Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
8006
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Dimensões da sonolência e suas correlações com os transtornos respiratórios do sono na apneia do sono leve

Dimensions of sleepiness and their correlations with sleep-disordered breathing in mild sleep apnea

Denis Martinez, Magali Santos Lumertz, Maria do Carmo Sfreddo Lenz

ABSTRACT

Objective: There are many ways of assessing sleepiness, which has many dimensions. In patients presenting a borderline apnea-hypopnea index (AHI, expressed as events/hour of sleep), the mechanisms of excessive daytime sleepiness (EDS) remain only partially understood. In the initial stages of sleep-disordered breathing, the AHI might be related to as-yet-unexplored EDS dimensions. Methods: We reviewed the polysomnography results of 331 patients (52% males). The mean age was 40 ± 13 years, and the mean AHI was 4 ± 2 (range, 0-9). We assessed ten potential dimensions of sleepiness based on polysomnography results and medical histories. Results: The AHI in non-rapid eye movement (NREM) stage 1 sleep (AHI-N1), in NREM stage 2 sleep (AHI-N2), and in REM sleep (AHI-REM) were, respectively, 6 ± 7, 3 ± 3 and 10 ± 4. The AHI-N2 correlated significantly with the greatest number of EDS dimensions (5/10), including the Epworth sleepiness scale score (r = 0.216, p < 0.001). Factor analysis, using Cronbach's alpha, reduced the variables to three relevant factors: QUESTIONNAIRE (α = 0.7); POLYSOMNOGRAPHY (α = 0.68); and COMPLAINTS (α = 0.55). We used these factors as dependent variables in a stepwise multiple regression analysis, adjusting for age, gender, and body mass index. The AHI-N1 correlated significantly with POLYSOMNOGRAPHY (β = −0.173, p = 0.003), and the AHI-N2 correlated significantly with COMPLAINTS (β = −0.152, p = 0.017). The AHI-REM did not correlate with any factor. Conclusions: Our results underscore the multidimensionality of EDS in mild sleep apnea.

Keywords: Disorders of excessive somnolence; Sleep apnea syndromes; Sleep, REM; Polysomnography.

RESUMO

Objetivo: Há muitas formas de avaliação da sonolência, a qual possui diversas dimensões. Em pacientes com um índice de apneia-hipopneia (IAH, expresso em eventos/hora de sono) limítrofe, os mecanismos da sonolência excessiva diurna (SED) permanecem apenas parcialmente esclarecidos. Nos estágios iniciais do transtorno respiratório do sono, o IAH pode estar relacionado a outras dimensões da SED ainda não exploradas. Métodos: Revisamos os resultados de polissonografia de 331 pacientes (52% do sexo masculino). A idade média foi de 40 ± 13 anos e o IAH médio de 4 ± 2 (variação, 0-9). Avaliamos dez dimensões potenciais de sonolência com base nos resultados da polissonografia e da história médica. Resultados: O IAH em sono non-rapid eye movement (NREM) estágio 1 (IAH‑N1), em sono NREM estágio 2 (IAH-N2), e em sono REM (IAH-REM) foram, respectivamente, 6 ± 7, 3 ± 3 e 10 ± 4. O IAH-N2 se correlacionou significantemente com o maior número de dimensões de SED (5/10), incluindo o escore da escala de sonolência de Epworth (r = 0,216, p < 0,001). Análise de fatores, utilizando-se o alfa de Cronbach, reduziu as variáveis a três fatores relevantes: QUESTIONÁRIO (α = 0,7); POLISSONOGRAFIA (α = 0,68); e QUEIXAS (α = 0,55). Usando esses fatores como variáveis dependentes na regressão múltipla, ajustando para idade, gênero e índice de massa corporal, o IAH-N1 se correlacionou significantemente com POLISSONOGRAFIA (β = −0,173, p = 0,003) e o IAH-N2, com QUEIXAS (β = −0,152, p = 0,017). O IAH-REM não se correlacionou com nenhum fator. Conclusões: Nossos resultados confirmam a multidimensionalidade da SED na apneia do sono leve.

Palavras-chave: Distúrbios do sono por sonolência excessiva; Síndromes da apneia do sono; Sono REM; Polissonografia.

