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Artigo Original

Infecção pulmonar pelo Rhodococcus equi na síndrome da imunodeficiência adquirida. Aspectos na tomografia computadorizada

Rhodococcus equi infection in acquired immunodeficiency syndrome. Computed tomography aspects

Edson Marchiori, Renato Gonçalves de Mendonça, Domenico Capone, Elza Maria de Cerqueira, Arthur Soares Souza Júnior, Gláucia Zanetti, Dante Escuissato, Emerson Gasparetto

ABSTRACT

Objective: To present the computed tomography aspects of Rhodococcus equi pneumonia in seven patients with acquired immunodeficiency syndrome. Methods: A retrospective study of the computed tomography scans of seven patients with acquired immunodeficiency syndrome and Rhodococcus equi infection. Results: The most common findings were consolidation (n = 7), consolidation with cavitation (n = 6), ground glass opacities (n = 6), peribronchial nodules (n = 4) and centrilobular nodules presenting a "tree-in-bud" pattern (n = 3). Conclusion: The most common finding in patients with Rhodococcus equi pulmonary infection and acquired immunodeficiency syndrome was consolidation with cavitation.

Keywords: Acquired immunodeficiency syndrome; Rhodococcus equi; Actimomycetales infections; Lung diseases, fungal; Tomography, emission-computed

RESUMO

Objetivo: Apresentar os aspectos na tomografia computadorizada da pneumonia pelo Rhodococcus equi em sete pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida. Métodos: Estudo retrospectivo das tomografias de sete pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida e infecção pelo Rhodococcus equi. Resultados: Os achados mais freqüentes foram: consolidação (n = 7) com escavação (n = 6), opacidades em vidro fosco (n = 6), nódulos do espaço aéreo (n = 4) e nódulos centrolobulares com árvore em brotamento (n = 3). Conclusão: Os achados mais comuns na infecção pulmonar pelo Rhodococcus equi em pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida foram as consolidações escavadas.

Palavras-chave: Síndrome da imunodeficiência adquirida; Rhodococcus equi; Infecções por actinomycetales; Pneumopatias fúngicas; Tomografia computadorizada de emissão

INTRODUÇÃO

O Rhodococcus equi é causa comum de infecção em cavalos e outros animais. A infecção em humanos é rara,(1) acometendo principalmente indivíduos com graus avançados de imunodeficiência. Cerca de 80% dos casos ocorrem em pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida, notadamente os que apresentam contagens de linfócitos CD4 menores que 200 células/mm3.(2-3)

Em humanos, o principal sítio de infecção é o pulmão.(1) A forma de apresentação clínica mais freqüente é a de um quadro pneumônico de evolução arrastada, com tosse, febre e sintomas constitucionais. O R. equi é causa freqüente de bacteremia e quadros extrapulmonares podem ocorrer. O agente etiológico é facilmente isolado a partir dos sítios de infecção.(2) A apresentação radiológica mais comum nos quadros de infecção pulmonar é uma consolidação com escavação, com ou sem níveis líquidos, acometendo mais comumente os lobos superiores.(2,4-5)

Apesar da abundante literatura mundial enfocando os aspectos clínicos, tratamento e os achados em radiografias convencionais do tórax, pouco se encontra sobre os aspectos da infecção pelo R. equi na tomografia computadorizada do tórax, que, assim como as radiografias, evidencia consolidações com escavações e níveis líquidos. A tomografia é capaz de melhor caracterizar os achados e de identificar alterações que não são visíveis nas radiografias, como pequenos nódulos centrolobulares, opacidades em vidro fosco, áreas de preenchimento bronquiolar, pequenos derrames pleurais e linfonodomegalias mediastinais.(5-6)

O objetivo deste trabalho é apresentar os aspectos na tomografia computadorizada observados em sete pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida e infecção pelo R. equi.

MÉTODOS

Foi feito um estudo retrospectivo das tomografias computadorizadas de sete pacientes com infecção pulmonar pelo R. equi, encontrados numa pesquisa feita nos arquivos radiológicos de três hospitais universitários do Rio de Janeiro (RJ), Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense, e do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Campinas (SP), no período de 1996 a 2004.

Seis pacientes eram do sexo masculino e um do feminino, com idades variando entre 22 e 49 anos, e média de 38 anos. Todos os pacientes tinham síndrome da imunodeficiência adquirida, com contagens de linfócitos CD4 abaixo de 100 células/mm3. Tiveram o diagnóstico da infecção pelo R. equi feito através de cultura de material proveniente de lavado broncoalveolar ou de punção transtorácica, sendo que dois deles também apresentavam hemocultura positiva. Eles mostravam apenas manifestações pulmonares da infecção, com um quadro pneumônico de evolução arrastada, de duração maior que um mês em todos os pacientes, não havendo manifestações extrapulmonares.

