,5% vs. 32,6%; p < 0,0001, respectivamente).
A distribuição do gene CYP1A1*2A polimórfico não foi estatisticamente diferente entre os pacientes com câncer de pulmão e os controles (p = 0,49; Tabela 2). Como demonstrado na Tabela 3, não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos quanto à frequência dos genótipos CC + TC ou TT.










A Tabela 4 mostra as odds ratios não ajustadas e os IC95% para todas as variáveis estudadas, calculados utilizando-se um modelo de regressão logística para o CYP1A1*2A em pacientes com câncer de pulmão. Quando nos focamos especificamente nos grupos étnicos, observamos que o genótipo CC + TC do gene CYP1A1*2A foi mais prevalente em afro-brasileiros do que em pacientes caucasoides (OR = 2,93; p = 0,02).




No modelo logístico multivariado, o genótipo CC + TC foi mais prevalente entre afro-brasileiros do que entre pacientes caucasoides (OR ajustada = 3,19; IC95%: 1,53-6,65).

Fizemos a mesma análise do modelo de regressão logística univariada para o grupo controle e não observamos diferenças relacionadas à raça na prevalência dos genótipos do gene CYP1A1*2A (Tabela 5).




Discussão

No presente estudo, investigamos se a presença de polimorfismos do gene CYP1A1*2A está relacionada a um maior risco de câncer de pulmão, bem como se tais polimorfismos se correlacionam com a idade, o sexo, o grupo étnico e a história de tabagismo.

As amostras dos pacientes com câncer e as dos controles, avaliadas para o gene CYP1A1*2A polimórfico, estavam em equilíbrio de Hardy-Weinberg. Dessa forma, os controles foram considerados adequados para se avaliar a frequência desse polimorfismo na população geral, o que permitiu uma análise comparativa com pacientes com câncer de pulmão. A frequência dos genótipos do gene CYP1A1*2A nos pacientes com câncer foi semelhante àquela nos controles. Assim, o polimorfismo nesse gene não parece aumentar o risco de câncer de pulmão na população brasileira.

Foi demonstrado que fatores étnicos se correlacionam com a ocorrência de câncer de pulmão em muitas partes do mundo.(15-20) Em um estudo feito nos Estados Unidos, Gadgeel et al.­(21) demonstraram que a incidência de câncer de pulmão era 37% mais alta em afro-americanos do que em caucasoides.

Foi observado que a homozigose para alelos variantes de CYP1A1 se correlaciona com o risco de câncer de pulmão em americanos.(22) Em uma população no Chile, foi encontrado um risco semelhante de câncer de pulmão associado a um único alelo com mutação no gene CYP1A1.­(23) As mesmas correlações foram relatadas por Sreeja et al.(7) para uma população na Índia (OR = 3,2; IC95%: ­1,29-7,80) e por Song et al.(24) para uma população na China (OR = 2,0; IC95%: 1,4-2,8). É possível que padrões etnicamente distintos de genótipos do CYP1A1 justifiquem parcialmente as discrepâncias na associação entre o gene polimórfico CYP1A1*2A e a suscetibilidade para o câncer de pulmão decorrente do tabagismo. É digno de nota que, em pacientes com câncer de pulmão, polimorfismos CYP1A1 ocorrem em afro-americanos com a mesma freqüência que em asiáticos.­(25) No presente estudo, observamos que no grupo com câncer de pulmão a frequência do genótipo CC + TC (polimorfismo CYP1A1*2A) foi mais alta em afro-brasileiros do que em caucasoides (OR = 2,93; IC95%: 1,44-5,96 e OR ajustada = 3,19; IC95%: 1,53-6,65).

Em suma, nossos resultados sugerem que os polimorfismos do gene CYP1A1*2A não influenciam o risco de câncer de pulmão na população brasileira como um todo. No entanto, em pacientes com câncer de pulmão, o genótipo CC + TC do gene CYP1A1*2A é mais comumente observado em afro-brasileiros do que em brasileiros caucasoides. A amostra estudada foi pequena e, portanto, não foi possível determinar se a presença desse genótipo aumenta o risco de câncer de pulmão em afro-brasileiros. Um extenso estudo epidemiológico é necessário para se estabelecer se o genótipo CC + TC do gene CYP1A1*2A é um alelo associado à suscetibilidade para o câncer em indivíduos afro-descendentes.


Referências


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Sobre os autores

Helen Naemi Honma
Bióloga. Laboratório de Oncopneumologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.

Eduardo Mello De Capitani
Professor Livre-Docente. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.

Aristóteles de Souza Barbeiro
Médico Pneumologista. Hospital das Clínicas, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.

Daniel Botelho Costa
Médico Pesquisador. Divisão de Hematologia/Oncologia. Beth Israel Deaconess Medical Center, Harvard Medical School, Boston (MA) EUA.

André Morcillo
Professor Livre-Docente. Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.

Lair Zambon
Professor Livre-Docente. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.



Estudo realizado na Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
Correspondência para: Helen Naemi Honma. Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Barão Geraldo, CEP 13083-970, Campinas, SP, Brasil.
Tel 55 19 3521-7907. E-mail: helennaemi@ig.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; Processo 2004/13519-5).
Recebido para publicação em 20/1/2009. Aprovado, após revisão, em 5/3/2009.

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