Introdução

A síndrome das apneias-hipopneias obstrutivas do sono (SAHOS) é uma doença fatal que causa vários sintomas,(1,2) sendo o mais sério deles a sonolência, em virtude do aumento do risco de acidentes com veículos motorizados.(3-5) A fisiopatologia da SAHOS é complexa.(6) Um dos principais mecanismos da SAHOS é o dos despertares respiratórios, que fragmentam o sono, resultando em sonolência excessiva diurna (SED).

Em populações com SAHOS, no entanto, os índices polissonográficos de fragmentação do sono raramente exibem uma forte associação com a SED, medida objetiva ou subjetivamente.(7) O padrão ouro para a avaliação da sonolência é o teste das múltiplas latências do sono (TMLS), e um dos parâmetros mais úteis na avaliação de pacientes com suspeita de sofrerem distúrbios respiratórios do sono (DRS) é o índice de apneia-hipopneia (IAH), expresso em eventos/hora de sono. Usando o TMLS, Kass et al. descobriram que um IAH durante o sono com rapid eye movement (IAH-REM) > 15 é associado à SED, mesmo em indivíduos com IAH geral de < 10.(8) Esse achado sugere que a fragmentação do sono REM é mais importante que a fragmentação geral do sono como fonte da SED.(8) Embora estudos subsequentes não tenham confirmado esse achado,(9,10) as discrepâncias poderiam ser devidas às diferenças metodológicas relacionadas ao uso do TMLS.(11) A síndrome de resistência das vias aéreas superiores (SRVAS), outra causa da SED,(12) também é caracterizada por despertares respiratórios, sem, no entanto, dessaturação de oxigênio ou parada respiratória. A hipoxemia está associada à hipersonia na SAHOS.(13) Entretanto, em indivíduos com SRVAS, a dessaturação de oxigênio é desprezível ou ausente. Portanto, as fontes de SED em pacientes com SAHOS e SRVAS leves ainda não foram totalmente compreendidas.

No Sleep Heart Health Study,(14) envolvendo 1.824 indivíduos, o IAH associou-se significativamente com a SED, medido pela escala de sonolência de Epworth (ESE), uma medida subjetiva autorrelatada.(15)
Portanto, medidas subjetivas e objetivas de sonolência podem ser usadas a fim de identificar correlações com índices de DRS. Tanto os métodos subjetivos de avaliação da SED (geralmente questionários) como os métodos objetivos (geralmente medidas de latência do sono) apresentam certas limitações, e debate-se quanto ao método que melhor reflete a gravidade da SAHOS. Sugeriu-se que a sonolência tem dimensões múltiplas, que são avaliadas por diferentes testes, e que não há padrão ouro para medir a sonolência.(16) Um estudo recente identificou três dimensões de sonolência: sonolência diurna percebida, propensão subjetiva ao sono em situações ativas e propensão subjetiva ao sono em situações passivas.(17)

A palavra "sonolência" tem uma variedade de significados e interpretações; os indivíduos com SAHOS costumam usar termos como "fadiga", "cansaço" e "falta de energia". A definição de sonolência tem implicações no diagnóstico diferencial. Há quatro possíveis diagnósticos para um paciente com suspeita de SAHOS(18):

 SAHOS, se o IAH for > 5 e o paciente relatar SED
 SRVAS, se o IAH for < 5 e o paciente relatar SED
 DRS, se o IAH for > 5 e não houver evidência de sonolência
 normal, se o IAH for < 5 e não houver evidência de sonolência

Os clínicos deparam-se com um desafio diagnóstico quando a SED subjetiva é difícil de ser estabelecida. Por exemplo, se o paciente se queixa apenas de cansaço pela manhã ou o escore do ESE é < 10. O diagnóstico também pode ser complexo quando os valores de polissonografia são limítrofes. Exemplos de tais valores limítrofes incluem um IAH ≈ 5 ou uma latência do sono média (determinada pelo TMLS) de ≈ 10 min.

