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Artigo Original

Impacto clínico do diagnóstico de sepse à admissão em UTI de um hospital privado em Salvador, Bahia

Clinical impact of sepsis at admission to the ICU of a private hospital in Salvador, Brazil

Verena Ribeiro Juncal, Lelivaldo Antonio de Britto Neto, Aquiles Assunção Camelier, Octavio Henrique Coelho Messeder, Augusto Manoel de Carvalho Farias

ABSTRACT

Objective: To describe the clinical characteristics, laboratory data, and clinical outcomes of patients with and without sepsis admitted to the ICU of a private hospital in the city of Salvador, Brazil, and to identify clinical variables related to a worse prognosis in those with sepsis. Methods: This was a longitudinal study including all patients admitted to the general ICU of the Hospital Português, in the city of Salvador, Brazil, between June of 2008 and March of 2009. At ICU admission, two groups of patients were identified: with sepsis and without sepsis. Epidemiological, clinical and laboratory data were collected, and the Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) score was calculated. Results: Of the 144 patients in the study, 29 (20.1%) had sepsis. Among the patients with sepsis, males accounted for 55.2%, the mean age was 73.1 ± 14.6 years, and the mean APACHE II score was 23.8 ± 9.1, compared with 36.3%, 68.7 ± 17.7 years, and 18.4 ± 9.5, respectively, among those without sepsis. There were significant associations between a diagnosis of sepsis and the following variables: APACHE II score; in-hospital mortality; ICU mortality; HR; mean arterial pressure; hematocrit level; white blood cell count; and antibiotic use. The use of life support measures and lower hematocrit levels were associated with a worse prognosis in the patients with sepsis. Conclusions: The patients diagnosed with sepsis presented worse clinical outcomes, probably due to their greater severity. Hematocrit level was the only variable that was a predictor of mortality risk in the patients with sepsis.

Keywords: Sepsis/epidemiology; Sepsis/mortality; Intensive care units.

RESUMO

Objetivo: Descrever as características clínicas, os dados laboratoriais e o desfecho clínico de pacientes sépticos e não sépticos admitidos em UTI de um hospital privado na cidade de Salvador, Bahia, e identificar variáveis clínicas relacionadas ao pior prognóstico dos pacientes sépticos. Métodos: Foi realizado um estudo longitudinal que incluiu todos os pacientes admitidos na UTI geral do Hospital Português, Salvador (BA), entre junho de 2008 e março de 2009. Na admissão na UTI, dois grupos de pacientes foram identificados: sépticos e não sépticos. Foram coletados dados epidemiológicos, clínicos e laboratoriais, e o escore Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) foi calculado. Resultados: Dos 144 pacientes do estudo, 29 (20,1%) eram sépticos. Entre os pacientes sépticos, 55,2% eram do sexo masculino, a média de idade foi de 73,1 ± 14,6 anos, e a média do escore do APACHE II foi de 23,8 ± 9,1. No grupo não séptico, 36,3% eram do sexo masculino, a média de idade foi de 68,7 ± 17,7 anos, e a média do escore do APACHE II foi de 18,4 ± 9,5. Houve associações estatisticamente significantes entre o diagnóstico de sepse e as seguintes variáveis: escore do APACHE II, mortalidade na UTI, mortalidade hospitalar, FC, pressão arterial média, valor de hematócrito, contagem de leucócitos e uso de antibioticoterapia. O uso de medidas de suporte e valores reduzidos de hematócrito se relacionaram com um pior prognóstico entre os pacientes sépticos. Conclusões: Os pacientes diagnosticados com sepse apresentaram piores desfechos clínicos, provavelmente por causa de sua maior gravidade. O nível de hematócrito foi a única variável capaz de predizer o risco de morte entre pacientes sépticos.

Palavras-chave: Sepse/epidemiologia; Sepse/mortalidade; Unidades de terapia intensiva.

