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Artigo Original

Baixo grau de percepção da dispneia após teste de broncoprovocação induzida por metacolina em pacientes com asma

Poor perception of dyspnea following methacholine challenge test in patients with asthma

Cláudia Loss Reck, Daniel Fiterman-Molinari, Sérgio Saldanha Menna Barreto, Jussara Fiterman

ABSTRACT

Objective: To determine the proportion of asthma patients with a poor perception of dyspnea, correlating the level of that perception with the severity of acute bronchoconstriction, bronchial hyperresponsiveness, use of maintenance medication, and asthma control. Methods: Uncontrolled clinical trial involving asthma patients treated at the Pulmonology Outpatient Clinic of the São Lucas Hospital, in Porto Alegre, Brazil. Methacholine challenge testing was performed using a five-breath dosimeter protocol. The perception of dyspnea after each breath was determined using the Borg scale. Data concerning asthma control, medication in use, and use of rescue short-acting bronchodilators were recorded. Results: Of the 65 patients included in the study, 53 completed the evaluation. Of those, 32 (60.5%) showed adequate perception of dyspnea after the methacholine challenge test, whereas 21 (39.5%) did not perceive any changes in the degree of dyspnea even after a 20% fall in FEV1. There were no significant differences between the two groups regarding baseline FEV1, percentage fall in FEV1, and the dose of methacholine causing a 20% fall in FEV1. The perception of dyspnea was not significantly associated with age (p = 0.247); gender (p = 0.329); use of maintenance medication (p = 0.152); asthma control (p = 0.562), bronchial hyperresponsiveness (p = 0.082); or severity of acute bronchoconstriction (p = 0.749). Conclusions: A significant proportion of asthma patients have a poor perception of dyspnea. The factors related to the inability of these patients to identify changes in pulmonary function have not yet been well defined. In order to reduce asthma-related morbidity and mortality, it is essential that this group of patients be identified and counseled.

Keywords: Asthma; Dyspnea; Airway obstruction.

RESUMO

Objetivo: Determinar o percentual de asmáticos com má percepção da dispneia, correlacionando-a com gravidade da broncoconstrição aguda, hiper-responsividade brônquica, uso de medicação de manutenção e controle da asma. Métodos: Ensaio clínico não controlado com pacientes asmáticos do Ambulatório de Pneumologia do Hospital São Lucas em Porto Alegre (RS). Foram realizados testes de broncoprovocação com metacolina com protocolo dosimetrado em cinco doses, e foi avaliada a percepção da dispneia após cada dose administrada, utilizando a escala de Borg. Dados sobre controle da asma, medicação em uso e uso de broncodilatador de curta ação de resgate foram coletados. Resultados: Dos 65 pacientes incluídos, 53 completaram a avaliação. Desses, 32 (60,5%) apresentaram percepção adequada da dispneia após o teste de broncoprovocação com metacolina, ao passo que 21 (39,5%) não perceberam nenhuma alteração no grau de dispneia mesmo após uma queda de 20% em VEF1. Não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação a VEF1 basal, percentagem de queda do VEF1 e dose de metacolina causadora de queda de 20% do VEF1. Não houve correlação significativa entre percepção da dispneia e idade (p = 0,247), sexo (p = 0,329), uso de medicação de manutenção (p = 0,152), controle da asma (p = 0,562), hiper-responsividade brônquica (p = 0,082) e gravidade da broncoconstrição aguda (p = 0,749). Conclusões: Uma percentagem significativa dos asmáticos apresenta baixo grau de percepção da dispneia. Os fatores relacionados com a incapacidade de identificação da modificação da função pulmonar não estão bem definidos. A identificação e a orientação desse grupo de pacientes são fundamentais para a redução de morbidade e mortalidade por asma.

Palavras-chave: Asma; Dispneia; Obstrução das vias respiratórias.