Kass et al. trouxeram à baila o importante problema clínico do DRS limítrofe e iniciaram a busca por causas diferentes de SED em pacientes com DRS.(8) Embora os resultados obtidos por esses autores estejam em desacordo com todas as evidências subsequentes, podemos presumir que o IAH-REM fornece algum tipo de informação diagnóstica que foi revelada apenas em seu estudo. A maioria dos autores reconhece a necessidade urgente de dados baseados em evidências para ajudar a definir quais sintomas influenciam o processo diagnóstico, bem como para identificar os limites normais precisos dos valores polissonográficos. Até o momento, as decisões tomadas por sociedades internacionais com relação aos critérios diagnósticos da SAHOS têm sido amplamente baseadas na experiência e não em evidências.(19) Como a sonolência parece ser um sintoma multidimensional, decidimos testar a hipótese de que os dados de polissonografia disponíveis e o histórico médico podem explicar a evolução da sonolência nas fases iniciais de DRS, durante as quais o IAH específico do sono REM pode estar associado a outras dimensões de SED, ainda inexploradas.

Métodos

Neste estudo retrospectivo observacional, selecionamos e armazenamos dados dos pacientes e de polissonografias. O tamanho da amostra foi definido com base em dados na literatura.(9) De janeiro de 2000 a junho de 2005, 3.973 pacientes (≥ 18 anos de idade), com suspeita de transtornos do sono, submeteram-se à avaliação clínica - incluindo a determinação de índice de massa corporal (IMC)-e polissonografia de noite inteira, no laboratório do sono da Escola de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS).

Quando o tamanho desejado da amostra foi atingido, revisamos o banco de dados. O IAH geral foi de < 10 em 1.456 pacientes. Entre esses pacientes, os dados clínicos estavam completos em 378, que, portanto, foram selecionados para o estudo. Excluímos 26 indivíduos, que não tinham passado pelo menos 30 min em sono REM e em sono não-REM (NREM), bem como 21 indivíduos que utilizavam ansiolíticos, antidepressivos ou substâncias psicotrópicas. Como se pode ver na Tabela 1, os 331 casos selecionados apresentaram as seguintes características: suspeita de SAHOS; IAH < 10; polissonografia de noite inteira; e dados autorrelatados completos com relação à sonolência. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.




Os dados de polissonografia foram registrados no período entre 23:00 e 7:00 h, como já descrito,(20) e pontuados de acordo com os critérios adotados pela Associação Brasileira do Sono.(21) Os parâmetros respiratórios foram avaliados por pletismografia calibrada por indutância (Respitrace; AMI, Ardsley, NY, EUA) ou por Respitrace com o auxílio de um sistema de transdução por pressão de cânula nasal (EMSA; Rio de Janeiro, Brasil). Os despertares foram pontuados de acordo com os critérios estabelecidos pela Academia Americana de Medicina do Sono.(22) O IAH foi calculado separadamente para o tempo total de sono (IAH-TTS), sono REM (IAH-REM), estágio 1 do sono NREM (IAH‑N1) e estágio 2 do sono NREM (IAH-N2).

Foi usada uma versão traduzida (português do Brasil) da ESE. A escala foi revisada por um técnico, que auxiliou os pacientes a entender as questões.

Para avaliar a SED, utilizamos dez variáveis que representavam diferentes dimensões putativas de sonolência. Quatro delas eram variáveis paramétricas, e seis delas eram variáveis binárias:
Variáveis paramétricas -

 escore da ESE
 latência no estágio 2(23)
 eficiência do sono
 anos desde o início da SED

Variáveis binárias -

 sonolência como queixa principal
 pelo menos uma comorbidade, tal como depressão,(24-26) diabetes,(24) ou tabagismo atual(25)
 sonolência pela manhã ou à tarde, definida com base na resposta à questão "Em que período do dia você se sente com mais sono?" (se o indivíduo indicava qualquer horário pela manhã mais qualquer horário à tarde, era classificado como sonolência pela manhã/tarde)
 relato de ter adormecido após dirigir por 1 h ou menos
 relato de ter adormecido após trabalhar sentado por 1 h ou menos
 insônia como queixa principal.(27)

Os pacientes eram classificados como deprimidos se preenchessem pelo menos quatro dos critérios estabelecidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição, ou se tivessem sido anteriormente diagnosticados ou submetidos a tratamento para depressão. Um escore da ESE de > 10 foi considerado como indicativo de SED.(28)

