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Relato de Caso

Laceração traqueal pós-intubação: análise de três casos e revisão de literatura

Post-intubation tracheal injury: report of three cases and literature review

Carlos Remolina Medina, José de Jesus Camargo, José Carlos Felicetti, Tiago Noguchi Machuca, Bruno de Moraes Gomes, Iury Andrade Melo

ABSTRACT

Post-intubation tracheal injury is a rare and potentially fatal complication. Among the most common causes, cuff overinflation and repetitive attempts of orotracheal intubation in emergency situations are paramount. Diagnosis is based on clinical and radiological suspicion, confirmed by fiberoptic bronchoscopy. Both conservative and surgical management apply, and the decision-making process depends on the patient profile (comorbidities, respiratory stability), characteristics of the lesion (size and location) and the time elapsed between the occurrence of the injury and the diagnosis. We report the cases of three patients presenting tracheal laceration due to traumatic orotracheal intubation, two submitted to surgical treatment and one submitted to conservative treatment.

Keywords: Tracheal diseases; Rupture; Intubation.

RESUMO

A laceração traqueal pós-intubação é uma complicação rara e potencialmente fatal. Entre as principais causas, se destacam a hiperinsuflação do balonete e tentativas repetidas de intubação em situações de emergência. O diagnóstico depende da suspeita clínico-radiológica e da confirmação por fibrobroncoscopia. O manejo pode ser conservador ou cirúrgico, e essa opção depende de fatores do paciente (comorbidades, estabilidade ventilatória), das características da lesão (tamanho e topografia) e do tempo decorrido até o diagnóstico. O presente estudo relata três casos de laceração traqueal decorrente de trauma de intubação com dois pacientes submetidos a tratamento operatório e um deles ao tratamento conservador.

Palavras-chave: Doenças da traqueia; Ruptura; Intubação.

Introdução

A laceração traqueal por intubação é uma complicação rara e potencialmente fatal. Pode ser produzida por um tubo simples ou de duplo lúmen, geralmente em intubação de emergência. Apresenta-se usualmente como uma lesão linear na parede membranosa da traqueia e tem maior prevalência em mulheres.(1) O diagnóstico é confirmado pela fibrobroncoscopia, e o tratamento pode ser conservador ou operatório.

Relato de caso


Caso 1

Paciente feminina, 78 anos, sem comorbidades, com quadro de síncope, rebaixamento do nível de consciência e disfunção respiratória, com hipótese clínica de acidente vascular cerebral. Foi intubada de emergência no atendimento em domicílio e removida ao pronto-socorro. Extubada por melhora do quadro, não apresentou boa tolerância e foi necessária a reintubação. Ao exame físico, apresentava enfisema subcutâneo crepitante na porção anterior da parede torácica, na região cervical e na face e apresentava murmúrio vesicular com roncos bilaterais à ausculta. A radiografia de tórax mostrou enfisema subcutâneo.

Realizou fibrobroncoscopia com achado de laceração da parede membranosa do terço distal da traqueia, próximo da carina, e com exposição do esôfago. Foi introduzido antibiótico para germes da árvore traqueobrônquica.

Foi submetida à toracotomia póstero-lateral direita, e foi visualizada uma laceração de 80 mm de comprimento da traqueia distal, na união da porção membranosa com os anéis traqueais, e com extensão para o brônquio principal direito (Figura 1). Realizou-se o fechamento primário com sutura contínua com fio de polidioxanone 4-0 com interposição de retalho de pleura parietal. Foi extubada após 24 h. A fibrobroncoscopia no quarto dia pós-operatório mostrava traqueia pérvia e linha de sutura em bom estado. Apesar da correção da laceração traqueal, a paciente evoluiu com sepse pulmonar, choque e falência de múltiplos órgãos e sistemas, com óbito no oitavo dia pós-operatório.





Caso 2

Paciente feminina, 82 anos, com quadro de acidente vascular cerebral se manifestando com dificuldade da marcha, tontura e desvio da comissura labial. Já tinha antecedente de evento cerebral isquêmico há 18 meses, diabetes tipo 2, hipertensão arterial e dislipidemia. A ressonância magnética evidenciou isquemia do bulbo cerebral.

Após nove dias, a paciente apresentou piora neurológica associada à insuficiência respiratória aguda, com necessidade de intubação de emergência. Após 5 h, apresentou enfisema subcutâneo cervicofacial importante. A radiografia de tórax apresentou enfisema subcutâneo cervical sem pneumotórax. A TC cervical e torácica mostrou lesão no segmento distal da traqueia com aproximadamente 4,4 cm, além de extenso enfisema subcutâneo e pneumomediastino (Figura 2). Na fibrobroncoscopia, confirmou-se a laceração da parede posterior da traqueia de 4 cm de comprimento a 0,5 cm da carina. Como medida temporária, um tubo orotraqueal foi posicionado distalmente à lesão, seletivamente no brônquio principal direito, além de cobertura antibiótica para patógenos da via aérea inferior.