Seis dos sete exames foram feitos em tomógrafos Siemens Somaton AR (Siemens Medical Solutions, Munich, Germany). O outro foi feito em um tomógrafo GE 9800 S (General Eletric Medical Systems, Milwaukee, Wis, USA). As tomografias computadorizadas do tórax foram realizadas com técnica de aquisição convencional, com espessuras de corte variando de 5 a 10 mm, sendo que cinco pacientes foram também estudados com técnica de aquisição de alta resolução, com espessuras de corte variando entre 1 e 2 mm. Os exames foram documentados nas janelas apropriadas para pulmão, variando de 1.000 a 1.300 UH, e centro variando de -500 a -700 UH, e mediastino, com janelas entre 200 e 600 UH, e centro entre 60 e 120 UH . Não foi administrado meio de contraste venoso em nenhum dos pacientes.

As tomografias foram avaliadas por dois observadores, de forma independente. As decisões finais foram tomadas por consenso.

RESULTADOS

O achado de imagem mais freqüente, presente nos 7 pacientes, foi consolidação de contornos mal definidos (Figuras 1, 2, 3 e 4), sendo que 5 deles tinham broncograma aéreo de permeio, principalmente na periferia da lesão. Em 3 casos, a consolidação organizava-se sob forma de massa. Em 6 dos 7 pacientes foram observadas, no interior das consolidações, áreas irregulares de escavação, múltiplas em 5 e única em 1 paciente. Em um dos casos não se observou escavação, mas ele mostrava áreas hipodensas de permeio, sugestivas de necrose (Figura 5). Apenas um dos pacientes apresentou nível líquido no interior das cavidades.






















A lesão escavada predominou nos lobos superiores, sendo 4 à direita e 1 à esquerda. Em um destes pacientes, ela acometia também o lobo médio. Em 2 casos, ela ocorreu nos lobos inferiores, 1 à direita e 1 à esquerda. Em 4 casos as lesões acometiam apenas os lobos citados, sendo portanto unilaterais. Nos outros 3, atingiam também, em menor intensidade, o pulmão contralateral. Em um caso, havia também escavação de paredes relativamente finas, multisseptada, sem nível líquido, localizada no lobo médio.

Opacidades em vidro fosco foram vistas em 6 pacientes, localizadas predominantemente ao redor das lesões escavadas, não sendo, em nenhum dos casos, achado predominante.

Pequenas opacidades nodulares centrolobulares e padrão de árvore em brotamento foram vistos em 3 pacientes, com distribuição predominantemente ao redor da área de consolidação. Em 1 destes pacientes estas lesões foram encontradas também nas porções pendentes dos lobos inferiores. Nódulos do espaço aéreo, tendendo a confluência, localizados na periferia das consolidações pulmonares, foram vistos em 4 casos.

Outros achados descritos na literatura, como nódulo pulmonar solitário, derrame pleural, pneumotórax, linfonodomegalias ou envolvimento de partes moles, não foram observados em nenhum dos pacientes.

DISCUSSÃO

O diagnóstico diferencial da infecção pulmonar pelo R. equi no paciente com síndrome da imunodeficiência adquirida envolve as infecções escavadas (tuberculose, nocardiose, doenças fúngicas, abscesso pulmonar), neoplasias pulmonares e, mais remotamente, pneumonia por P. carinii.(1,2,7) A infecção pelo M. tuberculosis foi o principal diagnóstico diferencial aventado para os pacientes apresentados neste trabalho.

Em um estudo(5) utilizando radiografias e tomografia computadorizada do tórax, foram avaliados nove pacientes, todos com síndrome da imunodeficiência adquirida. A tomografia computadorizada do tórax, utilizando meio de contraste venoso, demonstrou massas com impregnação heterogênea pelo meio de contraste e consolidações pulmonares densas, com ou sem escavações, em oito pacientes. A tomografia confirmou as escavações e níveis líquidos identificados nas radiografias e evidenciou outros três exames em que tais achados não haviam sido suspeitados anteriormente. Linfonodomegalias mediastinais estavam presentes em oito pacientes. Pequenos nódulos centrolobulares e áreas de preenchimento bronquiolar, representando disseminação broncogênica, foram observados em um caso, e múltiplos nódulos com cerca de 5 a 20 mm, a maioria dos quais escavados, observados em dois outros.

Na nossa casuística, o principal padrão de acometimento pulmonar foi o de consolidação com broncograma aéreo de permeio e escavação, presente em 6 pacientes, sendo as escavações múltiplas em 5 casos e única em 1. As consolidações tinham grandes proporções e contornos anfractuosos. Os broncogramas aéreos estavam localizados nas porções periféricas das lesões. O lobo pulmonar mais freqüentemente envolvido foi o lobo superior direito, acometido em 4 pacientes. A maioria dos trabalhos de revisão de casos confirma tais achados.(2,5) Alguns trabalhos relatam que, embora a escavação possa não estar presente no momento do diagnóstico, ela acaba por se desenvolver durante a evolução da doença.(4) Níveis líquidos no interior das escavações foram vistos em apenas um paciente na casuística estudada.

