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Artigo Original

Infarto do miocárdio experimental e aumento do estresse oxidativo em diafragma de ratos

Experimental myocardial infarction and increased oxidative stress in the rat diaphragm

Fabiano Leichsering Silva, Nicolle Gollo Mazzotti, Marcus Picoral, Daniella Meirelles Nascimento, Maria Isabel Morgan Martins, Adriane Belló Klein

ABSTRACT

Objective: To use an experimental model to evaluate the effect of heart failure on oxidative stress in the rat diaphragm. Methods: The model of myocardial infarction was developed through left coronary artery ligation. On day 42 after coronary artery ligation, the animals were killed, after which the diaphragms were collected and homogenized. Oxidative stress was evaluated in diaphragm homogenates through measurement of lipid peroxidation and assays of the activity of antioxidant enzymes, including catalase and glutathione peroxidase (enzymes that reduce hydrogen peroxide to water), as well as superoxide dismutase (an antioxidant enzyme that reduces superoxide anions to hydrogen peroxide). Results: The coronary artery ligation model was found to be effective in causing heart failure. In the animals submitted to coronary artery ligation, the mean infarcted area of the left ventricle was 39%. Lipid peroxidation was 217% greater in the diaphragms of ligated animals than in those of controls. The activity of catalase and glutathione peroxidase was 77% and 20% lower, respectively, in study rats than in control rats. Infarction did not modify superoxide dismutase activity. Conclusion: The results suggest that left coronary artery ligation results in oxidative stress in the diaphragm.

Keywords: Myocardial infarction; Oxidative stress; Congestive heart failure; Antioxidants; Diaphragm; Rats

RESUMO

Objetivo: Este é um estudo experimental que visa a avaliar o efeito da insuficiência cardíaca no estresse oxidativo em diafragma de ratos. Métodos: O modelo de infarto do miocárdio por ligadura da artéria coronária esquerda foi utilizado para desenvolvimento de insuficiência cardíaca. No 42º dia após a ligadura coronária, os animais foram mortos e tiveram o diafragma retirado e homogeneizado. O estresse oxidativo foi avaliado em homogeneizados de diafragma através de medidas de lipoperoxidação e de ensaios de atividade enzimática antioxidante: catalase, glutationa peroxidase (enzimas que reduzem o peróxido de hidrogênio à água) e superóxido dismutase (enzima antioxidante que reduz o superóxido a peróxido de hidrogênio). Resultados: Os resultados encontrados foram os seguintes: o modelo de ligadura de artéria coronária esquerda foi efetivo em gerar insuficiência cardíaca, com área média de infarto de 39% da área do ventrículo esquerdo; a lipoperoxidação estava 217% aumentada no diafragma dos animais infartados em relação aos controles; a atividade antioxidante da catalase estava reduzida em 77% e a da glutationa peroxidase em 20%, em comparação com o grupo controle; o infarto não alterou a atividade enzimática da superóxido dismutase. Conclusão: Os resultados sugerem a presença de estresse oxidativo no músculo diafragmático em animais submetidos à ligadura da artéria coronária esquerda.

Palavras-chave: Infarto do miocárdio; Estresse oxidativo; Insuficiência cardíaca congestiva; Antioxidantes; Diafragma; Ratos

INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares representam as principais causas de morbidade e de mortalidade do mundo.(1-2) A insuficiência cardíaca é responsável por pelo menos 20% das internações entre pacientes com mais de 65 anos, sendo que esse índice tem mostrado um perfil crescente.(3)

Os principais sintomas da insuficiência cardíaca são dispnéia, fadiga e diminuição de força muscular. Esses sintomas podem limitar a tolerância ao exercício, levando à congestão pulmonar e ao edema periférico. Os mecanismos relacionados à intolerância ao exercício em pacientes com insuficiência cardíaca não estão totalmente definidos.(4-6) No entanto, uma das hipóteses para a diminuição de força muscular é o aumento do dano oxidativo, promovido por hipoxemia relacionada à redução de aporte sangüíneo,(7) uma vez que a estrutura e a função das membranas celulares são afetadas, resultando em disfunção celular.(8-10)

Com base nesses dados, é possível supor que a insuficiência cardíaca seja capaz de produzir a redução do aporte sangüíneo ao diafragma, aumentando, assim, o estresse oxidativo nesse músculo.
No presente estudo, induzimos insuficiência cardíaca em ratos por meio de infarto do miocárdio experimental e examinamos o perfil oxidativo diafragmático e alterações na atividade de enzimas antioxidantes.

