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Artigo Original

Fatores preditivos da evolução da asma aguda em crianças

Factors predictive of the development of acute asthma attacks in children

Maria Luisa Zocal Paro, Joaquim Carlos Rodrigues

ABSTRACT

Objective: To use clinical and functional characteristics observed upon admission to an emergency room to identify factors predictive of the occurrence and course of acute asthma attacks in children. Methods: We prospectively studied 130 asthmatic children, from 1 to 13 years of age, who were treated for acute asthma attacks in an emergency room, evaluating status determined at admission and over the course of the crisis. Clinical scores were determined and arterial oxygen saturation by pulse oximetry was measured, as was peak expiratory flow. Results: The initial clinical score, arterial oxygen saturation by pulse oximetry and peak expiratory flow correlated with the number of inhalations performed, as well as with the need for corticosteroid treatment. Mean initial clinical score and mean arterial oxygen saturation by pulse oximetry of the hospitalized patients were statistically different from those of patients who were not hospitalized. Initial clinical score, arterial oxygen saturation and prior treatment for the same exacerbation were predictive of the need for hospitalization. Conclusion: The measurement of arterial oxygen saturation by pulse oximetry and the clinical score were useful in predicting the occurrence and course of acute asthma attacks in children. The measurement and interpretation of peak expiratory flow is difficult in children and, under these conditions, served no practical application.

Keywords: Asthma; Acute disease; Prospective studies; Predictive value of tests; Child

RESUMO

Objetivo: Identificar fatores preditivos da evolução da asma aguda, a partir de características clínicas e funcionais observadas no momento da admissão de crianças em unidade de emergência. Métodos: Este estudo avaliou prospectivamente 130 crianças com asma aguda, na faixa etária de um a treze anos, no momento da admissão e durante a evolução em unidade de emergência, através de escore clínico e medidas de saturação arterial de oxigênio por oximetria de pulso e do pico de fluxo expiratório. Resultados: Os valores iniciais de escore clínico, saturação arterial de oxigênio medida por oximetria de pulso e pico de fluxo expiratório apresentaram correlação com o número de inalações realizadas e a necessidade do uso de corticosteróide. As médias dos valores iniciais de escore clínico e da saturação arterial de oxigênio dos pacientes que foram internados foram estatisticamente diferentes das dos que não foram internados. Os valores iniciais de escore clínico e de saturação arterial de O2 e a existência de atendimento anterior pela mesma exacerbação foram preditivos da necessidade de hospitalização das crianças. Conclusões: A medida da saturação arterial de O2 e o escore clínico foram úteis para predizer a evolução da asma aguda em crianças. A medida do pico de fluxo expiratório é de difícil obtenção e interpretação nessa condição e demonstrou ter pouca aplicação prática.

Palavras-chave: Asthma; Acute disease; Prospective studies; Predictive value of tests; Child

INTRODUÇÃO

O principal desafio na avaliação de crianças com asma aguda é determinar se, após tratamento adequado em uma unidade de emergência (UE), elas podem ser encaminhadas seguramente para tratamento domiciliar ou necessitam de internação. Mais de um quarto dos pacientes asmáticos que são atendidos na UE e dispensados para o domicílio apresentam recidiva da asma aguda alguns dias após o atendimento.(1-2) As crianças que respondem favoravelmente aos broncodilatadores, mas têm recidivas precoces, constituem um dilema para o médico que trabalha em UE.

Diversos estudos efetuados em UE, tanto em adultos quanto em crianças, analisaram vários índices preditivos na busca de um critério seguro e eficaz para indicação de hospitalização dos pacientes com asma aguda.(2-11) A dificuldade e a subjetividade da avaliação clínica, particularmente em crianças, justificam sua complementação com medidas mais objetivas da intensidade da asma aguda.(3) Os principais métodos utilizados para a avaliação da gravidade da asma aguda na UE são os parâmetros clínicos e as medidas de saturação arterial de oxigênio por oximetria de pulso (SpO2) e de pico de fluxo expiratório (PFE). A maioria dos estudos mostra uma associação entre os valores iniciais da SpO2 na UE e a necessidade de hospitalização.(5,7,10)

