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Modelo experimental de perfusão pulmonar ex vivo em ratos: avaliação de desempenho de pulmões submetidos à administração de prostaciclina inalada versus parenteral

An experimental rat model of ex vivo lung perfusion for the assessment of lungs after prostacyclin administration: inhaled versus parenteral routes

Paulo Francisco Guerreiro Cardoso, Rogério Pazetti, Henrique Takachi Moriya, Paulo Manuel Pêgo-Fernandes, Francine Maria de Almeida, Aristides Tadeu Correia, Karina Fechini, Fabio Biscegli Jatene

ABSTRACT

Objective: To present a model of prostaglandin I2 (PGI2) administration (inhaled vs. parenteral) and to assess the functional performance of the lungs in an ex vivo lung perfusion system. Methods: Forty Wistar rats were anesthetized and placed on mechanical ventilation followed by median sterno-laparotomy and anticoagulation. The main pulmonary artery was cannulated. All animals were maintained on mechanical ventilation and were randomized into four groups (10 rats/group): inhaled saline (IS); parenteral saline (PS); inhaled PGI2 (IPGI2); and parenteral PGI2 (PPGI2). The dose of PGI2 used in the IPGI2 and PPGI2 groups was 20 and 10 µg/kg, respectively. The heart-lung blocks were submitted to antegrade perfusion with a low potassium and dextran solution via the pulmonary artery, followed by en bloc extraction and storage at 4°C for 6 h. The heart-lung blocks were then ventilated and perfused in an ex vivo lung perfusion system for 50 min. Respiratory mechanics, hemodynamics, and gas exchange were assessed. Results: Mean pulmonary artery pressure following nebulization decreased in all groups (p < 0.001), with no significant differences among the groups. During the ex vivo perfusion, respiratory mechanics did not differ among the groups, although relative oxygenation capacity decreased significantly in the IS and PS groups (p = 0.04), whereas mean pulmonary artery pressure increased significantly in the IS group. Conclusions: The experimental model of inhaled PGI2 administration during lung extraction is feasible and reliable. During reperfusion, hemodynamics and gas exchange trended toward better performance with the use of PGI2 than that with the use of saline.

Keywords: Prostaglandins; Lung transplantation; Reperfusion; Models, animal; Rats.

RESUMO

Objetivo: Apresentar um modelo experimental de administração de prostaglandina I2 (PGI2) por via inalatória vs. parenteral e avaliar o desempenho funcional dos pulmões em um sistema de perfusão pulmonar ex vivo. Métodos: Quarenta ratos Wistar foram anestesiados, ventilados, submetidos a laparotomia com ressecção do esterno e anticoagulados. O tronco da artéria pulmonar foi canulado. Todos os animais foram submetidos a ventilação mecânica. Os animais foram randomizados em quatro grupos (10 ratos/grupo): salina nebulizada (SN); salina parenteral (SP); PGI2 nebulizada (PGI2N); e PGI2 parenteral (PGI2P). A dose de PGI2 nos grupos PGI2N e PGI2P foi de 20 e 10 µg/kg, respectivamente. Os blocos cardiopulmonares foram submetidos in situ a perfusão anterógrada com solução de baixo potássio e dextrana a 4°C via artéria pulmonar, extraídos em bloco e armazenados a 4°C por 6 h. Os blocos foram ventilados e perfundidos em um sistema ex vivo por 50 min, sendo obtidas medidas de mecânica ventilatória, hemodinâmica e trocas gasosas. Resultados: Houve redução da pressão arterial pulmonar média após a nebulização em todos os grupos (p < 0,001), sem diferença entre os grupos. Na perfusão ex vivo, a mecânica ventilatória não diferiu entre os grupos. Houve redução da capacidade relativa de oxigenação ao longo da perfusão nos grupos SN e SP (p = 0,04), e houve aumento significativo da pressão arterial pulmonar no grupo SN. Conclusões: O modelo experimental de administração de PGI2 na extração pulmonar é exequível e confiável. Na reperfusão, os resultados de hemodinâmica e de trocas gasosas demonstraram tendência a um melhor desempenho com o uso de PGI2 do que com solução salina.