Depois de 7 h da intubação emergencial, a paciente foi operada, com acesso por toracotomia posterior direita videoassistida. Foi realizada sutura primária da lesão com polidioxanone 4-0 com pontos contínuos. A fibrobroncoscopia de controle pós-operatório mostrou bom aspecto da sutura. Evoluiu com dificuldade para extubação pelo quadro neurológico, sendo submetida então a traqueostomia no oitavo dia pós-operatório. No controle broncoscópico após 2 meses, não houve evidência de estenose, e a área suturada apresentava excelente aspecto.

Caso 3

Paciente feminina, 61 anos, com antecedente de hipertensão arterial e insuficiência renal crônica, foi admitida com história de rebaixamento de nível de consciência e insuficiência respiratória secundária a acidente vascular cerebral. Foi sedada e submetida à intubação na sala de emergência, com relato de múltiplas tentativas e bastante dificuldade de acesso à via aérea. Foi encaminhada para a unidade de terapia intensiva, onde foi mantida sedada e em ventilação mecânica com baixas pressões, mas evoluiu com hemoptise e enfisema subcutâneo e mediastinal na radiografia de tórax. Foi realizada fibrobroncoscopia, com evidência de laceração da parede membranosa no terço proximal de traqueia cervical, de aproximadamente 3 cm de extensão e distando 4 cm das cordas vocais. Não havia sangramento ativo aparente, apenas coágulos, que foram aspirados. Optou-se por tratamento conservador devido ao quadro neurológico agudo da paciente, sendo posicionado por endoscopia o tubo orotraqueal com o balonete distal à lesão, e foi introduzido antibiótico com cobertura para germes da árvore traqueobrônquica. Evoluiu com melhora progressiva do enfisema subcutâneo. Foi realizada nova broncoscopia no oitavo dia pós-intubação, que mostrou cicatrização completa da lesão com tratamento expectante, ocasião em que foi realizada traqueostomia cervical devido ao comprometimento neurológico da doença de base.

Discussão

A lesão traqueal iatrogênica por intubação é uma entidade rara. Tem incidência aproximada de 0,005% para intubação orotraqueal com tubo simples e de 0,05% a 0,19% para aquela com tubo de duplo lúmen.

Topograficamente, predomina no terço distal da traqueia e nos brônquios principais, na união da porção membranosa com a cartilaginosa. Quando decorrente de hiperinsuflação do balonete, predomina na traqueia proximal.(2,3) É mais frequente em mulheres, em pacientes com debilidade da parede traqueal por doença inflamatória ou em terapia com corticosteroides ou ainda com malformações congênitas da traqueia.(3)

Entre os mecanismos de lesão, destacam-se a utilização de um tubo com tamanho inadequado, a hiperinsuflação do balonete ou a mobilização repentina do tubo. A lesão direta causada pelo tubo ocorre geralmente após múltiplas tentativas vigorosas de intubação em situações de ­emergência.(4) Outros mecanismos podem ser um uso inapropriado do guia ou o reposicionamento do tubo sem esvaziar o balonete completamente.(5) Em casos de intubação com tubo de duplo lúmen, pode ocorrer não somente laceração, mas até mesmo ruptura brônquica.(6)

As manifestações clínicas mais frequentes são enfisema subcutâneo no tórax e pescoço, pneumomediastino, pneumotórax e insuficiência respiratória. Os achados radiológicos geralmente são sinais indiretos da lesão, como enfisema subcutâneo e mediastinal, extensão da ponta do tubo endotraqueal à direita e hiperinsuflação do balonete.(2) O diagnóstico é confirmado pela fibrobroncoscopia.

Com relação ao tratamento, existem duas opções: o tratamento cirúrgico e o tratamento conservador. A recomendação é que pacientes com lesão maior de 4 cm e retardo diagnóstico devam ser submetidos à cirurgia; enquanto pacientes com lesão menor de 4 cm e diagnóstico precoce devam ser inicialmente tratados conservadoramente. Ao sinal de qualquer instabilidade ventilatória ou na presença de sinais de mediastinite, deve-se empregar a correção cirúrgica.(4,7) Em outra série de casos, sugeriu-se o ­tratamento cirúrgico sempre que exista um aumento progressivo do enfisema subcutâneo, a perfuração para a cavidade pleural ou dificuldades com a ventilação mecânica.(8) Ressalta-se que, independentemente do tratamento proposto, o paciente deve receber antibióticos compatíveis com a flora traqueobrônquica.(8)