Os dados são apresentados como média e desvio-padrão. A análise estatística foi realizada através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Em virtude da sua distribuição não-normal, todos os dados relacionados aos IAH específicos do estágio e à eficiência do sono foram analisados através do teste de correlação de Spearman não-paramétrico. Para as regressões linear e logística, utilizamos as raízes quadradas dos IAH. Os dados de eficiência do sono também apresentaram distribuição não-normal e foram, portanto, convertidos em logaritmo natural. A análise da curva receiver operating ­characteristic foi usada para identificar um ponto de corte de IAH que pudesse predizer um escore da ESE > 10.

O teste do qui-quadrado foi usado para comparar variáveis não-paramétricas. Para identificar as inter-relações entre as dez variáveis putativas de sonolência, usamos a análise de concordância. A "latência do sono" e "insônia como queixa principal" correlacionaram-se negativamente com a sonolência. Portanto, criamos as variáveis inversas "premência de sono" (1/­latência do sono) e "sem insônia".
Para reduzir o número de dimensões e determinar quais dimensões avaliavam o mesmo fator, realizamos uma análise fatorial, usando a análise do componente principal como o método de extração e um método oblíquo de rotação. A medida de Kaiser-Meyer-Olkin foi usada para avaliar a adequação da amostra.



No presente estudo, o IMC médio foi mais alto entre os homens que entre as mulheres (25,9 ± 3 kg/m2 vs. 23,7 ± 3,9 kg/m2). Os homens também relataram roncar com maior frequência (25% vs. 15%) e maior sonolência (escore da ESE = 10 ± 5 vs. 8 ± 4; p < 0,001). Havia 113 pacientes (34%) com um escore da ESE > 10. Um IAH-REM > 15 não apresentou associação significativa com o escore da ESE > 10 (χ2 = 0,61; p = 0,49).

As correlações bivariadas das dimensões de sonolência com IAH específicos do estágio e com escore da ESE estão dispostos na Tabela 2. O IAH-TTS se correlacionou significativamente com quatro das dimensões putativas de sonolência, enquanto o IAH-N1 se correlacionou significativamente com três, o IAH-N2 se correlacionou significativamente com cinco, e o IAH-REM se correlacionou significativamente apenas com a sonolência pela manhã/tarde. O escore da ESE se correlacionou significativamente com seis das nove dimensões possíveis de sonolência.



A análise da curva receiver operating characteristic de todos os IAH para detectar um escore da ESE de > 10 foi significativa apenas para o IAH-N2 (área sob a curva = 0,6; p = 0,006), sendo a melhor acurácia obtida quando o valor de corte do IAH-N2 foi de 2,5 (sensibilidade = 54%; especificidade = 57%).

Na análise de concordância, três das dimensões putativas de sonolência (anos desde o início da SED; comorbidades; e sonolência pela ­manhã­/­­tarde) foram excluídas, em virtude de razões que serão discutidas abaixo.

O coeficiente de correlação intraclasse foi de 0,254 (p < 0,001), e o coeficiente alfa padronizado de Cronbach foi de 0,715, indicando que as sete dimensões remanescentes são medidas de sonolência.

Foi realizada uma análise fatorial, usando as sete dimensões de sonolência incluídas na análise de concordância. Dos fatores derivados destas sete variáveis, três apresentaram um eigenvalue > 1 e foram, portanto, incluídos nas análises. Esses três fatores explicaram 72% da variância total da amostra. As correlações das sete variáveis com cada fator são mostradas na Tabela 3. A estatística de Kaiser-Meyer-Olkin foi de 0,68, indicando boa adequação da amostra. O primeiro fator (QUESTIONÁRIO) se correlacionou com as dimensões de ESE "sonolência à direção", e "sonolência no trabalho", com um coeficiente alfa de Cronbach de 0,7. O segundo fator (POLISSONOGRAFIA) se correlacionou com as variáveis polissonográficas: "premência de sono" (o inverso da latência para o estágio 2) e "eficiência do sono", com um coeficiente alfa de Cronbach de 0,68. O terceiro fator (QUEIXAS) se correlacionou com as variáveis da entrevista clínica "sonolência como queixa principal" e "insônia como queixa principal", com um coeficiente alfa de Cronbach de 0,55.