Palavras-chave: Prostaglandinas; Transplante de pulmão; Reperfusão; Modelos animais; Ratos.

Introdução

O transplante pulmonar está estabelecido como uma alternativa terapêutica para o tratamento de doenças pulmonares terminais em pacientes selecionados.

A qualidade da preservação do pulmão doado possui um impacto na sua função inicial logo após o transplante, bem como no desempenho tardio do órgão.(1)

Dentre os aditivos para a preservação pulmonar, os prostanoides têm sido usados desde os primórdios da preservação pulmonar, sendo adicionados às soluções de preservação intracelulares, tais como Euro-Collins ou Universidade de Wisconsin, por seus efeitos benéficos na melhora da função do enxerto após a reperfusão. A prostaglandina E1 (PGE1) passou a ser incorporada na preservação pulmonar como adjuvante às soluções extracelulares, uma vez que modifica, experimentalmente, o perfil das citocinas de pró-inflamatório para anti-inflamatório .(2)

A adição de prostanoides diretamente na circulação pulmonar provoca severa hipotensão sistêmica, limitando o seu uso ao momento que antecede a extração pulmonar, uma vez que a hipotensão prolongada pode causar disfunção para o enxerto pulmonar.(3)

A prostaciclina - prostaglandina I2 (PGI2) - nebulizada tem sido utilizada como vasodilatador pulmonar no tratamento de hipertensão pulmonar e apresenta como vantagem não causar hipotensão sistêmica,(4) permitindo assim a sua administração prolongada no doador, o que amplia seus benefícios para o enxerto pulmonar.

Até o momento, não há consenso quanto à eficácia da administração de prostanoides sob a forma de nebulização na preservação pulmonar para transplante. Tal fato merece investigação, uma vez que outros agentes nebulizados, tais como drogas e perfluorocarbonos, têm se mostrado benéficos para o enxerto pulmonar por essa via.(5,6)

O presente estudo teve por objetivo apresentar um modelo de administração de PGI2 por via inalatória vs. por via parenteral e avaliar o desempenho funcional dos pulmões utilizando o sistema de perfusão pulmonar ex vivo em ratos.

Métodos

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa em animais da instituição.

Foram utilizados 40 ratos machos adultos da linhagem Wistar (peso = 300-350 g), provenientes do Centro de Bioterismo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em São Paulo (SP). Os animais foram mantidos em condições de temperatura e umidade controladas e ciclo claro-escuro de 12 h. Os animais tiveram acesso ad libitum à água e à ração Nuvilab CR-1 (Nuvital Nutrientes Ltda., Colombo, Brasil).

Os animais foram anestesiados por inalação em campânula fechada (isoflurano 5%), pesados, submetidos a traqueostomia e conectados a um ventilador (flexiVent®; SCIREQ, Montreal, Canadá). Foram mantidos nas seguintes condições: FR = 90 ciclos/min; volume corrente (VC) = 10 mL/kg; FiO2 = 1,0; e isoflurano 3%. Procedeu-se uma laparotomia com ressecção do esterno e heparinização pela veia cava inferior (heparina, 1.500 UI). O diafragma foi aberto radialmente, e o ligamento pulmonar inferior foi seccionado. O tronco da artéria pulmonar foi puncionado com um escalpe de número 23G, o qual foi fixado em posição no local. A pressão arterial pulmonar (PAP) basal média foi medida, os animais foram ventilados por 2 min e em seguida foram randomizados em quatro grupos (10 animais/grupo) da seguinte forma:

