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Artigo Original

Análise do lavado broncoalveolar em vítimas de queimaduras faciais graves

Bronchoalveolar lavage analysis in victims of severe facial burns

Eucir Rabello, Vera Flores Batista, Patrícia Martins Lago, Renata de Azevedo Gameiro Alvares, Cesônia de Assis Martinusso, José Roberto Lapa e Silva

ABSTRACT

Objective: To analyze bronchoalveolar lavage (BAL) specimens of burn victims who inhaled smoke, in order to identify alterations associated with mortality or survival. Methods: Eighteen victims of facial burns were submitted to BAL up to 24 h after the event. We investigated cell and protein content, including TNF-α, HLA-DR, CD14, CD68 and iNOS. Results: Of the 18 patients submitted to bronchoscopy, 8 (44.4%) died during the follow-up period. The mean age of patients who died was significantly higher (44.7 vs. 31.5 years). On average, the patients who died had burns covering 60.1% of the total body surface area, compared with 26.1% in the survivors (p < 0.0001). Of the 18 patients submitted to bronchoscopy, 11 (61.1%) showed endoscopic signs of smoke inhalation injury, and 4 (36.4%) of those 11 died. Of the 7 patients with no signs of smoke inhalation injury, 4 (57.1%) died. The mean number of ciliated epithelial cells in the BAL fluid was significantly higher in the patients who died than in the survivors (6.6% vs. 1.4%; p = 0.03). There were no significant differences between the groups in terms of any of the other parameters evaluated. Conclusions: The total body surface area burned was a predictive factor for mortality. Increased numbers of ciliated epithelial cells in the BAL fluid, denoting bronchial epithelial desquamation, were associated with higher mortality in patients with facial burns.

Keywords: Burns; Smoke inhalation injury; Bronchoalveolar lavage; Epithelial cells; Macrophages;Tumor necrosis factor-alpha.

RESUMO

Objetivo: Analisar o lavado broncoalveolar (LBA) de vítimas de queimaduras que inalaram fumaça a fim de identificar alterações que possam estar associadas à morte ou à sobrevida. Métodos: Dezoito vítimas de queimaduras faciais foram submetidas a LBA até 24 h após o evento, sendo realizadas a análise do conteúdo celular e proteico, incluindo TNF-α, HLA-DR, CD14, CD68 e iNOS. Resultados: Dos 18 pacientes submetidos à broncoscopia, 8 (44,4%) morreram durante o seguimento. A média de idade dos pacientes que morreram foi significativamente maior (44,7 vs. 31,5 anos). A superfície corporal queimada foi em média de 60,1% nos pacientes que morreram e de 26,1% nos sobreviventes (p < 0,0001). Entre os 18 pacientes submetidos à broncoscopia, 11 (61,1%) apresentaram sinais endoscópicos de lesão por inalação de fumaça, e 4 (36,4%) destes faleceram. Dos 7 pacientes sem sinais de lesão por inalação de fumaça, 4 (57,1%) faleceram. A média do número de células epiteliais ciliadas no LBA dos pacientes que morreram foi significativamente maior daquela dos sobreviventes (6,6% vs. 1,4%; p = 0,03). Os demais parâmetros analisados não mostraram diferença entre os grupos. Conclusões: A superfície corporal queimada mostrou ser um fator preditivo de mortalidade. O aumento do número de células epiteliais ciliadas no LBA, denotando descamação epitelial brônquica, esteve associado à maior mortalidade de pacientes com queimaduras faciais.

Palavras-chave: Queimaduras; Lesão por inalação de fumaça; Lavagem broncoalveolar; Células epiteliais brônquicas; Macrófagos; Fator de necrose tumoral alfa.