Introdução

Muitos asmáticos apresentam má percepção da obstrução da via aérea. Estudos demonstram que a proporção desses pacientes varia de 15% até 60%.(1-3) Em uma investigação realizada na Bahia, demonstrou-se que 51% dos pacientes com asma moderada e grave apresentavam baixo grau de percepção da dispneia.(4)

O reconhecimento inadequado do nível de obstrução da via aérea é um fator de risco para a mortalidade por asma. Em um estudo prévio, demonstrou-se que, além do risco de morte, a baixa percepção do grau de broncoconstrição representa um risco elevado de visitas a emergências, hospitalizações e crises quase fatais.(5)

Os mecanismos fisiopatológicos e os fatores que influenciam na percepção da obstrução brônquica não estão completamente definidos e têm sido correlacionados com inflamação da via aérea, sexo, idade e uso de medicação de manutenção, principalmente corticoides inalatórios. Entretanto, os resultados são conflitantes, impedindo, até o momento, uma conclusão definitiva.

A adesão ao tratamento e o controle da asma podem ser influenciados pela falta de reconhecimento da broncoconstrição.(6,7) Devido a esses fatos, a percepção inadequada da dispneia tem implicações significativas na morbidade e mortalidade por asma. A identificação desses pacientes é importante para que o risco de morte e de outras complicações por asma seja reduzido.

O objetivo deste estudo foi avaliar o grau de percepção da dispneia em pacientes asmáticos e sua correlação com gravidade da broncoconstrição aguda, hiper-responsividade brônquica, uso de medicação de manutenção e controle da asma.

Métodos

Foi realizado um ensaio clínico não controlado com pacientes asmáticos atendidos no Ambulatório de Pneumologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), localizada na cidade de Porto Alegre (RS), no período entre janeiro e dezembro de 2007. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Lucas da PUCRS.

Os pacientes foram classificados quanto à gravidade e ao controle da asma conforme o IV Consenso Brasileiro para Manejo da Asma.(8) Foram coletadas informações, como sexo, idade e índice de massa corpórea, e todos os pacientes foram questionados quanto ao uso de medicação de manutenção para o tratamento da asma e necessidade de uso de broncodilatador de curta ação de resgate. Foram excluídos pacientes com acidente vascular cerebral ou infarto agudo do miocárdio nos últimos três meses, aneurisma de aorta conhecido, pressão arterial sistólica > 200 mmHg ou pressão arterial diastólica > 100 mmHg, incapacidade de realizar espirometria, mulheres grávidas ou no puerpério e uso de inibidores de colinesterase. Nenhum paciente tinha história de tabagismo.

Os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e foram encaminhados para o laboratório de função pulmonar. Realizaram o teste de broncoprovocação com metacolina com protocolo dosimetrado, conforme as recomendações da American Thoracic Society e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia,(9,10) sendo utilizado um espirômetro (Koko; PDS Instrumentation Inc., Louisville, CO, EUA). Os pacientes foram questionados quanto ao sintoma de dispneia, utilizando-se a escala de Borg. Se o VEF1 basal fosse < 60% do previsto, o teste de broncoprovocação não era realizado. Após cada dose de metacolina e imediatamente antes da medição da função pulmonar, o paciente era novamente questionado quanto ao sintoma de dispneia. Após a broncoprovocação, era administrado salbutamol inalatório, 400 µg, e o paciente era somente liberado quando o VEF1 retornava ao valor basal.

Os pacientes foram classificados em dois grupos - percepção adequada e baixo grau de percepção - utilizando-se correlações entre os resultados da escala de Borg e a queda de VEF1. A percepção foi correlacionada com gravidade da broncoconstrição aguda, gravidade da hiper-responsividade brônquica, uso de medicação de manutenção e controle da asma.

Foi realizada uma análise descritiva de todos os dados. Para as variáveis categóricas, foi utilizado o teste do qui-quadrado e, para as variáveis numéricas, o teste t de Student, ambos para amostras não pareadas. Para a avaliação da correlação entre dispneia (Borg) e percentual de queda de VEF1 após a broncoprovocação, foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman.

Resultados

Foram selecionados 65 asmáticos do ambulatório de pneumologia. Desses, 12 foram excluídos: 8 por apresentar VEF1 basal < 60% do previsto e 4 por recusa de participar da avaliação subsequente (Figura 1).
A população analisada foi constituída de pacientes com asma, predominantemente de apresentação leve, e com função pulmonar basal normal. As características demográficas e clínicas dos pacientes estão descritas na Tabela 1, demonstrando que não houve diferenças estatísticas entre os dois grupos.