 Grupo salina nebulização (SN): ventilação mecânica (2 min) + primeira nebulização com salina (1 min) + intervalo (30 s) + segunda nebulização (1 min), com medida de PAP antes e após a nebulização
 Grupo salina parenteral (SP): ventilação mecânica (2 min) + nebulização com salina (1 min) + intervalo (30 s) + segunda nebulização (1 min) + administração de salina na artéria pulmonar (0,1 mL), com medida de PAP antes da nebulização e depois da administração de salina na artéria pulmonar
 Grupo PGI2 nebulização (PGI2N): ventilação mecânica (2 min) + nebulização com PGI2 (Ilomedin; Schering, Traiskirchen, Áustria) 20 µg/kg (1 min) + intervalo (30 s) + segunda nebulização com PGI2 (1 min), com medida de PAP antes e após a nebulização
 Grupo PGI2 parenteral (PGI2P): ventilação mecânica (2 min) + nebulização com salina (1 min) + intervalo (30 s) + segunda nebulização com salina (1 min) + administração de PGI2 na artéria pulmonar (10 µg/kg), com medida de PAP antes da nebulização e depois da administração de PGI2 na artéria pulmonar

A nebulização foi realizada com um nebulizador ultrassônico (Aeroneb®; Aerogen, Galway, Irlanda) diretamente na cânula de traqueostomia. Para a análise de resistência (Rrs) e elastância (Ers) do sistema respiratório como um todo, utilizou-se o modelo unicompartimental(7):

P = Rrs .VY + Ers . V + P0

onde P é a pressão na entrada das vias aéreas, Y é o fluxo, V é o volume, e P0 é o valor que P assume quando tanto Y como V são iguais a zero, assumindo uma utilidade prática na absorção de erros em situações onde a capacidade residual funcional é calculada a partir de um sinal de fluxo integrado. Esse modelo foi ajustado a uma perturbação de volume senoidal de período de um segundo, com VC = 10 mL/kg. Foram coletados os valores basais antes e após a esternotomia e após a nebulização.

Ao término da segunda nebulização e após medida de PAP média, a veia cava inferior foi seccionada, o tronco da artéria pulmonar foi canulado, e uma ventriculotomia longitudinal esquerda foi realizada. Iniciou-se a perfusão do bloco cardiopulmonar com uma solução de baixo potássio e dextrana (20 mL, Perfadex®; Vitrolife, Kungsbacka, Suécia) a 4°C, com pressão de 10 cmH2O mantida por elevação do reservatório, e drenagem do efluente pela ventriculotomia esquerda, conforme a técnica anteriormente descrita.(8,9) Durante a perfusão com a solução preservadora, os pulmões foram hiperventilados. Ao término da perfusão, a traqueia era ligada com os pulmões parcialmente inflados, a extração pulmonar era realizada e o bloco cardiopulmonar era armazenado em salina por 6 h a 4-7°C.

Utilizamos um circuito de perfusão ex vivo (IL2 - Isolated Perfused Rat or Guinea Pig Lung System; Harvard Apparatus, Holliston, MA, EUA; Hugo Sachs Elektronik, Hugstetten, Alemanha) capaz de medir parâmetros de mecânica ventilatória e de hemodinâmica. A perfusão dos blocos foi realizada com uma mistura de sangue homólogo e solução salina na proporção de 1:1 para um volume total aproximado de 80 mL, com hematócrito de 15-20%. O sangue venoso pulmonar foi desoxigenado utilizando-se um oxigenador de membrana (D150 MediSulfone® Hemofilter; MEDICA s.r.l. Medolla, Itália) contendo uma mistura gasosa (relação N2/CO2 = 9:1) administrada continuamente (fluxo = 100 mL/min).

Com o bloco cardiopulmonar posicionado no sistema de perfusão ex vivo, iniciou-se a ventilação (FR = 60 ciclos/min; relação inspiração/expiração = 60%; suspiro/min = 50% de acréscimo do VC; e pressão expiratória final positiva = 1 cmH2O) com 50% do VC, aumentando-o até atingir 10 mL/kg de peso. A perfusão do bloco iniciou-se com baixo fluxo (2 mL/min), progredindo ao longo de 5-10 min até atingir o patamar de fluxo desejado (5-7 mL/min). Com o bloco estabilizado, iniciava-se a coleta de dados (hemodinâmica, mecânica ventilatória e gases arteriais e venosos pulmonares) a cada 10 min por 50 min consecutivos.

Foram obtidas amostras de sangue da cânula arterial pulmonar e da cânula atrial esquerda para hemogasometria (ABL 800; Radiometer, Copenhagen, Dinamarca). A capacidade relativa de oxigenação (CRO) dos pulmões(10) foi obtida a partir da seguinte fórmula:
CRO = [(PvO2 − PaO2) × 100]/PaO2
onde PaO2 refere-se ao sangue desoxigenado da cânula da artéria pulmonar, e PvO2 refere-se ao sangue oxigenado da cânula atrial esquerda.

O pH do perfusato sanguíneo foi corrigido com a administração de bicarbonato de sódio ao sistema (0,3 mEq  L−1  dose−1) para manter o pH arterial entre 7,1 e 7,4.(11)

Ao final da perfusão, os blocos eram removidos, o pulmão esquerdo era pesado e acondicionado por 72 h a 70°C, sendo pesado novamente para a obtenção da razão peso úmido/peso seco.

Nas análises descritivas, os dados quantitativos com distribuição normal foram expressos em médias acompanhadas dos respectivos erros-padrão. Para dados quantitativos sem distribuição normal, os valores foram expressos através de medianas. Os pressupostos da distribuição normal em cada grupo e a homogeneidade das variâncias entre os grupos foram avaliados, respectivamente, com o teste de Shapiro-Wilk e com o teste de Levene. Para as variáveis quantitativas dependentes, foi utilizada ANOVA para medidas repetidas. O teste de Bonferroni foi utilizado para comparações múltiplas de médias. Utilizaram-se testes não paramétricos (Kruskal-Wallis para o fator tipo de solução e Mann-Whitney para o fator posição) na ausência de distribuição normal e homogeneidade de variância. O índice de significância estatística foi considerado para valores de p < 0,05. As análises foram executadas com o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

A média do peso dos animais não diferiu entre os grupos: 312 g, 319 g, 317 g e 317 g, respectivamente, nos grupos SN, SP, PGI2N e PGI2P (p > 0,05).

A PAP média de todos os grupos, antes e após a nebulização, foi 11,4 ± 0,7 mmHg e 8,1 ± 0,8 mmHg, respectivamente (p < 0,001). A diferença entre a PAP antes e após a nebulização revelou uma redução significativa após a nebulização em todos os grupos (Tabela 1), sendo essa redução mais acentuada no grupo PGI2P, porém sem diferença estatisticamente significativa em relação aos demais grupos (p = 0,63).



A avaliação da mecânica respiratória durante a ventilação mecânica mostrou comportamentos similares para todos os grupos em relação a Rrs e Ers (Tabela 2) do sistema respiratório como um todo.




À exceção de dois pulmões do grupo SP, que se tornaram inviáveis por edema aos 30 min e 40 min de perfusão no sistema ex vivo, todos os demais atingiram os 50 min de perfusão.

O VC médio não diferiu entre os grupos estudados: 1,45 mL, 1,84 mL, 1,93 mL e 1,66 mL, respectivamente, nos grupos SN, SP, PGI2N e PGI2P (p = 0,53).

A Rrs foi similar entre os grupos SP, PGI2N e PGI2P, mas essa foi superior no grupo SN, mas sem atingir significância estatística (p = 0,08). A Crs foi similar entre os grupos SN, SP e PGI2P, sendo algo superior nos pulmões do grupo PGI2N na metade final da perfusão, sem atingir significância estatística (p = 0,43).

A CRO não apresentou diferenças entre os grupos estudados (p = 0,29). Ao longo do tempo de perfusão, observou-se um declínio significativo da CRO aos 50 min no grupo SN em relação a todos os demais tempos de perfusão (p = 0,01). O mesmo ocorreu no grupo SP, no qual a CRO aos 50 min foi inferior à observada nos 10 min iniciais da perfusão (p = 0,04; Figura 1).