Entretanto, a interpretação dos resultados e os valores da SpO2 adotados como ponto de corte para indicar a hospitalização foram discrepantes em alguns estudos.(5,6) A medida do PFE é recomendada nos consensos sobre o manejo da asma, como critério para avaliação da gravidade da asma aguda, com base em alguns estudos que mostraram uma boa correlação do PFE com o volume expiratório forçado no primeiro segundo e com a necessidade de hospitalização dos pacientes.(5-6) No entanto, outros estudos não encontraram correlação entre o PFE inicial e a necessidade de hospitalização.(8-9,11)

Assim, embora existam várias publicações sobre o tema, não há um consenso em relação à importância relativa desses parâmetros na decisão de hospitalização dos pacientes, o que nos motivou a realizar este estudo. O nosso objetivo foi identificar, no momento da avaliação inicial na UE, os fatores clínicos e laboratoriais preditivos da evolução da asma aguda em crianças.

MÉTODOS

Foram estudadas prospectivamente 130 crianças admitidas com asma aguda na Unidade de Emergência do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no período de setembro de 1996 a maio de 1997. Foram incluídas crianças com história familiar de atopia e pelo menos dois episódios anteriores de crise de sibilância, com melhora clínica após uso de broncodilatador. Foram excluídas as crianças portadoras de hemoglobinopatias, bronquiolite aguda, cardiopatias congênitas ou adquiridas, fibrose cística, displasia broncopulmonar e as com idade inferior a um ano. O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pela Comissão de Ética Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e do Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi obtido consentimento dos pais ou responsáveis para a inclusão da criança no estudo.

Foi preenchido um questionário clínico de cada paciente contendo dados da crise atual e da história pregressa da asma. Foram obtidos dados antropométricos, de exame físico e efetuou-se a medida da SpO2 em ar ambiente de todas as crianças. A medida do PFE foi realizada nos pacientes com idade superior a cinco anos. Foi aplicado o escore clínico de Wood-Downes(12) (Quadro 1), sendo considerados normais os valores da freqüência respiratória preconizados por Waring.(13) Os parâmetros do escore foram avaliados numa escala de 0 a 2, com gravidade crescente. Da soma destes valores obteve-se o escore em cada momento da avaliação.






A SpO2 foi mensurada através de um oxímetro de pulso (Dixtal, DX 2405, Oxypleth), conectado ao dedo indicador ou hálux da criança, através de um sensor de tamanho apropriado para a idade, em ar ambiente. A SpO2 foi registrada após o primeiro minuto de estabilização, como o valor que permaneceu mais constante durante o segundo minuto.

O valor do PFE foi obtido por meio de um aparelho portátil, o Peak Flow Meter de Wright (Clement Clarke International Ltd., London, England), solicitando-se à criança que ficasse em posição ortostática e, após uma inspiração máxima, realizasse uma expiração forte e rápida. Essa manobra foi repetida três vezes, sendo registrado o maior valor obtido, expresso em porcentagem do valor previsto para a altura e sexo do paciente, utilizando-se a equação de Torres et al.(14)

A partir dos resultados do escore clínico, da SpO2 e do PFE obtidos inicialmente, classificou-se a intensidade da asma aguda, utilizando-se os seguintes critérios: 1)leve: escore clínico < 3, SpO2 > 95% e PFE >70% do previsto; 2) moderada: escore entre 4 e 6, SpO2 entre 91 e 94% e PFE entre 50 e 70%; 3) grave: escore > 7, SpO2 < 91% e PFE < 50%. Os critérios para a SpO2 e o PFE foram baseados no Consenso Internacional de diagnóstico e manejo da asma.(15-17)

Após essa avaliação inicial, foi instituída a terapêutica, com base nas recomendações do mesmo consenso internacional.(16-17) Os pacientes receberam nebulizações intermitentes na dose de 0,15 mg/kg de uma solução de salbutamol a 0,5%, adicionada a 5 ml de solução de cloreto de sódio a 0,9%, com fluxo contínuo de oxigênio de 6l/minuto. Após as avaliações, dependendo da resposta, as nebulizações eram repetidas a cada vinte minutos, até no máximo duas horas após o início do tratamento. Todos os pacientes foram avaliados pelo mesmo autor cinco minutos após a primeira, terceira e sexta inalações, durante o período de permanência na UE. Em cada um desses momentos, registraram-se os valores do escore clínico, da SpO2 em ar ambiente e do PFE.