Não houve correlação significativa entre percepção da dispneia e idade (p = 0,247), sexo (p = 0,329), uso de medicação de manutenção (p = 0,152), controle da asma (p = 0,562), gravidade da hiper-responsividade brônquica (p = 0,082) e gravidade da broncoconstrição aguda (p = 0,749), conforme demonstrado na Tabela 1.





Todos os 53 pacientes que permaneceram no estudo apresentaram resultados positivos para o teste de broncoprovocação com metacolina (Figura 2). Desses, 32 referiram dispneia (60,5%) após a indução de broncoconstrição com metacolina. Entretanto, 21 pacientes (39,5%) não perceberam diferenças em relação à dispneia, mesmo com a queda de 20% do VEF1 (Figura 3).









No grupo com baixo grau de percepção, a redução percentual de VEF1 não teve impacto sobre o grau de dispneia, avaliado pela escala de Borg. Entretanto, no grupo com percepção adequada, a queda percentual de VEF1 foi acompanhada por um aumento da percepção da dispneia na escala de Borg (Figura 4).





O VEF1 basal médio no grupo com percepção adequada e com baixo grau de percepção foi de 2,86 ± 0,88 L (96,7 ± 15,7%) e 3,14 ± 0,88 L (96,3 ± 17,1%), respectivamente. A média de queda de VEF1 após a broncoprovocação nesses dois grupos, respectivamente, foi de 25,5 ± 10,2% e 24,1 ± 5,8%, enquanto a dose de metacolina responsável pela queda de 20% ou mais de VEF1 foi, respectivamente, de 3,63 ± 4,70 mg/mL e 4,32 ± 4,86 mg/mL.

Discussão

Pacientes com asma podem ter dificuldade de reconhecer o grau de obstrução de sua via aérea. Em nosso estudo, 39% dos pacientes não perceberam a queda de VEF1 após o teste de broncoprovocação com metacolina. Esse resultado reforça dados da literatura, demonstrando a importância dessa avaliação para a detecção de grupos mais suscetíveis a complicações graves da asma. A proporção de pacientes com baixo grau de percepção é variável; entretanto, em todos os estudos, esse número é elevado. Um grupo de autores(4) analisou pacientes com asma moderada e grave e correlacionou a dispneia, através da escala visual analógica, com o valor do VEF1, encontrando 51% de pacientes com baixo grau de percepção.

A média do VEF1 basal, a gravidade da broncoconstrição aguda e a dose de metacolina que induziu a broncoprovocação foram semelhantes entre os dois grupos avaliados. Portanto, a incapacidade de reconhecimento da modificação da função pulmonar não depende do valor de VEF1 ou de sua percentagem de queda. Há outros fatores envolvidos que justificam o baixo grau de percepção da broncoconstrição que ainda não foram completamente definidos. Muitos estudos têm tentado descrever essas associações, mas são necessárias mais análises para seu esclarecimento. Identificar as causas da inadequada percepção da dispneia é importante para que se possa monitorizar esse grupo de risco com maior objetividade, tendo um impacto positivo sobre o diagnóstico precoce da obstrução grave da via aérea e sobre as complicações, inclusive a morte por asma.

Dos fatores que têm sido estudados para explicar esse fenômeno, destacam-se sua correlação com sexo, hiper-responsividade, uso de medicamentos de manutenção, controle da asma e adesão ao tratamento.

Em relação ao sexo, não encontramos uma correlação significativa com a percepção da dispneia. Na literatura, os dados são conflitantes. Alguns autores evidenciaram que as mulheres têm uma percepção maior de dispneia e fazem um maior uso de broncodilatadores de curta ação do que os homens.(11-13) Outros já não encontraram essa associação.(3)

Neste estudo, não foi possível demonstrar uma associação entre percepção da broncoconstrição e gravidade da hiper-responsividade brônquica. Foi demonstrada uma associação entre baixo grau de percepção da broncoconstrição e hiper-responsividade brônquica, sugerindo que os pacientes desenvolvem um mecanismo de tolerância, tese também defendida por outros autores.(3,14)