Os resultados da análise multivariada são mostrados na Tabela 4. Após o ajuste por gênero, idade e IMC, observamos que o IAH-N1 se correlacionou significativamente com o fator POLISSONOGRAFIA (β = −0,173, p = 0,003), o IAH-N2 se correlacionou significativamente com o fator QUEIXAS (β = −0,152, p = 0,017), e o IAH-REM não se correlacionou com nenhum fator.




Usamos tabelas 2 × 2 para determinar o impacto que a mudança na dimensão de sonolência tem no diagnóstico de SAHOS. A insônia foi identificada com base em um critério diagnóstico semelhante ao usado na identificação da sonolência. A sonolência pela manhã/tarde foi considerada positiva para um diagnóstico de SAHOS quando era mais pronunciada pela manhã. Quando as quatro variáveis paramétricas foram utilizadas, a eficiência do sono > 85%, latência para o estágio 2 < 10 min, escore da ESE > 10 e anos desde o início da SED > 4 foram considerados indicativos de sonolência. Usando as dez dimensões de sonolência e os IAH para definir os quatro diagnósticos possíveis (Tabela 5), observamos que a porcentagem de casos com SAHOS variou entre 9% e 38%, em comparação a 8% e 43% para SRVAS, 4% e 33% para DRS e 15% e 50% para o diagnóstico normal.



Discussão

O presente estudo foi realizado a fim de determinar se uma abordagem diferente confirmaria o achado de Kass et al. de uma associação entre sonolência objetiva e DRS durante o sono REM.­(8) Cogitamos a hipótese que as escalas subjetivas de sonolência poderiam fornecer novas percepções sobre essa questão. No entanto, nossos achados não suportam a proposição que a fragmentação do sono REM possa ser mais importante que a fragmentação geral do sono para causar a SED, talvez porque nossa amostra foi consideravelmente maior que aquela avaliada no estudo de Kass et al. (n = 331 vs. n = 34).(8)

A natureza retrospectiva do estudo poderia ser considerada uma limitação, bem como o fato de empregarmos índices de sonolência que são tanto subjetivos como especulativos. Contudo, nossos achados estão de acordo com os de dois outros estudos em grande escala,(9,10) nos quais o IAH-REM não foi identificado como causa de SED comprovada pelo TMLS. Um desses estudos envolveu 342 pacientes com um IAH-TTS < 10 e mostrou que o IAH-TTS se correlaciona significativamente com o TMLS, o que não acontece com o IAH-REM.(9) Esse achado é semelhante ao nosso, em que cinco das dez dimensões de sonolência se correlacionaram significativamente com o IAH-N1, IAH-N2 e IAH-TTS, embora não com o IAH-REM. O IAH no sono REM e NREM se correlacionou de modo diferente porque selecionamos pacientes com um IAH-TTS < 10 a fim de facilitar a comparação entre os nossos resultados e os de Kass et al. A maioria dos estudos que investigam os DRS no sono REM vs. sono NREM utilizou a ampla gama de IAH e, portanto, não podem ser comparados com o presente estudo, que segue a metodologia única utilizada por Kass et al.(8)

Nossos dados rejeitam a hipótese de Kass et al. segundo a qual o DRS específico do REM é uma fase inicial ou prodrômica de SAHOS. Em vista dos numerosos relatos de que o IAH-REM não se correlaciona com a sonolência objetiva ou subjetiva, a possibilidade de que o DRS no sono REM não represente um estado de doença tem de ser considerada.