Introdução

No Brasil, cerca de 100.000 pacientes/ano procuram atendimento hospitalar vítimas de queimaduras em acidentes que ocorrem, na sua maioria, em ambiente domiciliar. As condições em que os acidentes ocorrem podem provocar lesões graves e fatais. As lesões por chama são as mais comuns, e o álcool é o combustível mais frequentemente envolvido nesses acidentes.(1)

A superfície corporal queimada (SCQ) e a profundidade das lesões são fatores diretamente relacionados ao prognóstico. Além desses, fatores como a idade e a presença de lesão das vias aéreas por inalação de fumaça também interferem no prognóstico.(1-4)

Nem sempre os sinais e sintomas da lesão por inalação de fumaça (LIF) são perceptíveis ao examinador. Dispneia, hipoxemia, cianose, sons respiratórios anormais e anormalidades na radiografia de tórax podem não estar presentes no primeiro momento do atendimento desses pacientes.(5,6) Deve-se suspeitar de LIF em pacientes que apresentam sintomas compatíveis com lesões de vias aéreas superiores.(7)

A verificação dos níveis de carboxi-hemoglobina, a radiografia de tórax, a
gasometria arterial, a cintilografia com xenônio 133 e os testes de função pulmonar têm valor limitado no diagnóstico da LIF.(8)

Na suspeita de LIF, torna-se necessária a confirmação dessas lesões com a finalidade de estabelecer um prognóstico e iniciar medidas terapêuticas de proteção, como intubação e uso de heparina por via inalatória.(4,9,10)

A broncoscopia é o método de maior sensibilidade e especificidade no diagnóstico das LIF quando comparado ao padrão ouro, a análise histopatológica de fragmento de mucosa brônquica.(11) Durante a realização do exame, é possível estabelecer de forma segura se houve ou não lesão das vias aéreas.(12) Hiperemia da mucosa, edema, ulcerações ou necrose são achados endoscópicos que confirmam o diagnóstico de LIF.(12,13) Além disso, a broncoscopia tem papel importante nos diagnósticos de contusão e infecção pulmonar e no tratamento da LIF, proporcionando a lavagem da árvore brônquica para retirada de fuligem, de outros materiais carbonáceos e até mesmo das membranas formadas por fibrina que aderem à parede brônquica, causando obstrução da luz.(9,14)

Na presença de LIF, acredita-se que ocorra um grande afluxo de neutrófilos, liberação de radicais livres e produção de mediadores inflamatórios. Parece haver um aumento significativo do número de macrófagos alveolares e da concentração de TNF-α.(15,16) Ocorre descamação completa ou parcial do epitélio traqueal, brônquico e bronquiolar. Essas alterações parecem estar presentes nas fases iniciais da LIF das vias aéreas.(11)

O tratamento do paciente com LIF deve ser iniciado no local do acidente, com a administração de oxigênio a 100%.(4) O uso de broncodilatadores deve ser iniciado sempre que houver sibilos ou sinais de secreção endobrônquica.(17) A intubação orotraqueal deve ser realizada quando houver cianose ou depressão respiratória, secreção com obstrução laríngea, espessamento importante da região ­nasolabial por queimadura ou queimadura de toda a circunferência do pescoço. Caso a laringoscopia mostre edema importante da mucosa, deve-se avaliar a possibilidade do uso de traqueostomia.(4) A umidificação do ar inspirado e o uso de pressão positiva contínua são medidas efetivas. O uso de heparina e acetilcisteína sob nebulização diminui a necessidade de reintubação, a incidência de atelectasia e a mortalidade.(9) Os antibióticos estão indicados sempre que houver sinais de infecção. O uso de corticoides não está indicado como rotina e deve ser utilizado em casos de broncoespasmo que não respondam às medidas iniciais.(4,18,19) O uso de surfactante, deferoxamina e oxido nítrico tem se mostrado eficaz em modelos de animais, necessitando de mais estudos clínicos.(20-22)

A análise citológica, imunocitoquímica e bioquímica realizada em material de lavado broncoalveolar (LBA) podem ser úteis para determinar a resposta pulmonar à injúria e prever a evolução clínica de pacientes com LIF. A descoberta precoce de LIF pode ser o fator decisivo na prevenção de insuficiência respiratória aguda e, consequentemente, na redução da mortalidade dos pacientes.(1-3,12) No entanto, a informação hoje disponível sobre o assunto procede predominantemente de estudos experimentais em modelos animais. O presente estudo visa contribuir para o maior entendimento do assunto, procurando investigar fatores celulares, bioquímicos e imunológicos no milieu pulmonar de vítimas de LIF no período imediatamente após o acidente (em até 24 h) e estabelecer correlações com o prognóstico destes indivíduos.