A PAP média não diferiu entre os grupos: 9,5 ± 1,1 mmHg, 7,4 ± 1,3 mmHg, 7,2 ± 1,1 mmHg e 5,3 ± 1,2 mmHg, respectivamente, nos grupos SN, SP, PGI2N e PGI2P (p = 0,11). Houve um aumento progressivo da PAP ao longo da perfusão em todos os grupos, somente significativo no grupo SN (p = 0,01; Figura 2).





Ao longo do tempo de perfusão, observou-se um aumento gradual e significativo do peso dos blocos cardiopulmonares (p = 0,001), sendo mais evidentes nos grupos SN e SP após 40 min de perfusão. As diferenças entre os grupos não atingiram significância estatística (p = 0,59).

A relação peso úmido/peso seco, embora com valores nominais superiores nos grupos SN e SP, não apresentou diferenças significativas entre os grupos (p = 0,63; Figura 3).





Discussão

A disfunção primária do enxerto (DPE) é uma forma de lesão pulmonar aguda, decorrente da sequência de eventos que se inicia na morte cerebral do doador até a reperfusão do enxerto.(12) Além do aumento de morbidade e mortalidade, a DPE aumenta o risco de rejeição aguda, prejudicando a função do pulmão transplantado a longo prazo. Nos doadores cadavéricos, o aumento da concentração de IL-8 no LBA e no tecido pulmonar correlaciona-se com a incidência de DPE.(13)

A hipotermia e a administração de uma solução preservadora são fundamentais na preservação pulmonar, pois diminuem a atividade metabólica e a degradação de componentes celulares e estão implicadas no controle dos eventos que propiciam a ativação de mediadores inflamatórios.(14,15)

Prostanoides, como PGE1 e PGI2, são potentes vasodilatadores e são em geral administrados diretamente na circulação pulmonar no momento da perfusão do enxerto e adicionados à solução preservadora hipotérmica. A ação benéfica das prostaglandinas no transplante pulmonar relaciona-se à preservação da barreira endotelial da vasculatura pulmonar(16) e à vasodilatação, que facilita a distribuição da solução preservadora pelo parênquima pulmonar na extração. As soluções intracelulares, como Euro-Collins ou Universidade de Wisconsin, possuem alto teor de potássio, o que causa vasoconstrição pulmonar, necessitando, portanto, de vasodilatadores durante a sua administração. Entretanto, mesmo após a introdução das soluções extracelulares com baixo teor de potássio, as prostaglandinas continuaram a ser utilizadas, pois os seus benefícios vão além da vasodilatação.(17)

Outros vasodilatadores não são tão eficientes em prevenir a DPE, corroborando a ideia de que o efeito das prostaglandinas extrapola a sua ação vasodilatadora.(2) Os prostanoides também são capazes de melhorar a injúria de reperfusão através de citoproteção direta mediada por ações no equilíbrio entre citocinas pró e anti-inflamatórias. Em modelos de transplante pulmonar em ratos, a administração de PGE1 na reperfusão resulta em elevação de IL-10 no tecido pulmonar e redução de TNF-, IL-12 e IFN-.(18) Entretanto, a eficácia dos prostanoides não foi a mesma em pulmões de cães captados três horas após a parada cardiocirculatória. Nessa situação de injúria extrema, a adição de PGE1 não resultou em benefícios,(19) sugerindo que a adição de prostanoides na circulação pulmonar talvez não seja suficiente para condições de injúria extrema.