Outros achados foram as opacidades em vidro fosco, os nódulos do espaço aéreo, os pequenos nódulos de distribuição predominantemente centrolobular, e o padrão de árvore em brotamento. Eles se localizavam predominantemente ao redor das consolidações escavadas, sendo que em um dos casos também estavam presentes em ambos os lobos inferiores. Acredita-se que tal achado deva representar disseminação broncogênica da infecção.

O achado histopatológico típico da infecção pelo R. equi é de uma escavação necrosante acometendo consolidações ou massas de tecidos moles, compostas de um denso infiltrado histiocitário com abundante citoplasma granular eosinofílico (células de von Hansseman). Leucócitos polimorfonucleares são abundantes em microabscessos disseminados.
A coloração pelo ácido periódico de Schiff demonstra histiócitos altamente positivos, semelhantes aos encontrados na doença de Whipple. Cocobacilos Gram-positivos são facilmente demonstrados na coloração tissular pelo método de Gram. Outro achado descrito na infecção pelo R. equi é a malacoplaquia pulmonar.(8)

A tomografia computadorizada, de modo geral, é mais eficiente que as radiografias do tórax na caracterização das lesões pulmonares, mostrando melhor a presença de broncogramas aéreos e áreas de escavação nas consolidações, e a presença ou ausência de níveis líquidos. É capaz também de detectar pequenas opacidades nodulares centrolobulares, nódulos do espaço aéreo, áreas de preenchimento bronquiolar e opacidades em vidro fosco, notadamente nos cortes de alta resolução. Linfonodomegalias, pequenos derrames pleurais ou pneumotórax, além de acometimento de partes moles, puderam ser afastados com segurança através da utilização do método.

Em conclusão, a infecção por R. equi deve ser considerada no diagnóstico diferencial das consolidações escavadas nos pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida, sendo particularmente difícil a diferenciação com as lesões causadas pela tuberculose.

REFERÊNCIAS

1. Alves JA, Cerqueira EMFP, Nanni L, Toniani MP. Rhodococcus equi: infecção pulmonar em patientes imunocomprometidos - relato de um caso e revisão da literatura. Radiol Bras. 1997;30(6):347-9.
2. Capdevila JA, Buján S, Gavalda J, Ferrer A, Pahissa A. Rhodococcus equi pneumonia in pacients infected with human immudeficiency virus. Report of 2 cases and review of the literature. Scand J Infect Dis. 1997;29(6):535-41.
3. Haramati LB, Jenny-Avital ER. Approach to the diagnosis of pulmonary disease in patients infected with the human immunodeficiency virus. J Thorac Imaging. 1998;13(4): 247-60.
4. Arlotti M, Zoboli G, Moscatelli GL, Magnani G, Maserati R, Borghi V, et al. Rhodococcus equi infection in HIV-positive subjects: A retrospective analysis of 24 cases. Scand J Infect Dis. 1996;28(5):463-7.
5. Wicky S, Cartei F, Mayor B, Frija J, Genevois PA, Giron J, et al. Radiological findings in nine AIDS patients with Rhodococcus equi pneumonia. Eur Radiol. 1996;6(6): 826-30.
6. Marchiori E, Muller NL, de Mendonca RG, Capone D, Souza AS Jr, et al. Rhodococcus equi pneumonia in AIDS: high-resolution CT findings in five patients. Br J Radiol. 2005;78(933):783-6.
7. Marchiori E, Muller NL, Soares Souza A Jr, Escuissato DL, Gasparetto EL, Franquet T. Pulmonary disease in patients with AIDS: high-resolution CT and pathologic findings. AJR Am J Roentgenol. 2005;184(3):757-64.
8. Scott MA, Graham BS, Verral R, Dixon R, Schaffner, Tham KT. Rhodococcus equi - An increasingly recognized opportunistic pathogen. Report of 12 cases and review of 65 cases in the literature. Am J Clin Pathol. 1995;103(5):649-55.

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* Trabalho realizado no Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Professor Titular e Chefe do Departamento de Radiologia da Universidade Federal Fluminense - UFF. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
2. Radiologista dos Hospitais Copa D'Or e Barra D'Or - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
3. Professor de Pneumologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Médico Radiologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
4. Especialista do Serviço de Radiologia da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
5. Professor Adjunto de Radiologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP - São José do Rio Preto (SP) Brasil.
6. Doutoranda em Radiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Professora de Pneumologia da Faculdade de Medicina de Petrópolis - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
7. Professor Assistente de Radiologia da Universidade Federal do Paraná - UFPR - Londrina (PR) Brasil.
8. Pesquisador do Instituto de Radiologia da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Edson Marchiori. Rua Thomaz Cameron, 438, Valparaíso - CEP: 25685-120, Petrópolis, RJ, Brasil.
Tel: 55 24 2249-2777. Email: edmarchiori@bol.com.br
Recebido para publicação em 25/9/05. Aprovado, após revisão, em 6/12/05.

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