Métodos

Estudo piloto do tipo coorte prospectivo, de vítimas de queimaduras com evidências iniciais de LIF atendidas em duas unidades especializadas-os Centros de Tratamento de Queimados (CTQs) do Hospital de Força Aérea do Galeão e do Hospital Municipal do Andaraí-até 24 h após o acidente, no período de 27 de fevereiro de 2002 a 24 de junho de 2004. O grupo experimental foi constituído por vítimas de queimaduras submetidas à broncoscopia flexível com realização de LBA, indicada a critério da equipe clínica encarregada dos cuidados aos pacientes com queimaduras.

Foram coletados os dados clínicos e de desfecho do acidente.
Os critérios de inclusão foram os seguintes: vítimas de queimaduras em locais confinados, ou que foram encontradas inconscientes, ou com sintomas compatíveis com lesões de vias aéreas superiores, tais como irritação nasofaríngea, rouquidão, estridor e tosse; vítimas de queimaduras cervicais altas, queimaduras de face e/ou queimaduras com chamuscamento de cílios e vibrissas nasais; presença de expectoração carbonácea; presença de sons respiratórios brônquicos, sibilos, estertores e/ou cianose. Os pacientes que apresentavam instabilidade hemodinâmica ou que tiveram ingestão alimentar há menos de 4 h da realização da broncoscopia não foram incluídos no estudo.

As broncoscopias com LBA foram todas realizadas pelo mesmo autor do estudo. O exame foi realizado para a confirmação do diagnóstico de LIF seguindo as rotinas previamente estabelecidas pelos serviços de Pneumologia envolvidos, de acordo com normas internacionais.(23)

O material obtido foi imediatamente encaminhado em frascos estéreis, sob refrigeração, para o Laboratório Multidisciplinar de Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ). Foi realizada leitura em hemocitômetro (câmara de Neubauer) para a contagem do número de células e do percentual de viabilidade celular. As lâminas foram coradas com o método de May-Grünwald-Giemsa, e a contagem diferencial foi realizada em pelo menos 400 células não-escamosas, calculando-se o percentual de cada tipo celular presente no LBA. O restante das lâminas foi fixado, empacotado, e conservado a −20°C até o uso. Para a cultura celular, a pelota foi colocada em placas de cultura estéreis, mantidas em estufa.

Após 1, 3 e 24 h, as placas de cultura foram retiradas da estufa, os sobrenadantes foram retirados em duplicata de cada placa, centrifugados e estocados em tubos de ensaio identificados a −80°C até o uso. Para a realização do estudo imunocitoquímico, os citocentrifugados, preparados a partir do LBA e fixados, foram retirados do refrigerador, deixados na bancada à temperatura ambiente para atingirem o equilíbrio térmico, rodeados por anel de material hidrofóbico e submetidos ao método de imunolocalização de moléculas relevantes ao trabalho: CD68, HLA-DR, CD14 e iNOS. Foi realizado um protocolo de dosagem de TNF-α pelo método ELISA.

O teste t de Student foi empregado para amostras independentes. O teste exato de Fisher foi empregado para variáveis categóricas e quando os valores da amostra eram inferiores a cinco. A significância foi estabelecida quando p < 0,05.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina/HUCFF/UFRJ sob o número 060/00, e os termos de consentimento informado foram obtidos.

Resultados

No período de 27 de fevereiro de 2002 a 24 de junho de 2004 foram atendidas, nos dois CTQs participantes deste estudo, 78 vítimas de queimaduras que apresentavam sinais de queimaduras faciais e de possível LIF. Destes, 18 foram submetidos à fibrobroncoscopia com LBA por indicação clínica da equipe assistente.

Dos 18 pacientes submetidos à broncoscopia, 7 (38,9%) foram intubados e colocados em ventilação mecânica invasiva, e 8 (44,4%) evoluíram para o óbito. O desfecho morte foi relacionado fortemente a três fatores estudados: a porcentagem de SCQ, a idade e a evolução do paciente para insuficiência respiratória aguda, denotada pela instituição de ventilação mecânica invasiva. Não houve influência do gênero na evolução dos pacientes para o óbito.

