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Artigo Original

Impacto de um programa para o controle da asma grave na utilização de recursos do Sistema Único de Saúde

Impact that a program to control severe asthma has on the use of Unified Health System resources in Brazil

Eduardo Ponte, Rosana Abreu Franco, Adelmir Souza-Machado, Carolina Souza-Machado, Álvaro Augusto Cruz

ABSTRACT

Objective: To quantify the use of health care resources among patients enrolled in the Bahia State Asthma and Allergic Rhinitis Control Program. Methods: As of January of 2006, 1405 patients had enrolled in the program, which is carried out in four referral centers in the city of Salvador. These patients formed the basis of this retrospective/prospective, observational cohort study. The preliminary analysis involved 269 consecutive patients, all above the age of 12 and diagnosed with severe asthma. After being seen by pulmonologists, nurses, pharmacologists and psychologists, the patients received inhaled asthma medications. Based on patient interviews and charts, the year preceding enrollment in the program was compared with the first year enrolled in the program in terms of the following quantifiable parameters: hospital admissions; emergency room visits; courses of oral corticosteroids; and days of school/work missed due to asthma attacks. Results: In this sample of patients with severe asthma, enrollment in the program resulted in significant reductions in the number of emergency room visits and hospital admissions (of 85% and 90%, respectively). There were also reductions in the number of school/work days missed due to asthma attacks and in the number of courses of oral corticosteroids (of 86% and 67%, respectively). Conclusion: A program designed to control severe asthma in referral outpatient clinics and including pharmacological services at no charge can lead to a pronounced reduction in the demand for Unified Health Care System resources.

Keywords: Asthma/therapy; Asthma/prevention  control; Hospitalization; National Health System (BR)

RESUMO

Objetivo: Quantificar a redução da utilização de recursos da saúde entre pacientes admitidos no Programa para o Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia. Métodos: Até o mês de janeiro de 2006 havia 1.405 pacientes inscritos no programa, em quatro centros de referência em Salvador (BA). Foram incluídos, na análise preliminar, 269 pacientes consecutivos com diagnóstico de asma grave e idade superior a doze anos. Os pacientes tinham assistência de pneumologistas, enfermeiros, farmacêuticos e psicólogos e recebiam medicações inalatórias para asma. Neste estudo observacional de coorte prospectivo, foram comparados os números de internações, de atendimentos em emer- gência, de ciclos de corticóide sistêmico e de dias de ausência da escola ou do trabalho por crise de asma, no ano anterior à admissão no programa, com base no relato dos pacientes, com o registro da ocorrência destes eventos no primeiro ano de acompanhamento no programa. Resultados: Nesta amostra de pacientes com asma grave o programa resultou em redução significativa dos atendimentos de emergência (de 85%) e redução do número de internações hospitalares (de 90%). Houve também uma redução no número de dias de ausência da escola ou trabalho (de 86%) e no número de ciclos de corticóide sistêmico (de 67%). Conclusão: Um programa para o controle da asma grave em ambulatório de referência, incluindo assistência farmacêutica gratuita, permite acentuada redução no consumo de recursos do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave: Asma/terapia; Asma/prevenção  controle; Hospitalização; Sistema Único de Saude

Introdução

A asma é uma doença muito prevalente, causa grande morbidade e tem impacto econômico elevado. Estima-se um gasto anual com asma nos EUA de onze bilhões de dólares.(1) Metade desses recursos é gasta com hospitalizações.(2) Apesar de apenas 20% dos pacientes asmáticos terem a forma grave da doença, estes pacientes consomem 80% dos recursos destinados à asma.(2)

Atualmente existem medicações eficazes no tratamento da asma. O uso regular do corticóide inalatório reduz sintomas de asma, evita exacerbações,(3) internações hospitalares(4) e mortes por asma.(5) Em pacientes com asma grave, a associação de corticóide inalatório em doses moderadas com ß2-agonista de longa ação controla melhor os sintomas do que o uso de doses elevadas do corticóide inalatório.(6) Medidas não medicamentosas, tais como suporte psicológico, educação em asma e planos de auto-manejo também são importantes no tratamento da asma. Estudos demonstram que estas medidas, associadas ao tratamento medicamentoso, reduzem os sintomas e o número de internações hospitalares por asma.(7,8) Por outro lado, o tratamento da rinite, em asmáticos, tem sido associado a redução de internações e atendimentos de emergência por asma.(9-11)