Várias instabilidades fisiológicas são pertinentes ao estado REM. Pode haver distúrbios de respiração no sono REM como reflexo dessa instabilidade geral ao invés de anormalidades específicas no controle respiratório. Isso poderia explicar porque o IAH-REM é o único IAH específico do estágio que não se correlacionou com nenhuma das dimensões de sonolência avaliadas no presente estudo. No entanto, o fato de o IAH-NREM ter-se correlacionado significativamente com a sonolência nesse estágio inicial de DRS indica que a SED é uma das manifestações iniciais de DRS.(12)

Nossos resultados mostram que algumas dimensões putativas de sonolência se correlacionam com alguns IAH específicos do estágio, embora apenas algumas dessas correlações permaneceram após o ajuste por gênero, idade e IMC, na análise multivariada. Cumpre salientar que não observamos nenhum efeito do gênero nas dimensões de sonolência; e tampouco observamos agrupamentos de DRS durante o sono REM em mulheres. É interessante notar que, na presente análise, o único IAH semelhante em homens e mulheres foi o IAH-REM (Tabela 1).

Todos esses achados discordam dos de relatos ­anteriores­.­­(17,29) Essa discrepância pode ser devida a amplas dessemelhanças entre as amostras estudadas em termos da razão sexo masculino/feminino, idade e IMC. Em nosso estudo, aproximadamente 7% dos pacientes foram diagnosticados com depressão, o que foi mais prevalente entre as mulheres. Embora a depressão seja um conhecido fator de confusão, ela não se correlacionou com nenhuma das dimensões de sonolência nem com nenhum dos IAH na análise univariada ou multivariada.

No mais citado estudo na literatura do sono,(30) 9% das mulheres e 24% dos homens tinham um índice de distúrbio respiratório de > 5.

Ressaltamos que apenas 2% das mulheres e 4% dos homens relataram SED, uma prevalência mais baixa que a relatada na maior parte da literatura. Essa discrepância se deve provavelmente a questões não-validadas, usadas pelos autores para identificar a sonolência. Seria interessante investigar os dados da população, usando diferentes dimensões de sonolência. No presente estudo, a porcentagem de pacientes diagnosticados com SAHOS variou entre 9% e 38%, quando diferentes indicadores de SED foram usados. Um ponto a ser considerado, no entanto, é que a versão da ESE para a língua portuguesa ainda não foi validada formalmente. O uso de uma tradução pode ter afetado as propriedades psicométricas da escala, e o uso do escore de 10 como limite normal pode, portanto, ter sido inapropriado. Apesar dessa limitação, o escore da ESE correlacionou-se significativamente com o IAH no sono NREM e no TTS.

Nossos resultados proporcionam uma percepção adicional na relação entre sonolência e IAH, em diferentes estágios do sono, sugerindo que o IAH-REM não está associado a dimensões de sonolência polissonográficas ou relatadas pelo paciente.

Referências


1. Parati G, Lombardi C, Narkiewicz K. Sleep apnea: epidemiology, pathophysiology, and relation to cardiovascular risk. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2007;293(4):R1671-83.

2. Germanowicz D, Lumertz MS, Martinez D, Margarites AF. Sleep disordered breathing concomitant with fibromyalgia syndrome. J Bras Pneumol. 2006;32(4):333-8.

3. George CF. Sleep apnea, alertness, and motor vehicle crashes. Am J Respir Crit Care Med. 2007;176(10):954-6.

4. Viegas CA, de Oliveira HW. Prevalence of risk factors for obstructive sleep apnea syndrome in interstate bus drivers. J Bras Pneumol. 2006;32(2):144-9.

5. Martinez D. Obstructive sleep apnea: a contagious disease? J Bras Pneumol. 2006;32(2):ix-x.

6. Martins AB, Tufik S, Moura SM. Physiopathology of obstructive sleep apnea-hypopnea syndrome. J Bras Pneumol. 2007;33(1):93-100.

7. Weaver EM, Kapur V, Yueh B. Polysomnography vs self-reported measures in patients with sleep apnea. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;130(4):453-8.

8. Kass JE, Akers SM, Bartter TC, Pratter MR. Rapid-eye-movement-specific sleep-disordered breathing: a possible cause of excessive daytime sleepiness. Am J Respir Crit Care Med. 1996;154(1):167-9.

9. Chervin RD, Aldrich MS. The relation between multiple sleep latency test findings and the frequency of apneic events in REM and non-REM sleep. Chest. 1998;113(4):980-4.

10. Punjabi NM, Bandeen-Roche K, Marx JJ, Neubauer DN, Smith PL, Schwartz AR. The association between daytime sleepiness and sleep-disordered breathing in NREM and REM sleep. Sleep. 2002;25(3):307-14.