Seguindo as normas do Consenso Internacional de Diagnóstico e Manejo da Asma,(16-17) foram adotados os seguintes procedimentos no manejo dos pacientes: pacientes com nenhuma melhora clínica e com SpO2 < 91% após a primeira ou terceira nebulização, ou melhora clínica parcial e SpO2 entre 91% e 94% após a terceira nebulização, receberam uma dose endovenosa de metilprednisolona de 2mg/Kg; considerou-se a alta para o domicílio, independentemente do número de nebulizações, após melhora clínica marcada e SpO2 > 95%; indicou-se hospitalização quando, após um número máximo de seis nebulizações consecutivas, não houve melhora clínica satisfatória, sendo mantida a SpO2 abaixo de 95%; nos pacientes com SpO2 < 91% após a terceira nebulização, indicou-se a hospitalização; prescreveu-se beta2-agonista por via inalatória a cada seis horas, por um período de cinco dias e corticosteróide por via oral quando houve necessidade de administrar corticosteróide endovenoso na UE, ou quando os pacientes já estavam utilizando beta2-agonista previamente; nestes casos, utilizou-se prednisona ou prednisolona, por cinco dias, na dose matinal diária de 1 mg/Kg.

A concordância entre os diferentes parâmetros para a classificação dos pacientes quanto à intensidade da asma aguda foi avaliada através do índice kappa e da classificação de Landis e Koch.(18) Para analisar as diferenças entre os grupos de pacientes internados e não internados foram empregados os seguintes métodos estatísticos: análise de variância, regressão linear, teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, comparações múltiplas de Tukey, teste qui-quadrado e teste exato de Fisher. Os resultados das variáveis numéricas foram apresentados em valores médios e intervalos de confiança de 95% para as médias. Em todos os testes estatísticos fixou-se em 0,05 o nível para rejeição da hipótese de nulidade.

RESULTADOS

Foram estudados cento e trinta pacientes com idade média de 68,67 + 39 meses. A proporção entre as crianças do sexo masculino e feminino foi de 1,8:1.

A maioria dos pacientes iniciou os sintomas de asma antes dos três anos de idade (86,9%), sendo que 41,5% iniciaram no primeiro ano de vida. Apenas 21,5% dos pacientes utilizavam medicação profilática no momento da avaliação e 43,1% tinham internação prévia. Com relação ao uso de medicamentos nas 24 horas anteriores ao atendimento, 63,8% receberam medicação broncodilatadora e 12,3% corticosteróides.

Cinqüenta e nove pacientes iniciaram os sintomas da crise atual havia 48 horas ou mais (45,4%) e 30% foram atendidos anteriormente pela mesma crise. De acordo com a classificação proposta no Consenso Internacional de Diagnóstico e Manejo da Asma,(15-16) os percentuais de pacientes que apresentavam asma intermitente leve, persistente leve, persistente moderada e persistente grave foram de 61%, 21,5%, 9,3% e 7,7%, respectivamente.

O PFE inicial foi obtido em 56 das crianças com idade acima de cinco anos (87,5%), sendo que 8 crianças não efetuaram a manobra, por falta de colaboração ou incapacidade de realização do exame pela intensidade da asma aguda. Houve diferenças na distribuição dos pacientes quanto à gravidade da crise atual, considerando-se as classificações pelo escore clínico, SpO2 e PFE. Pelo critério estabelecido para o PFE, 32,1% das crises foram classificadas como leves, enquanto que para os critérios estabelecidos para escore clínico e SpO2, as crises leves representaram 68,5% e 65,4%, respectivamente. O cálculo do índice kappa mostrou, segundo o critério de Landis e Koch,(18) grau de concordância leve entre as classificações por escore e SpO2 e por SpO2 e PFE, e concordância muito leve entre as classificações por escore e PFE.