A Tabela 1 apresenta a descrição clínica do grupo de 18 vítimas de queimaduras faciais que foi submetido à broncoscopia com LBA, portadores ou não de LIF. Dos 18 pacientes com suspeita de LIF submetidos à broncoscopia, 7 (38,9%) tiveram o exame normal, e 11 (61,1%) tiveram o diagnóstico de LIF confirmado. A média de idade foi maior no grupo sem LIF (41,9 ± 6,9 anos) do que no grupo com LIF (34,6 ± 3,0 anos; p = 0,28). A maioria dos pacientes com LIF foi queimada com chama (72,7%). A SCQ foi significativamente maior nos pacientes com broncoscopia normal (p = 0,028). Do grupo de pacientes com LIF, 3 (27,3%) foram submetidos à ventilação mecânica invasiva, assim como 4 dos 7 pacientes sem LIF (57,1%). Tanto no grupo com LIF quanto no grupo sem LIF, 4 pacientes (36,4% e 57,1%, respectivamente) evoluíram para óbito.



Os fatores relacionados ao óbito neste grupo de queimados submetidos à broncoscopia foram também analisados (Tabela 2). Dos 18 pacientes, 8 (44,4%) evoluíram para óbito, e 10 (55,6%) sobreviveram. A média de idade foi significativamente maior no grupo que evoluiu para óbito (44,8 vs. 31,5; p = 0,0369). A SCQ foi significativamente maior nos pacientes que evoluíram para óbito (60,2 vs. 26,09; p < 0,0001). Dos sobreviventes, apenas 1 paciente (14,3%) foi submetido à ventilação mecânica invasiva, enquanto 6 pacientes (85,7%) dos 8 que evoluíram para óbito foram submetidos ao mesmo tipo de intervenção (p = 0,0128).



O conteúdo celular e proteico do LBA das vítimas de queimaduras com ou sem LIF foi analisado (Tabela 3). Não houve diferenças estatísticas entre os diversos parâmetros analisados no LBA dos pacientes com queimaduras faciais com ou sem LIF. O único parâmetro que se aproximou do nível de significância foi o percentual de linfócitos, que se mostrou diminuído nas vítimas de queimaduras faciais com LIF comprovada (p = 0,059).



Os parâmetros do LBA das vítimas de queimadura facial que sobreviveram ou faleceram estão na Tabela 4. Os parâmetros analisados não mostraram diferenças entre as vítimas que faleceram e os sobreviventes. Houve, entretanto, um número maior de células epiteliais nos pacientes que morreram (6,6% vs. 1,4%), e a diferença foi estatisticamente significante (p = 0,03; Figura 1). O TNF-α na cultura de 24 h foi positivo em 4 pacientes. Desses, 3 sobreviveram, e 1 teve evolução fatal. Entre os pacientes que sobreviveram, a média dos níveis de TNF-α na cultura de 24 h foi de 110,4 pg/mL. No paciente que morreu, o TNF-α na cultura de 24 h foi de 356,9 pg/mL. A diferença não foi significativa entre os dois grupos (p = 0,42; IC95%: 407,8-900,8). Foi feita a análise dos parâmetros do LBA em relação à SCQ, mas não houve diferença entre os diferentes parâmetros (dados não apresentados). Apenas o número de células obtidas no lavado foi diferente quando se estabeleceu o ponto de corte de 30% de SQC: > 30% (9,50 ± 3,29 células por mL × 105) vs. < 30% (30,31 ± 9,14 células por mL × 105; p = 0,033), sugerindo que quanto maior a SCQ, menor a quantidade de células obtidas no LBA.





Discussão

A presença de LIF tem sido associada à maior mortalidade em pacientes queimados e pode aumentar a mortalidade em até nove vezes.(24) Alguns autores também observaram um aumento da mortalidade; entretanto, a presença de LIF pouco acrescentou na previsão de mortalidade quando usados, como fatores prognósticos, a porcentagem de SCQ e a idade.(25) Alguns autores aplicaram uma fórmula para prever a evolução fatal, retrospectivamente, em 530 pacientes e concluíram que pacientes que apresentaram mais de 40% de SCQ, idade maior do que 60 anos e LIF apresentaram maior risco de evolução para óbito, e que, naqueles em que esses três fatores estão presentes, a mortalidade pode chegar a 95%.(3) Esse modelo foi utilizado em um estudo com 479 pacientes adultos com porcentagem de SCQ ≥ 20% com a finalidade de testar sua acurácia, e os resultados não foram animadores.(26) Em um trabalho realizado com 27 pacientes no Hospital de Força Aérea do Galeão (RJ), foi observado um aumento de 3,4% no índice de mortalidade dos pacientes que apresentaram sinais compatíveis com LIF, após a realização de broncoscopia.(13)

Ao analisarmos os resultados encontrados nos 18 pacientes submetidos à broncoscopia, observamos que a SCQ e a idade são fatores significativos que contribuem para o aumento da mortalidade, de acordo com a grande maioria dos trabalhos encontrados na literatura. No nosso estudo, a presença de LIF isoladamente não contribuiu para o aumento da mortalidade, não sendo um bom fator preditivo, como também foi observado por outros autores.(25,26) Também não houve relação entre a SCQ e a presença de LIF, já que os pacientes que apresentaram a maior média de SCQ não tinham achados endoscópicos de LIF.

Vários autores têm mostrado a necessidade da indicação da broncoscopia em pacientes com suspeita de LIF como um método de detecção precoce da injúria pulmonar causada pela inalação de fumaça. A observação indireta tem sido usada com a finalidade de diagnosticar tal lesão. Achados de queimadura de face, de vibrissas nasais, presença de secreção do trato respiratório, sibilos e roncos, associados a uma história de exposição à fumaça em locais fechados ou à perda de consciência no local do acidente, são sugestivos de LIF e, portanto, apontam para a indicação da realização de broncoscopia. Entretanto, há uma alta incidência de valores falso-positivos para cada achado. Apesar de 70% dos pacientes com LIF apresentarem queimadura de face, 70% dos pacientes com queimadura de face não apresentam lesão significativa do trato respiratório inferior.(4)

Dos 18 pacientes submetidos à broncoscopia, todos apresentavam queimadura de face; porém, 7 (38%) não apresentaram sinais endoscópicos de LIF. Além disso, no mesmo período, 60 pacientes com queimadura de face deixaram de ter a broncoscopia indicada pela equipe de médicos do CTQ. Esses dados apontam para a fragilidade do uso de métodos indiretos na determinação das LIF. A queimadura de face não foi um bom fator preditivo de LIF, o que reforça a importância da broncoscopia na avaliação inicial de pacientes com suspeita de acometimento das vias aéreas.(4,12) Hiperemia, edema, ulceração da mucosa e presença de fuligem foram os achados diagnósticos de LIF reportados através da broncoscopia.

A análise citológica do LBA tem sido motivo de estudo em diversos modelos animais e em alguns poucos estudos em seres humanos. Em dois estudos, um com pacientes com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) por queimadura e outro com coelhos submetidos à inalação de fumaça, observou-se um grande número de macrófagos alveolares no LBA.(16,15)

O LBA dos 18 pacientes com queimaduras, relatados no nosso estudo, também mostrou um grande número de macrófagos alveolares nos pacientes que morreram e nos sobreviventes (78,25 ± 4,99% vs. 88,02 ± 7,04%), sem que houvesse diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos. Nosso achado foi semelhante ao descrito em um estudo a respeito do LBA de pacientes fumantes e não-fumantes (92,5 ± 1,0% vs. 85,2 ± 1,2%).(27) Não houve diferença significativa quanto ao número de linfócitos, neutrófilos e eosinófilos quando comparados os pacientes que morreram e os que sobreviveram. Quando comparados com o LBA de pacientes fumantes e não-fumantes descritos no estudo acima citado,(27) o número de linfócitos dos pacientes com LIF (1,34 ± 0,43) foi menor do que o dos pacientes não-fumantes (11,8 ± 1,1) e ainda menor do que o dos pacientes fumantes (5,2 ± 0,9). O número de eosinófilos foi semelhante ao descrito como padrão normal (< 1%). Nos pacientes que tiveram broncoscopia normal, o número de neutrófilos (3,70 ± 1,31) foi semelhante ao padrão normal (1-3%), porém muito aumentado nos pacientes com LIF (15,25 ± 5,91). O número de células epiteliais foi semelhante ao descrito como padrão normal (< 5%); entretanto, houve um aumento estatisticamente significativo do número dessas células nos pacientes que tiveram evolução para óbito (6,61 vs. 1,39), podendo ser esse um possível marcador de gravidade e de desfecho desfavorável nos pacientes internados por queimaduras. Esse achado é compatível com a descrição das alterações presentes nas fases iniciais da LIF das vias aéreas, descrito por um autor, quando ocorre a descamação completa ou parcial do epitélio traqueal, brônquico e bronquiolar.(11) O epitélio funciona como uma importante barreira física das mucosas em geral, e sua perda facilita o advento de infecções. Ademais, a descamação do epitélio brônquico implica na perda de outro importante mecanismo de defesa do aparelho respiratório, a depuração mucociliar. Estes pacientes ficam muito vulneráveis a infecções. Essas lesões parecem depender da dose e do tempo de exposição à fumaça.(28)