Com o intuito de oferecer assistência médica integral ao paciente com asma grave, no ano de 2003 foi iniciado o Programa de Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia (ProAR). Trata-se de um programa de assistência, ensino e pesquisa que oferece ao paciente com asma grave medicação gratuita, atendimento médico, psicológico, assistência farmacêutica e educação em asma. O primeiro ambulatório do ProAR foi instalado no Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia, na Cidade de Salvador (BA), e nos dois anos subseqüentes (2004 e 2005) o programa expandiu-se com a abertura de mais três ambulatórios de referência. Até janeiro de 2006, 1.405 pacientes haviam sido matriculados no ProAR. O objetivo deste estudo foi quantificar a redução do consumo de recursos de saúde pelos pacientes admitidos no primeiro ambulatório de referência do ProAR.

Métodos

Foram incluídos pacientes com diagnóstico de asma grave, com idade superior a doze anos, admitidos no ambulatório do ProAR do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, que faz parte do Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição e todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Trata-se de um estudo observacional de coorte, ambispectivo. No primeiro dia de atendimento os pacientes foram questionados quanto ao número de internações hospitalares, atendimentos em emergência, ciclos de corticóide sistêmico e dias de ausência da escola ou trabalho por crise de asma no período de doze meses que antecedeu a admissão no programa, conforme ficha padrão pré-estabelecida para preenchimento pelo médico assistente. No primeiro ano de acompanhamento formam realizadas consultas com intervalo máximo de três meses. Durante cada consulta médica os pacientes foram questionados quanto à ocorrência destes eventos durante o acompanhamento, tendo sido preenchida uma ficha padronizada específica para o registro destas informações, que posteriormente foram digitadas em banco de dados.

O diagnóstico de asma grave foi feito de acordo com as recomendações do III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma.(12) Os pacientes tiveram acompanhamento com médico pneumologista, acesso a otorrinolaringologista e a programa de educação em asma, e assistência farmacêutica e psicológica. Para tratamento da asma foi fornecido gratuitamente uma combinação de corticóide inalatório e ß2-agonista de longa ação (budesonida e formoterol) e ß2-agonistade curta ação inalatório. Para os pacientes com rinite foi fornecido corticóide tópico nasal. A adesão ao tratamento da asma neste programa foi de 70%, resultado semelhante ao obtido em outros programas de fornecimento de medicação para asma.(13)

Foram realizadas espirometrias com espirômetro KoKo® (Programa PDS Instrumentation, Inc., Louisville, Colorado, EUA), de acordo com as normas da American Thoracic Society (1994)(18), usando-se os parâmetros de normalidade de Pereira.(19) O volume expiratório forçado no primeiro segundo, expresso em percentual do previsto, foi utilizado para quantificar o grau de obstrução das vias aéreas.

Para análise do impacto do programa na utilização de recursos de saúde, foram comparados o número de internações hospitalares, atendimentos em emergência, ciclos de corticóide sistêmico e dias de ausência da escola ou trabalho por crise de asma, no ano anterior à admissão no ProAR, com a ocorrência destes eventos no primeiro ano de acompanhamento. As variáveis foram expressas em número total de eventos e em número de eventos por paciente/ano. A análise estatística foi realizada no programa SPSS para Windows. Para as comparações foi realizado o teste Wilcoxon. Valores de p < 0,05 em teste bicaudal foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

No período de janeiro de 2003 a setembro de 2004 foram admitidos 315 pacientes. Foram excluídos da análise 17 pacientes por possuírem registro insuficiente de dados, 22 pacientes abandonaram o programa e 7 pacientes faleceram antes de um ano de acompanhamento. Completaram o estudo 269 pacientes. A Tabela 1 indica que a mediana de idade dos pacientes incluídos foi de 46 anos (36 a 55), com predomínio do sexo feminino. A maior parte dos pacientes era de desempregados, com baixa renda familiar e baixa escolaridade. O diagnóstico de rinite ocorreu em 72% dos pacientes, e a mediana do tempo de sintomas de rinite foi de 15 anos (5 a 25). O tempo de sintomas de asma também foi elevado, com mediana de 21 anos (10 a 35), e 60% dos pacientes tinham história familiar de asma. A mediana de volume expiratório forçado no primeiro segundo foi de 68% do previsto (50% a 83%).