Clinicamente, a adição de prostanoides em altas doses restringe-se ao momento da extração pulmonar para que os efeitos reconhecidamente nefastos da hipotensão arterial sistêmica sobre o enxerto pulmonar sejam minimizados.(3)

A via inalatória tem sido proposta como um método alternativo de vasodilatação pulmonar seletiva, sem efeitos sistêmicos. Foi demonstrado que a PGI2 por via inalatória reduz a PAP e redistribui o fluxo pulmonar sem causar hipotensão sistêmica significativa.(20,21) O uso de PGI2 inalada em pacientes com síndrome da angústia respiratória no adulto (SARA) reduziu a resistência vascular pulmonar em 30%, melhorando as trocas gasosas através da redistribuição da perfusão nas áreas anteriormente menos perfundidas sem causar hipotensão sistêmica.(22) Experimentalmente, as propriedades vasodilatadoras da PGI2 inalada têm se mostrado tão eficazes quanto aquelas do óxido nítrico.(23)

As indicações atuais do uso de PGI2 por via inalatória incluem hipertensão pulmonar, falência ventricular direita e SARA, assim como no tratamento de cardiopatias congênitas associadas a hipertensão pulmonar.(22,24) As propriedades antitrombóticas e antiagregantes plaquetárias são características da PGI2, que é uma prostaglandina natural com meia vida de 6 min e com efeitos semelhantes aos do óxido nítrico. A aplicação sob a forma inalatória em portadores de SARA reduz a fração de shunt, melhorando a oxigenação ao mesmo tempo em que reduz a PAP.(25)

Com base nessas evidências, a adição de prostanoides por via inalatória hipoteticamente minimiza os efeitos sistêmicos, o que permite sua administração por períodos prolongados, e, ao mesmo tempo, maximiza seus benefícios no pulmão no doador.

Utilizamos o sistema de perfusão ex vivo em ratos para a avaliação de métodos de preservação. Esse sistema possui a vantagem de servir como um método de triagem de novas estratégias de preservação pulmonar, com excelente relação custo-benefício.(8,9,11) Um grupo de autores utilizou o mesmo sistema para testes de soluções de preservação e para a administração de PGI2 parenteral.(10) Recentemente, os mesmos autores demonstraram que o desempenho funcional de pulmões transplantados em porcos foi melhor nos animais que receberam PGI2 por via inalatória se comparados aos que a receberam por via parenteral.(26) Esses autores demonstraram também que a aplicação inalatória de PGI2 por nebulização ultrassônica antes da extração pulmonar resultou em menos edema, melhor troca gasosa e maior complacência pulmonar.(27)

A escolha do tempo de isquemia de seis horas fundamentou-se em um estudo prévio, no qual demonstramos que esse intervalo de tempo está relacionado ao maior número de pulmões viáveis durante a perfusão.(11)

A nossa opção pela dose de 10 µg/kg de PGI2 por via parenteral baseou-se na dose usada em outro estudo (média de 10 µg a cada 3 min).(26) Uma vez que não encontramos relatos quanto à dose de PGI2 a ser nebulizada em um modelo murino similar ao que utilizamos, estipulamos, empiricamente, a utilização do dobro da dose por via parenteral para a nebulização com o objetivo de aumentar a exposição da via aérea ao fármaco e avaliar seus efeitos sistêmicos. A redução da PAP média após a nebulização foi de 29%, o que foi similar em todos os grupos. A hipotensão foi mais evidente no grupo PGI2P, conforme descrito anteriormente em modelos animais de maior porte.(28) Clinicamente, a hipotensão sistêmica tem sido observada com doses de PGI2 nebulizada de 200-700 ng  kg−1  min−1,(24) o que corresponderia a 20-80 µg de PGI2 administrada em 2 min em um adulto de 60 kg de peso.

Aparentemente, a PGI2 nebulizada não interfere na mecânica respiratória (resistência e elastância) durante a extração, fato esse demonstrado pelo comportamento similar da mecânica entre os grupos estudados. Além do fato de que isso é uma característica desejável para um aditivo à preservação pulmonar, esse fato nos certifica de que os efeitos da PGI2 se restringem à vasculatura e aos aspectos celulares da preservação.

No presente estudo, a perfusão pulmonar no sistema ex vivo revelou um desempenho funcional similar nos grupos que receberam PGI2 nebulizada ou por via parenteral, com tendência à melhora na complacência pulmonar no grupo PGI2N. Os pulmões nebulizados com salina apresentaram desempenho inferior no que tange às trocas gasosas.