MÉTODOS

Foram utilizados ratos Wistar (n = 7, por grupo), fornecidos pelo Biotério do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de acordo com o Comitê Internacional de Cuidado ao Uso de Animais.(11-12) Os ratos tiveram acesso livre à ração e à água, e foram mantidos em ciclos claro-escuro de 12 h e temperatura entre 20 e 25°C. Os animais foram divididos em dois grupos experimentais: grupo infarto, com animais submetidos à cirurgia de ligadura da coronária esquerda, e grupo controle, com animais que sofreram cirurgia fictícia. O método utilizado para produzir infarto do miocárdio foi baseado no de Pfeffer, com pequenas modificações.(13) Os animais foram anestesiados com quetamina (50 mg/kg) e xilazina (10 mg/kg), via intraperitoneal.

Após 42 dias da ligadura da coronária esquerda, os animais foram pesados e sacrificados por deslocamento cervical. Diafragma, coração, pulmões e fígado foram imediatamente removidos. O diafragma foi homogeneizado (UltraTurrax, Staufen, Alemanha) (5 mL/g de tecido) a 4°C com KCl 1,15% (p/v), 15µL de Triton X-100 10% e fluoreto de fenilmetil sulfonil (100 mmol/L), na proporção de 10 µL de KCl para inibir a atividade de proteases na amostra. A mistura foi centrifugada por 20 min (0 - 4°C) a 3.000 rpm (Sorval RC 5B-rotor SM24, Du Pont Instruments, USA), e o sobrenadante foi coletado e congelado a - 80°C para medidas de estresse oxidativo.(14)

O coração foi pesado e os ventrículos foram dissecados. A presença de infarto foi facilmente confirmada macroscopicamente pela visualização da cicatriz na região ântero-lateral do ventrículo esquerdo. A área de infarto foi calculada e apresentada como percentagem da superfície endocárdica do ventrículo esquerdo coberta por cicatriz.(15) Apenas corações com área de infarto superior a 25% da área ventricular esquerda foram incluídos no estudo. O índice de hipertrofia cardíaca foi obtido pela razão entre a massa do coração e a massa corporal total do animal (mg/g de peso corporal). Foi também calculada essa razão em relação à massa do ventrículo direito (hipertrofia de ventrículo direito) e à massa do ventrículo esquerdo (hipertrofia de ventrículo esquerdo).

Com relação à congestão pulmonar e hepática, para obtenção das relações peso úmido/peso seco dos pulmões e do fígado, os órgãos foram removidos e liberados de tecidos aderentes. Em cada caso, os tecidos foram pesados e colocados em estufa a 70ºC até peso constante.
A lipoperoxidação foi estimada pelo método das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico. Para isso, foram adicionados ao homogeneizado de diafragma ácido tricloroacético (10%) e ácido tiobarbitúrico (0,67%) - incubação a 100oC por 15 minutos - e foi realizada a leitura da absorbância a 535 nm em espectrofotômetro. Os resultados foram expressos em nmoles por mg de proteína.(16)

A atividade da superóxido dismutase, enzima antioxidante que reduz o radical superóxido a peróxido de hidrogênio, foi determinada em homogeneizados de músculo diafragma pela taxa de inibição da reação do radical superóxido com o pirogalol. A atividade da enzima foi expressa em U/mg de proteína.(17) A atividade da glutationa peroxidase foi determinada em espectrofotômetro, medindo-se a oxidação do NADPH a 340 nm em um meio de reação contendo solução reguladora de fosfatos.
A atividade da enzima foi expressa em nmoles/min/mg de proteína.(18) A atividade da catalase foi medida pela diminuição da absorção do peróxido de hidrogênio a 240 nm, sendo expressa em pmoles/mg de proteína.(19)

A concentração total de proteína das amostras foi quantificada pelo método de Lowry et al., utilizando-se albumina bovina como padrão.(20)
Os valores foram expressos como média ± erro padrão da média. Foi utilizado o teste t de Student para comparação entre os grupos, sendo consideradas significativas as diferenças para um p < 0,05.

RESULTADOS

A taxa de mortalidade do grupo infarto durante ou imediatamente após o procedimento cirúrgico foi de 33%. Outros 2% morreram na segunda semana após a cirurgia. A área média de infarto, promovida pela ligadura coronária esquerda, foi de 39% da área ventricular total (intervalo de confiança 29% - 44%).

Houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos em relação aos índices de hipertrofia cardíaca, e hipertrofias ventriculares esquerda e direita. A Tabela 1 mostra esses índices, assim como as relações peso úmido/peso seco para pulmões e fígado, que também estavam aumentadas no grupo infarto em relação ao controle.





Os resultados relacionados às análises de estresse oxidativo são mostrados na Tabela 2. Esses resultados indicam que a peroxidação lipídica, avaliada pelo método das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico, estava significativamente aumentada no grupo infarto em comparação com o grupo controle (217%). As atividades da glutationa peroxidase e da catalase estavam 20% e 77% reduzidas no grupo infarto em relação ao grupo controle, respectivamente. O infarto não modificou a atividade da superóxido dismutase.