A Tabela 2 demonstra a redução do número de ciclos de corticóide sistêmico a um terço do registrado no ano anterior, e dos dias de ausência da escola ou trabalho, atendimentos em emergência e internações hospitalares por crise de asma a cerca de um nono do relato do ano anterior, nos pacientes acompanhados no programa. Houve redução significativa dos desfechos avaliados tanto do ponto de vista estatístico quanto do ponto de vista clínico. Foram evitados mais de 7.000 atendimentos em emergência e mais de 300 internações. Vale destacar a relação entre o número de atendimentos em emergência e o uso de corticóide sistêmico. Antes do acompanhamento no ProAR a relação era de seis atendimentos em emergência para cada ciclo de corticóide, e após o acompanhamento no programa esta relação caiu para três atendimentos para cada ciclo.






Discussão

Este estudo confirma que um programa de controle da asma destinado à população de baixa renda, baseado no fornecimento gratuito de medicação, e assistência médica, psicológica e farmacêutica, tem grande impacto sobre a utilização de recursos de saúde, o que reflete uma alta efetividade do programa. Apesar de estes resultados serem os esperados diante da eficácia do tratamento da asma com corticóides inalatórios, o presente estudo merece atenção especial por quantificar o benefício de um programa em amostra representativa de pacientes com asma grave atendidos no SUS. Devido à grande redução do número de dias de ausência da escola ou trabalho, atendimentos em emergência e internações hospitalares, o custo com o financiamento do programa, inclusive o fornecimento de medicações, provavelmente é menor do que o custo da asma sem tratamento adequado para o SUS. Um estudo para avaliar a relação entre custo e utilidade do ProAR está em andamento, e fornecerá dados sobre o valor dos recursos economizados tanto pelas famílias como pelo governo.

Um achado interessante adicional do presente estudo é a relação de seis atendimentos em emergência para cada ciclo de corticóide sistêmico por crise de asma no ano anterior à admissão dos pacientes no ProAR. Se cada atendimento em emergência representar uma exacerbação da doença, seria esperado que estes pacientes tivessem feito uso do corticóide sistêmico mais vezes, e que esta relação fosse igual ou maior que 1:1. É possível que os pacientes não se recordem de terem feito uso de corticóide sistêmico, ou que os pacientes tenham hábito de freqüentar a emergência por sintomas leves e para fazer nebulizações, na falta de assistência ambulatorial adequada, o que não representaria uma exacerbação da asma com indicação de uso de corticóide. Entretanto, uma relação de três atendimentos em emergência para cada ciclo de corticóide sistêmico foi observada durante o período em que os pacientes foram acompanhados prospectivamente, com consultas freqüentes e acesso gratuito a medicações, inclusive ß2-agonista de curta ação inalatório, tornando improvável que a subnotificação ou a falta de acesso ao broncodilatador de alívio justifique inteiramente este achado. Diante disto, é possível supor que os pacientes com exacerbações de asma atendidos em situações de emergência estejam tendo alta sem recomendação do uso do corticóide sistêmico. Estudos indicam que em países desenvolvidos existe subutilização do corticóide sistêmico no tratamento da crise de asma na emergência.(14,15) Esta medicação é útil após a alta da emergência porque previne a recidiva precoce da crise de asma(16) e melhora a função pulmonar.(17) A sua subutilização pode trazer prejuízos aos pacientes. Dever-se-ia investigar como tem sido realizado o atendimento das crises de asma em emergência no nosso meio, e intervir com programas de treinamento para os profissionais envolvidos na atenção primária à saúde da nossa população, tal como propõe o Ministério da Saúde, disponibilizando as recomendações intituladas "Asma e Rinite. Linhas de Conduta em Atenção Básica", publicadas em 2005, como resultado de um trabalho conjunto de técnicos do Ministério da Saúde e de representantes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e das sociedades brasileiras de Alergia e de Pediatria.