O tratamento conservador consiste em posicionamento do tubo traqueal com o balonete distal à lesão naqueles pacientes em ventilação mecânica. Em pacientes não dependentes de ventilação mecânica, está indicada a ­observação clínica, com intervenção cirúrgica ao sinal de instabilidade ventilatória ou de mediastinite.(7-9) Em caso de indicação cirúrgica, o acesso deve ser por cervicotomia em colar ou oblíqua, dependendo do lado da lesão e da preferência do cirurgião e, em caso de lesão da traqueia mediastinal, por toracotomia direita no quarto espaço intercostal.(3,8) Após o acesso, a laceração traqueal é então abordada através de sutura primária com pontos simples de fio absorvível.(3,8)

Todos os estudos coletados restringem-se a séries com poucos pacientes, com idades variáveis e importante predileção pelo sexo feminino. O período entre a lesão e o diagnóstico variou de 0 a 124 h. A mortalidade relatada é baixa, sendo um pouco maior nos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico. Os óbitos não estiveram relacionados à lesão traqueal ou à cirurgia em si, mas a complicações clínicas em pacientes em mau estado geral e com múltiplas comorbidades (Tabela 1).





Os dados anteriormente citados são corroborados por nossa série, na qual todos os pacientes eram do sexo feminino, precisaram de intubação de emergência por insuficiência respiratória e com intubação difícil. O diagnóstico foi precoce, entre 1 e 5 h após a lesão, com a identificação de sinais clínico-radiológicos de enfisema subcutâneo seguido de confirmação por fibrobroncoscopia. O tratamento foi imediato, com duas pacientes submetidas ao tratamento cirúrgico e uma ao conservador. Os dois primeiros casos aqui relatados foram tratados cirurgicamente por apresentarem lesão extensa localizada na traqueia distal, com dificuldade de isolamento ventilatório da lesão. Observamos um óbito em uma paciente com acidente vascular cerebral por sepse respiratória, apesar de evidência de cicatrização traqueal adequada. No segundo caso, por incapacidade neurológica, a paciente necessitou de traqueostomia e teve internação prolongada. No terceiro caso, a paciente foi tratada conservadoramente por apresentar uma lesão menor, mais proximal e de fácil isolamento respiratório.

Referências

1. Grillo HC. Tracheal and Bronchial Trauma. In: Grillo HC, editor. Surgery of the Trachea and Bronchi. Lewiston: BC Decker; 2004. p. 274-5.

2. Borasio P, Ardissone F, Chiampo G. Post-intubation tracheal rupture. A report on ten cases. Eur J Cardiothorac Surg. 1997;12(1):98-100.

3. Massard G, Rougé C, Dabbagh A, Kessler R, Hentz JG, Roeslin N, et al. Tracheobronchial lacerations after intubation and tracheostomy. Ann Thorac Surg. 1996;61(5):1483-7.

4. Jougon J, Ballester M, Choukroun E, Dubrez J, Reboul G, Velly JF. Conservative treatment for postintubation tracheobronchial rupture. Ann Thorac Surg. 2000;69(1):216-20.

5. Marty-Ané CH, Picard E, Jonquet O, Mary H. Membranous tracheal rupture after endotracheal intubation. Ann Thorac Surg. 1995;60(5):1367-71.

6. Bessa Junior RC, Jorge JC, Eisenberg AF, Duarte WL, Silva MS. Ruptura brônquica após intubação com tubo de duplo lúmen: Relato de caso. Rev Bras Anestesiol. 2005;55(6):660-4.

7. Denlinger CE, Veeramachaneni N, Krupnick AS, Patterson GA, Kreisel D. Nonoperative management of large tracheal injuries. J Thorac Cardiovasc Surg. 2008;136(3):782-3, 783.e1.

8. Schneider T, Storz K, Dienemann H, Hoffmann H. Management of iatrogenic tracheobronchial injuries: a retrospective analysis of 29 cases. Ann Thorac Surg. 2007;83(6):1960-4.

9. Conti M, Pougeoise M, Wurtz A, Porte H, Fourrier F, Ramon P, et al. Management of postintubation tracheobronchial ruptures. Chest. 2006;130(2):412-8.

10. Kaloud H, Smolle-Juettner FM, Prause G, List WF. Iatrogenic ruptures of the tracheobronchial tree. Chest. 1997 Sep;112(3):774-8.

11. Lampl L. Tracheobronchial injuries. Conservative treatment. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2004;3(2):401-5.


Sobre os autores


Carlos Remolina Medina
Residente em Cirurgia Torácica. Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

José de Jesus Camargo
Cirurgião Torácico. Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

José Carlos Felicetti
Cirurgião Torácico. Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Tiago Noguchi Machuca
Residente em Cirurgia Torácica. Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Bruno de Moraes Gomes
Residente em Cirurgia Torácica. Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Iury Andrade Melo
Residente em Cirurgia Torácica. Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.




Trabalho realizado no Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Carlos Remolina Medina. Av. Independência, 75, CEP 90035-070, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3214-8300. Email: remolinamd@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 9/9/2008. Aprovado, após revisão, em 30/1/2009.


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