DISCUSSÃO

Após um evento isquêmico, como o infarto agudo do miocárdio, o tecido cardíaco passa a sofrer modificações que resultam num complexo de alterações envolvendo não somente o tecido infartado, mas todo o coração. Para se adaptar à nova condição, a região isquêmica modifica-se morfologicamente e, após a reação inflamatória local, as fibras lesadas começam a ser substituídas por tecido fibroso, formando a cicatriz.(1)

Um estudo com técnica semelhante de indução de infarto verificou diminuição da pressão sistólica do ventrículo esquerdo e do débito cardíaco, dados que corroboram nossos achados.(21) Assim, o desenvolvimento de hipertrofia cardíaca, bem como de congestão pulmonar e hepática podem ser resultantes de uma alteração da mecânica cardíaca e diminuição do débito.

A congestão pulmonar aumenta o esforço da musculatura ventilatória. Além disso, neste estudo, pelo menor débito cardíaco houve provavelmente menor aporte sangüíneo para o diafragma. Dessa forma, produzimos uma sobrecarga na musculatura ventilatória, pois a função diafragmática é criticamente dependente de uma circulação sangüínea adequada a fim de que haja oxigênio para sua função metabólica e atividade contrátil.

Um estudo com fibras diafragmáticas de ratos mostrou um aumento da produção de espécies ativas de oxigênio quando submetidas à situação hipoxêmica.(10) Em um estudo semelhante, que analisou fibras do músculo diafragma de 81 ratos Wistar, foi demonstrada redução da força de contração da musculatura estriada e também aumento da produção de espécies ativas de oxigênio sob condições de hipoxemia.(22)

Em nosso estudo, observou-se um aumento significativo dos níveis de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico nos homogeneizados de diafragma dos animais com ligadura de coronária, quando comparados com o grupo controle, o que sugere um aumento do dano oxidativo nesse tecido. Também se observou uma redução de atividade das enzimas catalase e glutationa peroxidase nos homogeneizados de diafragma desses animais, quando comparados com os controles. Estes dados, aumento da lipoperoxidação e diminuição da atividade de enzimas antioxidantes, representam uma situação de estresse oxidativo.

As enzimas antioxidantes têm papel fundamental na proteção do organismo, pois constituem a primeira linha de defesa contra as espécies ativas de oxigênio.(23) Estudos têm demonstrado que há atividade enzimática diminuída em tecidos submetidos a situações isquêmicas(24-25) e que o aumento na concentração de algumas dessas espécies ativas de oxigênio, como o radical superóxido e o peróxido de hidrogênio, pode inibir a atividade enzimática.(26)

Assim, sugerimos que o desequilíbrio encontrado na atividade enzimática do músculo diafragma, neste estudo, é conseqüente às condições sistêmicas geradas pelo infarto do miocárdio.

O aumento nos níveis de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico denota um maior dano oxidativo lipídico. Esse dano promove perda da capacidade de manutenção do equilíbrio homeostático celular e faz com que funções vitais das células sejam prejudicadas. Dentre elas, a diminuição da função das mitocôndrias. À medida que a membrana mitocondrial é lesada, há perda da capacidade de transporte de oxigênio.(27) Este mecanismo leva, em situações de alta demanda, a uma adaptação metabólica de menor produção de energia, refletindo na piora da contratilidade muscular.(28)

Alguns autores descreveram modificações fisiológicas em diafragmas sob condições isquêmicas. Nessas condições, a adaptação deve-se ao aumento de fibras do tipo IIb, tipicamente de contração rápida, porém com menor capacidade oxidativa.(27, 29)

O infarto do miocárdio aumentou o dano oxidativo, bem como diminuiu a atividade das enzimas antioxidantes no músculo diafragma. Estratégias que consigam modular o estresse oxidativo, através de adaptações do sistema antioxidante, como a prática de exercício físico com intensidade, freqüência e duração adequadas, podem representar melhora do desempenho dessa musculatura quando submetida a danos isquêmicos.

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*Trabalho realizado no Laboratório de Fisiologia Cardiovascular, Departamento de Fisiologia, Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil
1. Mestrando da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
2. Bolsista de Iniciação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
3. Mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
4. Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Adriane Belló-Klein. Rua Sarmento Leite, 500 - CEP: 90050-170, Porto Alegre - RS, Brasil.
Tel: 55 51 3316-3621. E-mail: belklein@ufrgs.br
Recebido para publicação em 10/11/03. Aprovado, após revisão, em 15/6/05.

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