O aumento da PAP ao longo da perfusão é uma característica desse modelo ex vivo, posto que essa preparação utiliza um fluxo não pulsátil e um circuito extracorpóreo. O fato de os pulmões do grupo SN terem apresentado aumento da PAP e aumento da relação peso úmido/peso seco juntamente com o grupo SP, a partir dos 40 min da perfusão, sugere a presença de edema nesses pulmões. Isso, somado ao fato de que alguns pulmões do grupo SP tornaram-se inviáveis antes do término da perfusão, atesta a má qualidade de preservação desses pulmões em relação aos dos grupos PGI2N e PGI2P.

No presente estudo, apesar do fato de que os grupos SN e SP apresentaram valores nominalmente maiores na relação peso úmido/peso seco, não houve diferenças significativas entre todos os grupos. Isso reflete um viés do modelo ex vivo, no qual todos os pulmões apresentam edema. Este achado possivelmente advém do efeito somatório do aumento da permeabilidade vascular decorrente da perfusão em um sistema extracorpóreo e do período de isquemia de 6 h. Outros autores utilizaram um sistema similar e obtiveram diferenças mais marcantes entre os grupos; entretanto, os autores limitaram o período de isquemia hipotérmica de 2 a 4 h.(10,29) Um fator adicional, que veio recentemente ao nosso conhecimento, é a constatação de que ratos Wistar podem apresentar alterações da permeabilidade vascular por um fenômeno imune de alergia a dextrana.(30) Uma vez que esse composto está presente na solução de baixo potássio (Perfadex®) utilizada na preservação pulmonar, sempre haverá a possibilidade de que esse fator venha a contribuir para o edema. O emprego de outra raça, como Sprague-Dawley, aparentemente reduz a possibilidade desse tipo de reação alérgica.

Em conclusão, o modelo experimental de administração de PGI2 antes da extração pulmonar é exequível e confiável. Na reperfusão, o desempenho hemodinâmico e o desempenho das trocas gasosas dos pulmões demonstraram uma tendência superior com o uso de PGI2 se comparado com aquele da solução salina. Esse modelo experimental poderá ser utilizado para a avaliação de outros agentes por nebulização, tais como perfluorocarbonos, em estudos futuros.


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* Trabalho realizado no Departamento de Cardiopneumologia, Disciplina de Cirurgia Torácica; no Laboratório de Investigação Médica 61, Cirurgia Torácica Experimental (LIM 61); no Laboratório de Investigação Médica 20, Terapêutica Experimental (LIM 20); no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; e no Laboratório de Engenharia Biomédica, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo Manuel Pêgo-Fernandes. InCor/Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, Bloco 2, 2º andar, Sala 9, Cerqueira Cesar, CEP 05403-000, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 3069-5248. E-mail: paulo.fernandes@incor.usp.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Karina Fechini é bolsista de iniciação científica da FAPESP.
Recebido para publicação em 24/5/2011. Aprovado, após revisão, em 29/7/2011.



Sobre os autores

Paulo Francisco Guerreiro Cardoso
Professor Associado Visitante. Departamento de Cardiopneumologia, Disciplina de Cirurgia Torácica, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Rogério Pazetti
Pesquisador Científico I. Laboratório de Investigação Médica 61, Cirurgia Torácica Experimental (LIM 61), Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Henrique Takachi Moriya
Professor Assistente. Departamento de Engenharia de Telecomunicações e Controle, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Paulo Manuel Pêgo-Fernandes
Professor Livre-Docente. Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Francine Maria de Almeida
Mestranda. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Aristides Tadeu Correia
Técnico Especializado em Pesquisa. Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Karina Fechini
Estudante de Biomedicina, Universidade de Santo Amaro - UNISA - São Paulo (SP) Brasil.

Fabio Biscegli Jatene
Professor Titular. Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São  Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

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