Em relação ao uso dos medicamentos de manutenção, o uso de corticoides inalatórios tem sido relacionado com a percepção da broncoconstrição. Nosso estudo não demonstrou essa associação, possivelmente pelo fato de que apenas um pequeno número de pacientes fazia uso de corticoide inalatório isoladamente ou associado a um broncodilatador de longa ação. Em uma revisão recente sobre a influência de corticoides inalatórios na percepção da dispneia em asmáticos, os resultados foram controversos, isto é, alguns estudos relacionam que o uso da medicação modifica a percepção do sintoma, enquanto outros não encontraram essa associação. Não há, portanto, uma conclusão definitiva até o momento.(15)

A adesão ao tratamento e o controle da asma podem ser influenciados pelo baixo grau de percepção da broncoconstrição. A capacidade de identificação do controle da asma pelo paciente tem um impacto direto no manejo da doença pelo médico, o qual orienta o tratamento principalmente com base nos sintomas referidos. Em um estudo realizado junto ao Programa de Controle da Asma e da Rinite Alérgica na Bahia, demonstrou-se que a concordância entre médicos e pacientes quanto ao controle da asma é baixo. Naquele estudo, 23% dos pacientes apresentavam uma percepção inadequada do controle da asma. Tais pacientes eram, na sua maioria, idosos, tinham menor renda familiar e apresentavam asma de menor gravidade.(7) Nossos dados não demonstraram uma correlação entre controle da asma e percepção da dispneia. Houve, entretanto, uma tendência de uma proporção de controle da asma menor no grupo com baixo grau de percepção, sugerindo que a pouca percepção da obstrução da via aérea pode influenciar no controle da doença. Não se sabe, no entanto, se isso é consequência do baixo grau de percepção ou sua causa.

Em nosso estudo, 81% dos pacientes tinham asma intermitente ou persistente leve, e a média do VEF1 basal foi de, respectivamente, 96,7% e 96,3% nos grupos com grau de percepção adequado e baixo. É importante salientar que, mesmo nesta população analisada, houve um significativo baixo grau de percepção da dispneia. É evidente que esses resultados não podem ser extrapolados para toda a população de asmáticos; entretanto, achados de estudos anteriores ressaltam que a má percepção da dispneia ocorre em pacientes com função pulmonar basal normal ou não.

Demonstrou-se, em um estudo, que, em uma população de pacientes com asma leve e função pulmonar normal, 23% apresentavam baixo grau de percepção da dispneia.(16) Outros autores correlacionaram o teste de broncoprovocação por histamina com a escala visual analógica e encontraram um baixo grau de percepção da dispneia em pacientes com asma e VEF1 basal normal (média de 86% do previsto). Entretanto, ao estratificarem os grupos pelo valor de VEF1, observaram, através da análise de regressão múltipla, que VEF1 basal baixo estava associado com pior grau de percepção da dispneia.(3) Em outro estudo, demonstrou-se que pacientes asmáticos tratados com corticoides inalatórios por oito semanas apresentaram uma melhora da percepção da dispneia se tivessem um aumento significativo de VEF1.(2) Portanto, nosso estudo está de acordo com os achados anteriores em relação aos pacientes com VEF1 basal médio dentro dos valores previstos.

Em resumo, os pacientes com baixo grau de percepção da dispneia podem ser oligossintomáticos e inábeis em avaliar a intensidade da obstrução brônquica, reportando sintomas apenas quando a reserva da função pulmonar está exaurida. Portanto, a identificação desses é fundamental para que se possa diminuir o risco de complicações relacionadas ao mau controle da asma. A avaliação clínica isolada é insuficiente para detectar precisamente a intensidade da obstrução das vias aéreas. Sendo assim, esses pacientes necessitam da medida objetiva da função pulmonar e de orientação médica para um esquema de monitorização e intervenção efetiva e precoce que vise a prevenção de complicações graves ou de morte por asma.


Referências


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* Trabalho realizado no Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Jussara Fiterman. Avenida Ipiranga, 6690, sala 501, CEP 90610-000, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3336-5043. E-mail: fiterman@pucrs.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 20/1/2010. Aprovado, após revisão, em 27/5/2010.



Sobre os autores

Cláudia Loss Reck
Médica Pneumologista. Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Daniel Fiterman-Molinari
Médico. Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Sérgio Saldanha Menna Barreto
Professor. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Jussara Fiterman
Professora. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

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