Apesar da descrição do aumento de TNF-α na presença de SARA(16) e LIF,(28) alguns autores não encontraram o mesmo resultado em um modelo com ovelhas.(29) Dos 18 pacientes submetidos à broncoscopia, encontramos a presença de TNF-α em apenas 4. Não houve diferença significativa entre pacientes com e sem LIF que sobreviveram ou que tiveram evolução para óbito. O TNF-α no LBA não se mostrou útil na previsão de gravidade em pacientes queimados.

Recentemente, foi demonstrado o envolvimento do iNOs na patogenia da lesão pulmonar aguda em ovelhas com queimaduras e LIF.(30) No entanto, não encontramos diferenças significativas nos valores de iNOs entre os pacientes com e sem LIF que sobreviveram ou que tiveram evolução para óbito.

Não houve diferença estatisticamente significativa na expressão de moléculas de CD14, CD68 e HLA-DR entre os pacientes submetidos à broncoscopia com e sem LIF e entre os pacientes que sobreviveram ou que tiveram evolução para óbito.

O estudo apresenta algumas limitações, como o número de casos incluídos, pois, a despeito da internação de 78 casos ao longo de 26 meses nas 2 unidades do estudo, apenas 18 foram referidos pela equipe clínica para a broncoscopia. A análise estatística não foi mais aprofundada, devido ao grande número de parâmetros estudados que foram negativos e o pequeno número de casos recrutados.

Como conclusões do estudo, observamos que os fatores relacionados à sobrevida ou à morte de vítimas com LIF submetidas à broncoscopia com LBA foram a SCQ, a idade e a evolução para insuficiência respiratória aguda; na citologia diferencial do LBA de vítimas com LIF, o aumento do número de células epiteliais ciliadas no LBA parece ser um fator prognóstico de mortalidade; a medida de TNF-α em 24 h de cultura celular total do LBA não mostrou relação com a mortalidade; o fenótipo de macrófagos alveolares obtidos pelo LBA não mostrou diferenças entre os casos com ou sem LIF ou que evoluíram ou não para o óbito, o mesmo acontecendo com a frequência de células iNOS positivas.

Com os resultados alcançados em nosso trabalho, esperamos motivar a realização de broncoscopia em todos os pacientes internados em centros especializados com queimaduras e sinais indiretos de LIF. A obtenção do LBA e a realização de contagem celular, um método barato e de execução amplamente conhecida, poderá ser útil como marcador do prognóstico e ainda colaborar para um melhor entendimento da patogenia da LIF.

Agradecimentos

Os autores têm uma dívida de gratidão com as equipes clínicas dos Centros de Tratamento de Queimados do Hospital da Força Aérea do Galeão e do Hospital Municipal do Andaraí, que os apoiaram na seleção dos pacientes.

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Sobre os autores

Eucir Rabello
Chefe da Seção de Pneumologia. Hospital de Força Aérea do Galeão, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Vera Flores Batista
Bióloga. Laboratório Multidisciplinar da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Patrícia Martins Lago
Bióloga. Laboratório Multidisciplinar da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Renata de Azevedo Gameiro Alvares
Chefe do Serviço de Broncoesofagologia. Hospital Municipal do Andaraí, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Cesônia de Assis Martinusso
Técnica de Laboratório. Laboratório Multidisciplinar da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

José Roberto Lapa e Silva
Professor Titular de Pneumologia. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.


* Estudo realizado na Faculdade de Medicina e no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: José Roberto Lapa e Silva. Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rua Rodolpho Paulo Rocco, 255, Ilha do Fundão, CEP 21541-912, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2562-2669. Fax 55 21 2290-3520. E-mail: jrlapa.ntg@terra.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Recebido para publicação em 30/4/2008. Aprovado, após revisão, em 14/10/2008.


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