Introdução

O desenvolvimento das UTI contribuiu para um melhor atendimento e cuidado de pacientes criticamente enfermos ao longo dos anos, pois concentra em um só local equipamentos de alta tecnologia com uma equipe multiprofissional especializada.(1) As UTI foram implantadas no Brasil a partir da década de 1970 e, desde então, alguns estudos nacionais têm avaliado o perfil clínico, epidemiológico e laboratorial desses pacientes com a finalidade de identificar a gravidade dos pacientes admitidos em UTI e melhorar o planejamento dessa assistência especializada.(2)

Dentre todas as doenças que acometem pacientes críticos, a sepse é motivo de grande preocupação por ser a principal causa de morte nas UTI e uma das principais causas de morte em geral nos EUA.(3) A sepse é definida como uma síndrome clínica constituída por uma resposta inflamatória sistêmica associada a um foco infeccioso.(4) No entanto, quando não tratada adequadamente, pode evoluir rapidamente para choque séptico, podendo resultar em falência de órgãos e óbito. Nos EUA, observou-se que a incidência de sepse aumentou de 82,7 para 240,4 casos a cada 100.000 indivíduos no período entre 1979 e 2000.(3) A incidência de sepse em pacientes admitidos em UTI varia de 9% a 31%.(5-9) A mortalidade da sepse varia de acordo com a gravidade do quadro clínico. Apesar de a mortalidade por sepse ter diminuído de 27,8% para 17,9% em 22 anos nos EUA, a proporção de indivíduos acometidos ainda é muito grande.(3) Dados da literatura evidenciam uma média de mortalidade em UTI para pacientes sépticos entre 10% e 64%, inclusive em séries nacionais.(5-13) Já outros estudos nos quais pacientes admitidos em UTI, sépticos ou não, foram avaliados constataram uma mortalidade variando de 25% a 38%.(1,2,13)

O primeiro estudo brasileiro de grande porte foi o Brazilian Sepsis Epidemiological Study (BASES), que avaliou o perfil de pacientes admitidos nas UTI das regiões Sul e Sudeste com o intuito de determinar a incidência de sepse nesses pacientes.(5) Naquele estudo, foi observada uma incidência de 30,5% de pacientes internados com sepse nas UTI, e foi estabelecido que a diferença da taxa de sobrevivência entre os pacientes sépticos e não sépticos após 28 dias de internação foi de 66% e 88%, respectivamente.(5) Muitos estudos nacionais avaliaram pacientes admitidos em UTI com sepse isoladamente,(8,10-12) enquanto outros caracterizaram o perfil clínico e epidemiológico de todos os pacientes admitidos a sua UTI.(1,2,13) No entanto, poucos pesquisadores realizaram uma comparação clínico-epidemiológica entre pacientes admitidos com sepse e aqueles sem sepse na UTI, aspecto esse que poderia identificar variáveis clínicas relacionadas ao prognóstico desses pacientes. Baseado em estudos anteriores, espera-se que os pacientes com sepse apresentem piores desfechos clínicos, tais como aumento da mortalidade e do tempo de internação hospitalar, além de piores parâmetros vitais e laboratoriais.(8,10,11) Faz-se necessário validar tais aspectos nessa população específica para que protocolos e futuras intervenções possam ser fundamentados.
O objetivo deste estudo foi descrever as características clínicas, laboratoriais e o desfecho clínico de pacientes sépticos e não sépticos admitidos em uma UTI privada no estado da Bahia e identificar variáveis clínicas relacionadas ao prognóstico dos pacientes sépticos.

Métodos

Foi realizado um estudo longitudinal com pacientes adultos internados em uma UTI e acompanhados durante todo o período de internamento. O estudo foi realizado na UTI geral do Hospital Português, localizado na cidade de Salvador (BA), que é um hospital privado beneficente com 300 leitos e com uma UTI geral composta por 24 leitos. A média de internamentos do hospital é de 1.000 pacientes/mês, e não há predomínio de nenhuma especialidade em particular.

Foram incluídos todos os pacientes admitidos na UTI geral no período entre junho de 2008 e março de 2009. Os critérios de exclusão foram tempo de internação em UTI menor que 24 h, idade menor que 18 anos e recusa em participar do estudo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Português. O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelo paciente ou, na sua incapacidade, por seu responsável legal ou familiar.

Os dados foram obtidos através da consulta aos prontuários de 144 pacientes e registrados em uma ficha confidencial de coleta de dados. Foram obtidos os seguintes dados: sexo; idade; data de admissão, da alta da UTI e da alta hospitalar; motivo de internação; foco infeccioso; desfecho clínico do paciente na UTI e no hospital; e uso das seguintes medidas de suporte nas primeiras 24 h de UTI: dieta enteral, profilaxia para tromboembolismo venoso, profilaxia para lesão aguda de mucosa gástrica, ventilação mecânica, antibioticoterapia, uso de corticoides e uso de noradrenalina. Também foram coletados os piores resultados das primeiras 24 h após a admissão dos seguintes exames: hematócrito, leucograma, plaquetas, glicemia, tempo de tromboplastina parcial ativada, tempo da ativação da protrombina com relação normalizada internacional, creatinina, sódio, potássio, pH sanguíneo, PaO2, PaCO2, bicarbonato, SaO2, base excess, lactato, além de medidas de FC, FR, temperatura e pressão arterial média.