Uma das fragilidades metodológicas do presente estudo é a forma retrospectiva da coleta de informações relativas a eventos ocorridos com os pacientes antes da admissão no ProAR, sujeita a viés de memória. Como o programa envolve o fornecimento de medicações gratuitas para pacientes com asma grave, questões éticas impediram a realização de um ensaio clínico randomizado com o acompanhamento prospectivo de um grupo controle de pacientes com asma grave sem a assistência do programa. É possível que os pacientes tenham subnotificado o número de eventos que ocorreram antes da admissão no estudo, principalmente eventos menos marcantes como o uso de corticóide sistêmico. O registro mais preciso dos eventos ocorridos antes da admissão provavelmente iria demonstrar um impacto ainda maior do programa, reforçando as conclusões, a menos que tenha ocorrido exagero deliberado nas informações prestadas por alguns indivíduos com o objetivo de obter admissão em um protocolo que exigia a caracterização de asma grave. A validação das informações retrospectivas e prospectivas sobre internações, confrontando as informações dos pacientes com os bancos de dados do SUS, é importante e deverá ser alvo de estudo posterior. Os pacientes incluídos neste estudo representam cerca de 20% dos pacientes que atualmente participam do ProAR. Apesar de não ser possível afirmar que o perfil de pacientes que freqüentam outros ambulatórios do programa seja o mesmo, é pouco provável que haja grande diferença em termos de gravidade de doença e impacto do tratamento, já que é condição necessária que todos os pacientes do ProAR tenham asma grave, e o tratamento fornecido em todos os centros é o mesmo. Temos buscado também quantificar, através de questionários, o efeito do programa no controle dos sintomas de asma e na qualidade de vida dos pacientes, o que, combinado a informações sobre custos, nos permitirá uma análise de custo-efetividade e custo-utilidade do ProAR.

Os nossos resultados permitem concluir que um ambulatório multidisciplinar especializado para o atendimento da asma grave, com assistência farmacêutica gratuita, possibilita uma redução muito significativa da utilização de recursos de saúde pelos pacientes com asma grave no SUS, como conseqüência do controle das exacerbações da enfermidade. Diante desses resultados, um esforço ainda maior deve ser feito para ampliar o acesso de pacientes ao ProAR, na Bahia. Novos centros de referência do programa estão sendo criados em municípios do interior do estado para o cuidado do asmático grave, ao mesmo tempo em que realizamos treinamento para preparar os profissionais da atenção básica do SUS para o controle da asma leve a moderada.

Agradecimentos

Agradecemos, pelo auxílio prestado, ao Professor Jorge Luiz Pereira e Silva, ao Ex-Prefeito de Salvador, Antônio Imbassahy, ao Secretário de Saúde de Salvador, Professor Luís Eugênio Portela de Souza, ao Professor Antônio dos Santos Barata, Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa Humana da Maternidade Climério de Oliveira da Universidade Federal da Bahia, às farmacêuticas Juliana Avena e Rosa Martinez, da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, e à equipe de profissionais do primeiro ambulatório de referência do ProAR: Ana Paula Barreto, Liliane Oliveira, Vanessa Vazquez, Aurélio Laborda, Marta Leite, Mylene Leite, Pablo Moura, Giovanna Santana, Koonj Saah, Dayse Naiane, Laina Gabrieli, Valesca Sarkis, e administradora Ana Tereza Campos.

Referências

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* Trabalho realizado no Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA) Brasil.
1. Coordenador do Primeiro Ambulatório de Referência do Programa para o Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia - ProAR - Salvador (BA) Brasil.
2. Coordenadora Executiva do Programa para o Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia - ProAR - Salvador (BA) Brasil.
3. Professor Adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - EBMSP - Salvador (BA) Brasil.
4. Professora Assistente da Universidade Católica de Salvador - UCSAL - Salvador (BA) Brasil.
5. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA) Brasil.
Endereço para correspondência: Eduardo Ponte. ProAR - Ambulatório Magalhães Neto. Rua Pe. Feijó, 240, 1º andar, CEP 40110-170, Salvador, BA, Brasil.
Tel 55 71 3203-2548. E-mail: proar@ufba.br
Recebido para publicação em 15/3/06. Aprovado, após revisão, em 16/5/06.


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