Realizaram de uma até três nebulizações 88 pacientes (67,7%) e 32,3% necessitaram de seis nebulizações. Utilizou-se a técnica estatística de regressão linear para medir o grau de correlação entre o número de nebulizações e os valores iniciais obtidos para o escore clínico, a SpO2 e o PFE. Observou-se uma correlação entre o número de inalações necessárias para o alívio da crise e maiores valores iniciais de escore clínico e menores valores iniciais de SpO2 e PFE (p < 0,001). Os valores do coeficiente de determinação para escore clínico, SpO2 e PFE foram 0,329, 0,207 e 0,260, respectivamente.

Receberam corticosteróide durante o atendimento na UE 68 pacientes (52,3%). Observou-se que a média dos escores clínicos iniciais dos pacientes que receberam corticosteróide foi significativamente maior do que a média dos pacientes que não necessitaram recebê-lo (p < 0,001), e que as médias de SpO2 e de PFE iniciais foram significativamente menores nos pacientes que necessitaram de corticosteróide (p < 0,001 e p = 0,004, respectivamente). A Tabela 1 apresenta os cálculos de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo para predizer o uso de corticosteróide, utilizando-se diferentes níveis de corte para os valores de escore clínico, SpO2 e PFE obtidos no momento da admissão na UE.







Das 130 crianças estudadas, 22 preencheram os critérios para internação estabelecidos previamente pelo consenso (16,9%),(15-16) sendo que em 5 casos os pais recusaram a internação e a criança foi dispensada para o domicílio por decisão do responsável (3,8%). Assim, foram internadas 17 crianças (13,1%) e 7 das que foram dispensadas apresentaram recidiva da asma aguda em um período de até sete dias após o atendimento e retornaram à UE (6,5%), sendo que 2 foram internadas. Entre os 5 pacientes que foram dispensados por decisão familiar, 4 retornaram ao ambulatório e não apresentaram recidivas. Somente 1 criança não retornou e não foi possível o contato após o atendimento na UE.

Houve diferença estatisticamente significativa quanto às médias do número de atendimentos anteriores pela crise atual (p = 0,02) e dos valores iniciais do escore clínico (p < 0,001) e da SpO2 (p < 0,001) entre os pacientes que foram internados e os que não foram internados. A média de PFE inicial entre os pacientes que foram internados foi mais baixa do que a dos que não foram internados. Entretanto, esta diferença não foi significativa (p = 0,05). Estes dados estão apresentados na Tabela 2.





Utilizando-se vários níveis de corte para os valores iniciais de escore clínico, SpO2 e PFE, foram calculados a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo para predizer a necessidade de hospitalização. Estes resultados estão apresentados na Tabela 3.





A proporção de crianças que haviam apresentado asma aguda nos últimos 30 dias foi maior entre as crianças que apresentaram recidivas da crise do que entre as que não apresentaram recidivas (p = 0,01).
Também houve diferença entre os grupos com e sem recidiva, em relação ao número de inalações recebidas na UE, sendo que a maioria dos pacientes que não tiveram recidivas realizou de uma até três inalações, enquanto que no grupo com recidivas houve maior proporção de casos que realizaram 6 inalações (p = 0,02).

A análise estatística pelo método de Tukey mostrou que não houve diferença significativa entre os pacientes que foram dispensados e tiveram recidiva da crise e os pacientes que foram dispensados e não tiveram recidiva em relação a idade, idade de início da asma, escore clínico, SpO2 e PFE (p > 0,05) (Tabela 4).





A análise pelo teste exato de Fisher e teste qui- quadrado mostrou que não houve diferença significativa entre os pacientes que foram internados e os que não foram internados e entre os dispensados e com recidiva da crise, em relação à distribuição por idade, sexo, número de hospitalizações prévias por asma, admissão prévia em unidade de terapia intensiva, limitação de atividade física, uso de medicação profilática, classificação da asma, início dos sintomas da crise atual, intervalo desde a última crise, medicamentos utilizados nas últimas 24 horas e uso de corticosteróide após o atendimento na UE.

DISCUSSÃO

Um grande número de crianças com asma aguda é atendido em UE e, apesar de existirem consensos quanto à abordagem terapêutica, faltam estudos quanto a critérios preditivos da evolução da asma aguda no sentido de orientar os profissionais para uma melhor decisão inicial quanto ao seu manejo, indicações de hospitalização e prevenção de recidivas, com o objetivo de se otimizar o atendimento, minimizar o sofrimento do paciente e reduzir os custos para o sistema de saúde.(19-20)

Reconhece-se a dificuldade e subjetividade da avaliação clínica da intensidade da asma aguda, particularmente em crianças, e a necessidade da sua complementação com medidas mais objetivas.(3,21-22) A oximetria tem sido recomendada para a monitorização da hipoxemia presente na crise asmática, destacando-se sua utilidade na faixa etária pediátrica por não necessitar da colaboração da criança para a medida da SpO2.(1,6-7,23) A maioria dos estudos mostra uma associação entre os valores iniciais da SpO2 na UE e a necessidade de hospitalização.(5, 7,10) Entretanto, a interpretação dos resultados e os valores da SpO2 adotados como ponto de corte para indicar a hospitalização foram discrepantes em alguns estudos.(5-6) A medida do PFE é recomendada nos consensos sobre o manejo da asma.(1,15-17) como critério para avaliação da gravidade da crise asmática e da resposta à terapêutica, baseada em alguns estudos que mostraram uma boa correlação do PFE com o volume expiratório forçado no primeiro segundo e com a necessidade de hospitalização dos pacientes.(5- 6,23) No entanto, outros estudos não encontraram correlação entre o PFE inicial e a necessidade de hospitalização.(8, 9,11)

Com relação à classificação da intensidade da asma aguda, utilizando-se os critérios estabelecidos pelo Consenso Internacional de Diagnóstico e Manejo da Asma,(15-16) houve melhor concordância de classificação, na nossa casuística, quando se confrontou SpO2 e escore clínico, e SpO2 e PFE. A metade dos casos foi considerada crise de intensidade leve pelos valores iniciais de escore clínico e de SpO2. Entretanto, o grau de concordância entre esses dois parâmetros foi leve, considerando-se os índices de kappa e o critério de Landis e Koch.(18) Pelo critério estabelecido para o PFE somente 32,1% das crises de asma foram classificadas como leves. Este dado sugere que o critério de classificação baseado nos valores iniciais do PFE pode estar superestimando a gravidade da asma aguda. Isto ocorre porque, por ser ele esforço-dependente, as crianças têm maior dificuldade na execução da medida do PFE quando estão em asma aguda do que quando em seguimento ambulatorial, o que leva a uma tendência na redução dos seus valores.(24)

A observação, neste estudo, de uma considerável discordância entre os graus de classificação da asma aguda, de acordo com os critérios internacionais(15-17) estabelecidos para os diferentes parâmetros estudados (escore clínico, SpO2 e PFE), justifica a realização de novos estudos quanto à importância relativa dos diferentes critérios utilizados para classificação da intensidade da asma aguda e quais deveriam ser priorizados.

Alguns autores verificaram em estudo prévio que as médias de SpO2 e de PFE na avaliação inicial estavam correlacionadas com o número de tratamentos com broncodilatador na UE (p < 0,0001).(11) Em nosso estudo, os valores iniciais do PFE apresentaram correlação com o número de inalações necessárias para o alívio da asma aguda e a necessidade do uso de corticosteróide, mas não com a necessidade de hospitalização. Os valores iniciais de escore clínico e SpO2 apresentaram correlação significativa com a gravidade da asma aguda, medida pelo número de inalações necessárias para o alívio da crise, necessidade do uso de corticosteróide e necessidade de hospitalização.

O uso precoce de corticosteróide sistêmico na asma aguda, oral ou endovenoso, está bem estabelecido.(17,25-26) Entretanto, não há critérios objetivos na literatura sobre a indicação de corticosteróide no tratamento da asma aguda, com base nos valores iniciais de escore clínico, SpO2 e PFE. Alguns autores verificaram que valores da SpO2, pós- nebulização com salbutamol, menores que o nível de corte de 91% tiveram maior sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo para indicação de terapêutica endovenosa em crianças com asma aguda. Em nosso estudo, verificamos que 100% das crianças que foram admitidas na UE com escore clínico inicial igual ou acima de 7 e SpO2 abaixo de 91% (Tabela 2) receberam corticosteróide de acordo com a norma internacional previa-mente estabelecida. Baseando-se nesta observação, é possível se estabelecer critérios para antecipar a introdução de corticosteróide no momento da admissão da criança asmática na UE, o que pode contribuir para uma melhora clínica e funcional mais rápida do paciente. Estudos anteriores mostraram que o retardo na indicação de utilização dos corticosteróides pode resultar em um número maior de admissões e alterar o prognóstico da evolução da asma aguda.(25-26)
Alguns trabalhos demonstraram que a SpO2 é um parâmetro melhor do que o PFE para predizer a evolução da asma aguda.(5-6,23) Observou-se que a SpO2 e o PFE podem predizer a necessidade de internação em algum grau, mas apenas a SpO2 tem habilidade de predizer recidiva.(6)
Os dados da literatura mostram que uma SpO2 inicial abaixo de 91% indica a necessidade de internação do paciente com asma aguda.(7-8,27) Os estudos que examinam a utilidade de avaliações clínicas ou objetivas de gravidade da asma para predizer a necessidade de hospitalização geralmente medem a sensibilidade e a especificidade dos testes ou parâmetros estudados. No entanto, alguns autores enfatizaram que, nesta situação, o valor preditivo positivo tem um peso maior do que a especificidade do teste. Os valores preditivos positivos podem ser baixos, mesmo quando a especificidade é alta.(10)

A análise dos dados da Tabela 3 mostra que a SpO2 abaixo de 91% teve uma alta especificidade (97,3%) e o mais alto valor preditivo positivo para indicar internação (62,5%). Dentre as 10 crianças com SpO2 inicial menor ou igual a 91%, 6 foram internadas (60%). Entretanto, a maioria das crianças internadas pelos critérios clínicos estabelecidos, previamente calcados no Consenso Internacional de Diagnóstico e Manejo da Asma, tinha SpO2 acima de 91% (64,7%). Dentre as outras 11 crianças internadas, 7 tinham SpO2 inicial entre 92% e 95% e 4 tinham SpO2 igual ou superior a 96%.

A análise destes dados sugere que a SpO2, apesar de específico, pode ser um parâmetro pouco sensível para a detecção inicial dos pacientes que necessitam de hospitalização. No entanto, os critérios utilizados para internação estabelecidos pelo mesmo consenso internacional podem ser muito rigorosos, o que pode levar a se superestimar a necessidade de internação. O fato de as crianças que não foram internadas por decisão familiar terem apresentado boa evolução, sem recidiva da crise, pode reforçar esta hipótese. Observou-se, nesta casuística, que várias crianças foram internadas, apesar da melhora dos parâmetros clínicos, porque os níveis de SpO2 sofriam uma queda abrupta inicial e mantinham-se abaixo de 95%, após as várias inalações com beta2-agonista. A ação das drogas beta2-agonistas pode causar um desbalanço transitório na relação entre ventilação e perfusão, mantendo a hipoxemia apesar da melhora da obstrução ao fluxo aéreo.(28)

Na nossa casuística, a SpO2 não foi útil em predizer a possibilidade de recidiva da asma aguda. Nenhuma das crianças que teve recidiva apresentou SpO2 inicial menor ou igual a 91%. Entretanto, o pequeno número de pacientes com recidiva em nosso estudo (n = 7) não permitiu esta análise de maneira adequada, o que poderá ser realizado em novos estudos com casuística maior.

Duas considerações críticas ao nosso estudo merecem ser mencionadas. O fato de termos utilizado os níveis de SpO2 como parâmetro para a decisão de internação ou alta dos nossos pacientes pode trazer limitações quanto à utilização deste parâmetro como preditor. Outra limitação foi a ausência de cegamento do investigador que decidiu sobre a internação ou a alta dos pacientes (entretanto, o investigador não considerou os níveis iniciais de SpO2 na hora da decisão). Contudo, a metodologia aplicada e a análise estatística criteriosa, mesmo limitadas pelo uso de um parâmetro na predição e que também fez parte da decisão de internação, apontam para a valorização deste parâmetro como melhor predição de internação.

Estudos realizados em adultos mostraram que o critério espirométrico é importante para a decisão de dispensa do paciente atendido nas UE.(4,29) No entanto, em um estudo concluiu-se que as medidas de PFE inicial, bem como as de SpO2, não foram úteis em identificar as crianças que foram internadas.(8) Em outro estudo, observou-se que o PFE inicial conseguiu identificar as crianças que foram internadas, mas não aquelas que foram dispensadas e apresentaram recidiva da asma aguda.(6)

A medida do PFE em crianças atendidas na UE é de difícil interpretação.(24) Este fato, adicionado às dificuldades em se obter a colaboração da criança em asma aguda para realizar a manobra do PFE, torna questionável a real utilidade da medida do PFE nessa situação. A SpO2 é muito mais facilmente obtida do que o PFE e não é esforço-dependente.(23-24)

A literatura é conflitante em relação à importância relativa dos vários componentes da história clínica na evolução dos pacientes com asma aguda. Alguns estudos observaram que os dados da história clínica podem ser indicativos da necessidade de hospitalização,(9,30) o que não foi observado em outros estudos.(3,7-8) Em nosso trabalho, apenas um dado da história clínica diferenciou significativamente os grupos de pacientes internados e não internados: o número de atendimentos anteriores pela exacerbação atual, o qual foi significativamente maior nos pacientes que foram internados.

Quando comparamos os grupos de pacientes dispensados sem recidiva e dispensados com recidiva, observamos que somente duas características diferenciaram significativamente os dois grupos: o intervalo de tempo menor do que 30 dias desde a última crise e o número de inalações recebidas na UE. Este dado pode sugerir que a melhora que o paciente apresenta, quando se aumenta o número de doses de broncodilatador para acima de três, pode ser apenas transitória, indicando que o quadro obstrutivo é mais grave. O número de atendimentos anteriores pela crise atual, o escore clínico, a SpO2 e o PFE não foram preditivos da recidiva da asma aguda. Também não se observou diferença entre os grupos, com relação à prescrição de corticosteróide após a alta, sendo que dentre os 7 pacientes que apresentaram recidiva, somente 2 foram dispensados sem prescrição de corticosteróide.

Concluímos que, embora o escore clínico inicial, isoladamente, tenha se mostrado uma medida capaz de discriminar os pacientes que foram internados, existem razões suficientes que justificam a importância de sua complementação, com medidas objetivas de avaliação da gravidade da asma aguda. Com base em nossos resultados, acreditamos que não se pode prescindir da avaliação da SpO2 na UE. Com relação ao PFE, por se tratar de uma medida de difícil obtenção e interpretação nas crianças com asma aguda, consideramos questionável a sua aplicação prática na UE.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo apoio ao projeto de pesquisa (00/06883-1).

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* Trabalho realizado no Instituto da Criança do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP -
São Paulo (SP) Brasil.
1. Mestre e Doutor em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) Brasil. Médica Pediatra do Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP) Brasil.
2. Mestre e Doutor em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe da Unidade de Pneumologia Pediátrica do Instituto da Criança - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP)Brasil.
Endereço para correspondência: Joaquim Carlos Rodrigues. Av. Dr Enéas de Carvalho Aguiar 647 - CEP: 05403-900 - Cerqueira César, São Paulo (SP) Brasil. Tel: 55 11 E-mail: jocarod@uol.com.br
Recebido para publicação em 21/7/04. Aprovado, após revisão, em 2/5/05.

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