Foi observado se os pacientes apresentavam sepse no momento da internação na UTI, sendo a sepse definida, de acordo com as orientações da Conferência Internacional de Definições de Sepse de 1991,(4) como um processo infeccioso associado a dois ou mais dos seguintes critérios: temperatura > 38°C ou < 36°C; FC > 90 bpm; FR > 20 ciclos/min ou PaCO2 < 32 mmHg; e leucócitos > 12.000 células/mm3 ou < 4.000 células/mm3. Após a classificação, foram identificados dois grupos de pacientes: sépticos e não sépticos.

Todos os pacientes admitidos na UTI tiveram o escore Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) calculado nas primeiras 24 h da admissão, tendo sido utilizados os piores dados clínicos e laboratoriais das primeiras 24 h da internação na UTI.

A análise estatística foi realizada com o auxílio do programa Statistical Package for Social Sciences, versão 14.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Para as variáveis contínuas, foi estudada a distribuição dos dados através do teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste t de Student foi utilizado para a avaliação das diferenças das variáveis contínuas caso houvesse distribuição paramétrica. Para dados não paramétricos, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Para a análise de proporções, foi usado o teste do qui-quadrado. As variáveis contínuas foram apresentadas na forma de médias ± dp, e as variáveis categóricas foram expressas como valores absolutos e porcentagens. Foram considerados estatisticamente significativos os valores de p < 0,05.

Resultados

Foram avaliados 144 pacientes admitidos na UTI, sendo 29 (20,1%) com sepse e 115 (79,9%) sem sepse. Entre o grupo dos sépticos, 55,2% eram do sexo masculino, e a média de idade foi de 73,1 ± 14,6 anos. Já nos pacientes sem sepse, somente 36,3% eram do sexo masculino, e a média de idade foi de 68,7 ± 17,7 anos. A média do escore APACHE II foi de 23,8 ± 9,1 e 18,4 ± 9,5 nos pacientes sépticos e não sépticos, respectivamente. Entre as variáveis estudadas acima, houve associações estatisticamente significativas do diagnóstico de sepse com a média do APACHE II (p = 0,012) e com o motivo de internação (p = 0,049; Tabela 1).





O motivo de internação foi predominantemente de natureza clínica em ambos os grupos, correspondendo a 89,7% e 72,1% das internações entre os pacientes sépticos e não sépticos, respectivamente. As categorias diagnósticas à admissão na UTI de todos os pacientes e o foco de infecção nos pacientes sépticos estão esquematizados nas Tabelas 2 e 3, respectivamente.








O tempo de permanência em UTI foi maior no grupo dos sépticos, sendo de 9,3 ± 10,1 dias vs. 6,7 ± 9,6 dias em relação ao grupo dos não sépticos. A mesma predominância foi observada quanto ao tempo de internação hospitalar: 31,9 ± 30,0 dias e 20,8 ± 22,7 dias nos pacientes com e sem sepse, respectivamente. No entanto, não houve associações significativas entre essas variáveis (Tabela 1).

O óbito em UTI foi observado em 38,5% dos pacientes com sepse vs. 15,2% dos sem sepse. Já a mortalidade hospitalar foi de 60,0% e 20,6% nos pacientes com e sem sepse na UTI, respectivamente. Foi constatada uma associação do diagnóstico de sepse com mortalidade em UTI (p = 0,003) e com mortalidade hospitalar (p < 0,001; Tabela 1).

As médias das temperaturas foram muito semelhantes entre os dois grupos, de 36,5 ± 1,3°C e de 36,3 ± 0,9°C nos pacientes com e sem sepse, respectivamente. A pressão arterial média foi mais baixa nos pacientes com sepse do que naqueles sem sepse (87,6 ± 26,4 mmHg vs. 102,2 ± 29,0 mmHg). Além disso, 34,5% dos pacientes sépticos estavam hipotensos à admissão vs. 9,6% entre os sem sepse. As médias das FCs foram superiores nos pacientes sépticos (110,5 ± 26,7 bpm vs. 93,9 ± 27,3 bpm). Porém, as médias das FRs de ambos os grupos foram acima do normal (25,9 ± 5,8 ciclos/min e 23,8 ± 6,3 ciclos/min nos indivíduos com e sem sepse, respectivamente). Foram observadas associações estatisticamente significativas do diagnóstico de sepse na UTI com as medidas de pressão arterial média (p = 0,013) e com a FC (p = 0,005; Tabela 4).





Pacientes com sepse apresentaram mais frequentemente contagens de leucócitos > 10.000/mm3 e valores de hematócrito inferiores aos dos pacientes sem sepse. Diferenças significativas nos valores das plaquetas, razão normalizada internacional, base excess e lactato não foram observadas entre os grupos. Os parâmetros gasométricos (PaCO2, PaO2, SaO2 e bicarbonato) não obtiveram diferenças estatisticamente significantes (Tabela 4).

Os pacientes com sepse necessitaram medidas de suporte mais frequentemente do que aqueles sem sepse, como uso de drogas vasoativas (35,5% vs. 15,0%; p = 0,05), antibioticoterapia (100,0% vs. 74,8%; p < 0,001), corticoterapia (72,4% vs. 58,0%; p = 0,081) e ventilação mecânica (41,4% vs. 25,0%; p = 0,081).

Entre os pacientes sépticos, algumas variáveis relacionaram-se com o desfecho clínico de mortalidade em UTI ou hospitalar. A média do valor de hematócrito foi de 23,45 ± 8,62% nos que evoluíram ao óbito em UTI vs. 29,84 ± 5,70% nos que sobreviveram (p = 0,028). O uso de ventilação mecânica nas primeiras 24 h em UTI também se mostrou estatisticamente significativo com o desfecho dos pacientes sépticos, pois entre aqueles submetidos a essa intervenção, 63,6% evoluíram ao óbito na UTI (p = 0,045) e 90,1%, no hospital (p = 0,013). A mortalidade também foi maior nos pacientes que utilizaram corticoides (55,6% vs.
7,4%; p = 0,029) e drogas vasoativas (88,9% vs. 50,0%; p = 0,049).

Discussão

O presente estudo revelou uma alta proporção de pacientes diagnosticados com sepse na admissão na UTI avaliada. O número encontrado assemelhou-se aos de dois estudos multicêntricos nacionais referentes à presença de sepse em UTI: o estudo BASES apresentou uma incidência de 20,3% e o estudo Sepse Brasil teve uma incidência de 16,7%.(5,8) No entanto, a sepse é um processo dinâmico, e muitos pacientes que não cumprem critérios para sepse na admissão em UTI podem apresentá-los nos dias subsequentes. O estudo BASES, por exemplo, revelou que 9,6% de todos os pacientes incluídos foram diagnosticados com sepse somente após a admissão na UTI.(5)

A média elevada de idade (> 60 anos) dos pacientes admitidos na UTI neste estudo, independentemente do diagnóstico de sepse, também é uma constante em estudos nacionais e em países desenvolvidos, como EUA, Reino Unido, França e Espanha, já que a expectativa de vida vem aumentando, e idosos têm um maior risco de apresentar doenças graves que podem resultar em internação em UTI.(2,3,5-10,12-14) Um estudo nos EUA constatou que, no período de 22 anos, a média de idade de pacientes com sepse aumentou de 57,4 anos para 60,8 anos.(3) Além disso, o mesmo estudo reforça dados da literatura quanto à maior média de idade de pacientes com diagnóstico de sepse em UTI quando comparados aos pacientes sem sepse, o que pode refletir uma maior vulnerabilidade do sistema imunológico de indivíduos mais idosos perante processos infecciosos.

Neste estudo, o sexo masculino esteve mais associado à admissão por sepse na UTI, embora o tipo de delineamento adotado não permita a realização de uma inferência causal. A literatura corrobora esse achado,(8,10,13,15) e alguns estudos defendem que diferenças hormonais entre os sexos e níveis mais elevados de mediadores anti-inflamatórios nas mulheres sejam as prováveis causas das maiores incidências de sepse e piores desfechos no sexo masculino.(15,16)

O escore do APACHE II esteve mais alto nos pacientes admitidos com sepse, havendo uma diferença importante entre as médias dos dois grupos de pacientes, o que também foi observado no estudo BASES.(5)

Isso se deve ao fato de que pacientes sépticos apresentam mais frequentemente comorbidades associadas e distúrbios agudos que alteram seus dados vitais e muitos exames laboratoriais, os quais compõem os critérios do APACHE II.(5,8) Além disso, os valores encontrados neste estudo (18,4 ± 9,5 e 23,8 ± 9,1 para pacientes não sépticos e sépticos, respectivamente) foram limítrofes às médias encontradas na literatura. Em estudos nacionais, as médias do APACHE II para pacientes gerais internados em UTI variam entre 15,0 e 18,4.(2,5,13) Já no que se refere a pacientes sépticos, a maioria dos estudos revela uma média de escore do APACHE II entre 18 e 20, havendo algumas exceções, como em um estudo na Espanha cuja média foi de 25,5 ± 7,1.(5,8-10,12) Os valores levemente aumentados encontrados neste estudo podem ser resultado do perfil da UTI estudada, onde predominam pacientes de maior idade com doenças crônicas e maior número de internações clínicas. Já se havia comprovado a associação do escore do APACHE II com a gravidade e a mortalidade de pacientes nas UTI, mas este estudo reforça também a associação desse escore com o diagnóstico de sepse, por se tratar de um quadro de importante gravidade.
A mortalidade de pacientes sépticos em UTI, assim como a mortalidade hospitalar, foi superior àquela de pacientes não sépticos, evidenciando o impacto dessa síndrome clínica e reforçando a importância do tratamento precoce para minimizar os efeitos sobre os desfechos clínicos.

Constatou-se também que a mortalidade hospitalar de pacientes sépticos (60,0%) foi muito maior do que a encontrada na UTI (38,5%).

Esse fato pode fundamentar uma abordagem mais cautelosa desses pacientes, inclusive no momento da alta da UTI, já que um estudo mostrou que pacientes com quadros prévios de sepse podem ser ameaçados por suas complicações até 5 anos depois, pois o episódio agudo de sepse pode levar a alterações orgânicas irreversíveis que podem repercutir tardiamente, como, por exemplo, a piora de doenças crônicas.(17)

A mortalidade em UTI de pacientes não sépticos encontrada neste estudo foi de 15,2%, discretamente superior àquela observada no estudo BASES (12%).(5) Já a mortalidade em UTI de pacientes sépticos foi de 38,5%, similar à encontrada em outros estudos.(5,8,10,12,13) Como este estudo não separou o grupo global de sepse em "sepse grave" e "choque séptico", não foi possível comparar melhor a mortalidade com mais dados da literatura, pois muitos estudos fazem essa distinção e evidenciam uma mortalidade muito maior entre os pacientes que cumprem critérios para sepse grave e choque séptico.

O tempo de internação em UTI e o tempo hospitalar foram muito superiores no grupo dos sépticos do que no grupo dos não sépticos, já que, em geral, pacientes com quadros prévios de sepse requerem maior tempo de observação e têm maiores chances de complicações. A nossa média de tempo de internação em UTI dos pacientes sépticos foi inferior àquelas encontradas em estudos realizados em Pernambuco e no Acre, além daquela encontrada no estudo multicêntrico Sepse Brasil,(2,8,10) mas foi superior à encontrada em um estudo no Rio Grande do Sul.(12) É importante ressaltar o tempo prolongado de internação hospitalar dos pacientes sépticos observado neste estudo (31,9 ± 30,0 dias), pois isso pode indicar possíveis complicações dos pacientes ao saírem da UTI ou até mesmo a necessidade de reinternação na UTI.

Ressalta-se que a temperatura isoladamente não deve ser um critério a ser valorizado no diagnóstico de sepse, pois os pacientes admitidos com sepse não tiveram seus valores de temperatura significativamente diferentes daqueles sem sepse.

Já foi observado que o uso de medidas de suporte em UTI, tais como antibioticoterapia, corticoterapia, drogas vasoativas e ventilação mecânica, está associado à mortalidade de pacientes internados em UTI, mas este estudo reforça o fato de que pacientes com sepse requerem uma quantidade muito maior desses procedimentos, havendo uma associação significativa entre seu uso e o diagnóstico de sepse.(2,8) Além disso, o presente estudo apresentou uma população de pacientes sépticos graves, tendo como base a relação evidenciada entre o emprego das medidas supracitadas e a mortalidade.

A alta prevalência do sitio respiratório como fonte de infecção para sepse, demonstrada neste estudo e corroborada por outros autores, é compatível com a proporção de pacientes admitidos com doenças pulmonares, sobretudo com infecções respiratórias. Ressalta-se que esse dado é favorecido pela amostra, composta na sua maioria por idosos, que geralmente apresentam um maior risco de desenvolver tais infecções, além do número crescente de pacientes submetidos à ventilação mecânica em UTI.(5,8,10)

O valor do hematócrito apresentou-se como o único marcador laboratorial relacionado ao pior prognóstico de pacientes sépticos. Apesar de poucos estudos a respeito, acredita-se que os altos níveis de mediadores inflamatórios produzidos durante a resposta aguda da sepse resultem na redução da meia-vida dos eritrócitos, por conta de uma deformidade nas membranas dessas células, causada pelas espécies reativas de oxigênio circulantes. Apesar de haver a necessidade de compensação pela medula óssea, a produção de novas hemácias acaba sendo insuficiente, pois tanto a produção de eritropoietina, quanto a resposta da medula óssea ao estímulo da eritropoietina, também são afetadas pelo processo inflamatório. Portanto, a redução da massa eritrocitária aliada à hemodiluição decorrente da expansão volêmica podem resultar na diminuição do valor do hematócrito e indicar um processo inflamatório mais exacerbado nesses pacientes.(18-20) No entanto, futuros estudos são fundamentais para confirmar essas hipóteses.

O estudo apresenta algumas limitações. Os pacientes foram divididos em sépticos e não sépticos. Entretanto, não foi obtido um poder amostral suficiente para avaliar isoladamente a presença de sepse grave e choque séptico. Outra limitação foi o fato de que o diagnóstico de sepse somente foi realizado na admissão à UTI, já que se trata de uma doença de evolução dinâmica e que pacientes inicialmente classificados como não sépticos podem ter evoluído para sepse nos dias subsequentes. Seria interessante relacionar os diagnósticos de base e o foco de infecção dos pacientes sépticos com a mortalidade; no entanto, o tamanho amostral impossibilitou uma análise adequada.

Este estudo demonstrou uma elevada mortalidade de pacientes em UTI com sepse, e houve uma relação da presença de sepse com o prolongamento de internação desses pacientes. Além disso, este estudo confirmou que a sepse influencia dados vitais e exames laboratoriais, mas somente o valor do hematócrito foi capaz de predizer o risco de morte isoladamente entre os pacientes sépticos. Ressalta-se a alta incidência do emprego de medidas de suporte entre os pacientes sépticos, confirmando a gravidade da doença e a relação do uso dessas medidas com o pior prognóstico desses pacientes, já que intrinsecamente se tratam de indivíduos mais graves. É necessário que uma pesquisa, envolvendo diversas UTI no estado da Bahia, seja realizada para que conclusões regionais a respeito da sepse em UTI sejam fundamentadas.


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* Trabalho realizado no Hospital Português, Salvador (BA) Brasil.
Endereço para correspondência: Verena Ribeiro Juncal. Avenida Sete de Setembro, 1978, apto. 1701, Vitória, CEP 40080-002, Salvador, BA, Brasil.
Tel 55 71 3336-2331. E-mail: verenajuncal@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 17/3/2010. Aprovado, após revisão, em 26/10/2010.



Sobre os autores

Verena Ribeiro Juncal
Acadêmica de Medicina. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador (BA) Brasil. Interna. UTI Geral do Hospital Português, Salvador (BA) Brasil.

Lelivaldo Antonio de Britto Neto
Acadêmico de Medicina. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador (BA) Brasil. Interno. UTI Geral do Hospital Português, Salvador (BA) Brasil.

Aquiles Assunção Camelier
Professor Assistente. Departamento de Farmacologia, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador (BA) Brasil. Médico Intensivista. Hospital Português, Salvador (BA) Brasil.

Octavio Henrique Coelho Messeder
Professor Adjunto. Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil. Coordenador. UTI Geral do Hospital Português, Salvador (BA) Brasil.

Augusto Manoel de Carvalho Farias
Médico Pneumologista Intensivista. UTI Geral do Hospital Português, Salvador (BA) Brasil.

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