11. Bonnet MH. ACNS clinical controversy: MSLT and MWT have limited clinical utility. J Clin Neurophysiol. 2006;23(1):50-8.

12. Guilleminault C, Stoohs R, Clerk A, Cetel M, Maistros P. A cause of excessive daytime sleepiness. The upper airway resistance syndrome. Chest. 1993;104(3):781-7.

13. Punjabi NM, O'hearn DJ, Neubauer DN, Nieto FJ, Schwartz AR, Smith PL, et al. Modeling hypersomnolence in sleep-disordered breathing. A novel approach using survival analysis. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(6):1703-9.

14. Gottlieb DJ, Whitney CW, Bonekat WH, Iber C, James GD, Lebowitz M, et al. Relation of sleepiness to respiratory disturbance index: the Sleep Heart Health Study. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(2):502-7.

15. Johns MW. A new method for measuring daytime sleepiness: the Epworth sleepiness scale. Sleep. 1991;14(6):540-5.

16. Johns M. Rethinking the assessment of sleepiness. Sleep Med Rev. 1998;2(1):3-15.

17. Kim H, Young T. Subjective daytime sleepiness: dimensions and correlates in the general population. Sleep. 2005;28(5):625-34.

18. Sleep-related breathing disorders in adults: recommendations for syndrome definition and measurement techniques in clinical research. The Report of an American Academy of Sleep Medicine Task Force. Sleep. 1999;22(5):667-89.

19. American Academy of Sleep Medicine. The international classification of sleep disorders diagnostic and coding manual. Westchester: American Academy of Sleep Medicine; 2005.

20. Braga CW, Martinez D, Wofchuk S, Portela LV, Souza DO. S100B and NSE serum levels in obstructive sleep apnea syndrome. Sleep Med. 2006;7(5):431-5.

21. Bittencourt LR, coordinator. Diagnóstico e tratamento da síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS) - Guia prático. São Paulo: LMP; 2008.

22. Iber C, Ancoli-Israel S, Cheeson Jr A, Quan SF. The AASM Manual for the Scoring of Sleep and Associated Events: Rules, Terminology and Technical Specification. Westchester: American Academy of Sleep Medicine; 2007.

23. Chervin RD, Kraemer HC, Guilleminault C. Correlates of sleep latency on the multiple sleep latency test in a clinical population. Electroencephalogr Clin Neurophysiol. 1995;95(3):147-53.

24. Bixler EO, Vgontzas AN, Lin HM, Calhoun SL, Vela-Bueno A, Kales A. Excessive daytime sleepiness in a general population sample: the role of sleep apnea, age, obesity, diabetes, and depression. J Clin Endocrinol Metab. 2005;90(8):4510-5.

25. Chellappa SL, Araújo JF. Excessive daytime sleepiness in patients with depressive disorder. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(2):126-9.

26. Kjelsberg FN, Ruud EA, Stavem K. Predictors of symptoms of anxiety and depression in obstructive sleep apnea. Sleep Med. 2005;6(4):341-6.

27. Sanford SD, Lichstein KL, Durrence HH, Riedel BW, Taylor DJ, Bush AJ. The influence of age, gender, ethnicity, and insomnia on Epworth sleepiness scores: a normative US population. Sleep Med. 2006;7(4):319-26.

28. Johns MW. Sleepiness in different situations measured by the Epworth Sleepiness Scale. Sleep. 1994;17(8):703-10.

29. O'Connor C, Thornley KS, Hanly PJ. Gender differences in the polysomnographic features of obstructive sleep apnea. Am J Respir Crit Care Med. 2000;161(5):1465-72.

30. Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud J, Weber S, Badr S. The occurrence of sleep-disordered breathing among middle-aged adults. N Engl J Med. 1993;328(17):1230-5.



Sobre os autores

Denis Martinez
Professor Associado. Departamento de Medicina Interna, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Magali Santos Lumertz
Médica residente em Pediatria. Hospital Santo Antonio, Porto Alegre (RS) Brasil.

Maria do Carmo Sfreddo Lenz
Pneumologista. Clínica do Sono, Porto Alegre (RS) Brasil.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia